
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga um aspecto importante da lei de direitos autorais no Brasil. Os ministros vão decidir se o uso alterado de canções em campanhas políticas, por meio de paródias, pode ocorrer sem a devida autorização dos compositores e sem o pagamento dos direitos autorais.
A definição, caso seja favorável, deve mudar os rumos da lei no país. Pela proposta, candidatos a cargos políticos estariam autorizados a utilizar livremente — e de maneira “reciclada” — quaisquer canções da música brasileira como base de jingles eleitorais.
Nesta semana, mais de 350 artistas divulgaram um manifesto contrário a tal possibilidade. Assinaram o documento nomes como Marisa Monte, Gilberto Gil, Samuel Rosa, Zeca Pagodinho, Djavan, Lenine, Milton Nascimento, Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
Roberto Carlos move ação

O julgamento deve pôr fim a uma ação que tramita na Justiça há oito anos. Em 2014, o deputado federal Tiririca (PL) se apropriou da música “O portão”, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos (e dos famosos versos “Eu voltei, agora pra ficar, porque aqui, aqui é o meu lugar”), para produzir o seguinte refrão de suas propaganda eleitoral: “Eu votei, de novo vou votar, Tiririca, Brasília é seu lugar”.
À época, Tiririca foi condenado em primeira instância pela utilização da obra sem a autorização dos autores. O deputado federal recorreu e, no fim de 2019, a 3ª Turma do STJ reverteu o resultado do processo, alegando que o conceito de paródia está enquadrado na lei. A defesa de Roberto Carlos entrou, então, com um recurso para que a decisão fosse reavaliada, algo que finalmente acontecerá em 2022, nesta quarta-feira.
Entenda contexto
Desta vez, estará em questionamento, no plenário, o conceito de paródia. A decisão do STJ, ate agora favorável a Tiririca, ressalta que o uso alterado de músicas em programas políticos deve ser considerado “paródia” e, por isso, isento de autorização e de pagamento de direitos autorais. Isso porque, de acordo com a Lei de Direitos Autorais, “são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito”. A questão, no entanto, é tema de controvérsia.
— A interpretação do STJ é totalmente fora da curva — contrapõe Sydney Sanches, presidente da comissão nacional de direitos autorais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). — Uma decisão favorável à liberação total traria muitas consequências num ano eleitoral como este. Esse julgamento não é só importante para a questão dos direitos autorais no país, mas para a democracia brasileira.
Cantores falam em retrocesso
No manifesto assinado por mais de 350 artistas, Roberto Carlos reforça que “diz não ao projeto de lei” para defender “os direitos autorais e as eleições limpas”. Para Erasmo Carlos, a aprovação do livre uso de canções em programas políticos representaria “um retrocesso para a defesa dos direitos autorais e da democracia”.
“As músicas são extensões da identidade privada do criador, através da qual o público o reconhece. Associar uma canção a uma campanha política representa atrelar o compositor à pretensão eleitoral de um político que irá se apropriar da música para benefícios eleitoreiros próprios”, frisou Erasmo Carlos.
*Com Agência O Globo