Léo Jaime comemora 40 anos de música, afeto e bom humor (Foto: Divulgação)

Dono de incontáveis hits populares, de outras tantas músicas de novela, e estrelando algumas como ator – viveu um papel importante junto à protagonista de “Bebê a Bordo” (1988), Leo revisita a própria história. Fala desde a censura que seu primeiro disco sofreu, à geladeira imposta pela gravadora Warner, em meados dos anos 1990, que resultou em um processo dele contra a multinacional. O multiartista também traz à cena o debate sobre gordofobia, os limites do humor e politicamente correto versus censura: “Creio que homofobia, racismo, etarismo, coisas assim tinham que ser proibidas mesmo. E crime não pode se ancorar como liberdade de expressão”.

São 40 anos de carreira, pavimentados com bom humor, com desafios, mas claro, com muito afeto. Leo Jaime celebra as quatro décadas do lançamento do seu primeiro disco solo, o polêmico “Phodas C“, e fez show ontem no Qualistage, no Rio, tendo como convidados, os amigos que estiveram no começo da batalha, e com quem o cantor deu os primeiros passos: Eduardo Dussek e o conjunto João Penca e Seus Miquinhos Amestrados.

Nesta entrevista Leo revisita alguns pontos da carreira, fala sobre a Censura que enfrentou durante o regime militar e discorda que o politicamente correto seja uma espécie de censura polida: “A censura proibia sem reflexão. E a reflexão sobre o que deve ser feito ou não é uma reflexão estética. Creio que homofobia, racismo, etarismo, coisas assim tinham que ser proibidas mesmo. E crime não pode se ancorar como liberdade de expressão”. Como plano futuro, Leo diz que pretende escrever um livro, uma biografia. Mas não uma sob a forma tradicional. “Penso em escrever uma biografia fictícia, lançando mão de um alter ego. Não quero fazer psicanálise em grupo. Digo que neste projeto, 1/3 será verdade e 2/3 invenção”.

Artista com múltiplas expressões – além de cantor é radialista, jornalista e ator -, ele também fala sobre o tempo em que ficou na geladeira da gravadora Warner, entre 1990 e 1995, e no qual teve que entrar com um processo contra a empresa para poder gravar o dançante “Todo Amor“, que veio a ser seu penúltimo álbum inédito. Leo está desde 2008 sem lançar um disco novo. “Entrei com uma ação contra a gravadora, pois estava fora da lista de prioridades dela. Me contrataram sem me deixar trabalhar. Para me libertar disto tive que entrar com uma ação, mas por consequência, depois, ninguém quis assinar comigo”, revela.

“Tenho 25 anos e sinto que nasci no tempo atrasado“. A frase anterior declarada por Leo em 1985, divertiu o cantor ao ser relembrada. Ele, que hoje está com 63 anos, e que lançou o primeiro disco aos 23. “Aos 25, eu pensava a vida como uma sequência de eventos e com desejo – esse, com D maiúsculo – que move até hoje. É preciso ter um amor, um desejo, um afeto para se mover”.

A carreira musical de Leo Jaime começou no grupo João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, conjunto de rockabilly bem-humorado e carioquíssimo. Em 1983, Leo saiu do grupo e lançou-se em carreira solo. O primeiro disco, “Phoda-C”, foi polêmico por várias razões. Não apenas em face do trocadilho sonoro com o palavrão, mas pelas músicas de humor rascante. Uma delas, Sônia, também apoiava-se no trocadilho e brincava com a canção “Sunny”, de Boney M. uma paródia com uma letra bem, digamos, maliciosa. “Sônia” acabou recebendo uma versão mais light, que tinha autorização para tocar nas rádios. O disco também continha uma a faixa, “Aids”, que olhava com certo humor para a doença, o que hoje seria, no mínimo controverso. Diante de tanta transgressão, “Phodas-C” tinha muitas restrições para trasmissão radiofônica e foi liberado para venda apenas no ano seguinte, 1984, com proibição para menores de idade – o que se refletiu em sua vendagem, que não foi expressiva.

Ainda em 83, Ney Matogrosso gravou “Calúnias”, de Leo e Selvagem Big Abreu, que acabou recebendo o subtítulo de “Telma, eu não sou gay“, também uma versão parodiada de “Tell me Once Again“. Sucesso inesperado na voz de Matogrosso, já que a música só constaria no disco dos Miquinhos, a canção acabou entrando no disco “Pois é…” do cantor matogrossense, a seu contragosto, o que motivou a saía de Ney da gravadora. Sobre esse grande reboliço, Leo traduz com um inevitável… trocadilho: “São 40 anos de Phoda-C”.

Penso na minha trajetória como um jogo: Jogo de cena, jogo de palavras, atuar é jogar. É gostar do jogo gostar de brincar. O mundo muda de cena em um minuto e tudo é muito claro. Hoje há mais liberdade de ser, de pensar, de fazer – Leo Jaime

No show de 40 anos de carreira, novos arranjos, e releitura dos grandes sucessos, como “A Vida Não Presta” e “Abaixo a depressão“. Léo diz que este “é um show pensado em fazer o que deu certo ao longo das décadas. Uma colcha de retalhos que tem como objetivo fazer todo mundo feliz”. Além do show, ainda que seja um projeto para longo prazo, ele ambiciona fazer uma biografia, “mas uma narrativa sem expor os outros. Acho que se deve humanizar biografias. A meu ver este tipo de literatura deve ser escrito por outra pessoa e não de forma autobiográfica, que sempre tem algo distorcido”. Leo quer fazer uma biografia ficcional, sob o mote “é tudo mentira, até o que aconteceu de verdade”.

Contemporaneamente tem havido um debate sobre o politicamente correto, visto como uma forma de censura. Para Leo, não é bem assim. “A diferença entre elas está entre moral e ética. O que se chama politicamente correto seria uma questão ética. A censura proibia e sob uma prerrogativa estética: Isso é bonito, isso é legal, isso não é”. Como geralmente essas questões sobre o politicamente correto atravessam a pauta do humor, Leo diz que “o humor nunca precisou ofender ou humilhar. Há uma possiblidade que me agrada muito, que é fazer graça sem ofender ninguém. Quem acredita que isso é chato, pensa assim por não ter inteligência. Eu conheço comediantes muito ricos, interessantes, que não ofendem. Mas, ainda que possa parecer contraditório, também acho que cabe ao humor cutucar o status quo. Dar um chute na canela do que é estabelecido e debater”.

Leo completa dizendo que “é possível fazer dramaturgia sem crime, não que ache que não deva haver dramaturgia sem crime. Acho que é possível escrever histórias interessantes sem que com isso as pessoas estejam querendo se destruir mutuamente. Em “This is us“, série americana, por exemplo, não tem isso. O conflito existe na diferença entre os personagens”.

A versatilidade artística de Leo foi alvo de críticas no início de carreira, assim como sua voz e suas músicas. Uma delas assinalava que ele “canta mal e que ‘Rock da Cachorra’ [gravada por Eduardo Dussek] era uma porcaria”. Outros diziam que ele não tinha foco, já que era jornalista, ator e radialista: “Fazer essa porção de coisas é a minha identidade mesmo. Eu guiei minha carreira não por uma fórmula de sucesso, mas pelo coração.

Quanto aos críticos da Internet e pessoas que querem balizar o que é certo e errado, ele diz que “sempre terá alguém criticando aquilo que se faz ou que se tem vontade. Se formos pedir autorização do mundo para ter prazer na vida estaremos fadados a fracassar. Em 40 anos de estrada, o que aprendi foi a escolher as companhias, e fazer o que eu tenho vontade. Quando lancei “As Sete Vampiras” a gravadora negou-se a fazê-lo, assim como quando do lançamento de “Rock da Cachorra“.

Quando eu posto nas redes sociais as minhas aulas de balé, 99,9% das pessoas dizem ser isso algo libertador, inspirador, e quem está focado em me gongar eu não dava importância. Essa pessoa não existe, não vale a pena, não importa”.

Com informações de Heloísa Tolipan