Djavan nega boatos de Parkinson

Djavan só leva ao jardim de sua casa, no Rio, quem ele gosta muito. Repleto de bromélias, coqueiros e orquídeas aquele é um lugar especial para o compositor, conhecido por ter a contemplação como instrumento primordial de sua arte. Tudo começou em momentos de intimidade com a mãe. Ela costumava forrar com um cobertor o chão da calçada em frente à casa da família, em Alagoas, e convidar o filho a deitar em seu colo. Aconchegado ali, ele admirava as estrelas enquanto ela lhe explicava as constelações.

O amor pela natureza plantado firme no coração do menino também o fez conhecer os nomes das plantas e, sobretudo, serviu de inspiração para dezenas de músicas. Uma delas aliás, acaba de sair do forno com um alerta. “Beleza destruída”, dueto inédito com Milton Nascimento, está no disco “D”, que o artista lança quinta-feira. Tanto ela quanto “Num mundo de paz” saíram recentemente em formato de single, com direito a clipes assinados por Giovanni Bianco, também responsável pela direção de arte do disco. Detalhe: Bianco enviou 130 opções de capa para que Djavan escolhesse sua preferida.

O álbum, segundo Djavan, é uma “proposta à felicidade ao futuro, à esperança”. É também uma tentativa de ser compreendido. Muitas vezes apontado como autor de uma “música difícil” ele, mais do que tudo, quer se fazer entender. Magoou demais com o cancelamento sofrido em 2018, quando afirmou ter esperança no Brasil no momento em que Bolsonaro assumia o comando. Lamenta ter sido mal interpretado.

O mal-entendido não impactou o interesse por sua música, que não para de tocar nas festas jovens. Recentemente, o artista atingiu a marca de um bilhão de reproduções no streaming. Dia 10 de setembro, se apresenta no Palco Mundo do Rock in Rio. Em 16 do mesmo mês, estará no Coala Festival. Os dois serão shows com repertório de sucessos. Em março de 2023 estreia a turnê do novo disco em Maceió, sua terra natal. Depois, segue em turnê por oito cidades dos Estados Unidos. Em maio, aporta no Rio, no Qualistage.

Na entrevista a seguir, o músico de 73 anos fala da fama de recluso, diz que sexo é como respirar e nega estar com Parkinson.

O disco é luminoso, feliz. Tenho a sensação de que o mundo acabou com a pandemia e você está propondo a construção de outro. É por aí?
Exatamente. Vamos ter que inaugurar outro. Os tempos estão sombrios, mas não é para permanecer assim ad infinitum. O disco é uma proposta à felicidade, ao futuro, à esperança. Mesmo em “Mundo de paz”, estou falando de política, mas com outros argumentos. Não me deixei contaminar por todas essas questões que envolvem o Brasil hoje. Mesmo o obscurantismo, que se alastrou por tudo na pandemia. Fiz um disco tentando quebrar a hegemonia do obscurantismo, da falta de esperança. Tomei o cuidado de abordar os temas de maneira indubitavelmente esperançosa, querendo influir num pensamento positivo de todos.

Combater o obscurantismo com beleza…
Sem isso a vida não tem graça. É preciso beleza, coerência, generosidade, responsabilidade. A gente perdeu tudo isso. O Brasil está num estágio difícil, e com essa consciência a gente vai ter que brigar, lutar, trabalhar para que voltemos à vida normal.

Houve confusão quando você disse, em 2018, que tinha esperança no Brasil e que era cedo para avaliar o governo que havia ganhado as eleições? Como se sentiu ao ser associado a Bolsonaro?
Aviltado, injustiçado. Não achei correto sair dando cacetada num governo que nem tinha assumido. Quando falei que confiava no futuro do Brasil é porque temos um povo que é quem determina as coisas. Disse que confiava no futuro do Brasil e não no governo do Brasil. Distorceram. Comecei a ler coisas horríveis a meu respeito como se toda a minha história e meus posicionamentos não falassem sobre mim. Mas pensei que desmentir na internet era dar vazão à mentira. Fiquei na minha, levando cacetada.

O que te levou a se manifestar nas redes no ano passado, três anos depois, dizendo que não havia votado nele?
Ficou insuportável, não queria que aquilo se avolumasse ad infinitum. A injustiça dói. Sempre votei no Lula e vou votar. Sempre me posicionei nas músicas.

O que espera para o Brasil?
O melhor para o povo, porque governo é para isso. É o povo que elege, que precisa dos serviços, o povo pobre, principalmente. Espero que não só o Brasil, mas o mundo readquira valores que foram perdidos, como a capacidade de se envergonhar. A política historicamente sempre influenciou a sociedade. O povo brasileiro deu uma piorada. Essa eleição tem particularidade forte: a gente vai às urnas para votar na democracia. Espero que o país continue numa democracia plena, total e irrestrita.

Tem gente que considerada sua música complexa, com letras enigmáticas. Já se sentiu pressionado a fazer algo mais, digamos, palatável?
Muito. O começo, foi sofrido. Diziam que eu tinha que simplificar, mas eu não entendia o que era isso. Um produtor disse para eu fazer tipo Antônio Carlos e Jocafi: dois versinhos, refrão e pronto. Que eu tinha talento, mas complicava. Isso era mortal para mim. Não sabia o que fazer. Duas pessoas me ajudaram: (os produtores) João Araújo e o Waltel Branco. Disseram que minha estranheza era o que ia me levar longe.

A complexidade já começa no seu nome, né?
Ele me trouxe transtornos incríveis. Imagina a chamada no primário… Era “Dja o que, menino?”, perguntava a professora. A turma toda caía em cima de mim. Produtores quiseram mudar, diziam que eu não ia a lugar nenhum com esse nome. Eu perguntava a minha mãe: “Por que não Pedro, Manuel?”. Ela sonhou com um navio lindo que tinha esse nome. Mas meu irmão mais velho se chama Djacir e minha irmã do meio, Djanira. É uma premonição porque transformou-se em nome artístico. Depois que você decora, nunca mais esquece.

Coisa que aparentemente não fazem muito sentido, como “açaí, guardiã”, têm um significado ou você escolhia palavras aleatórias para encaixar na métrica da melodia?
Nunca houve usar palavra pela sonoridade, de maneira aleatória. Tudo faz o maior sentido. Essa polêmica do “açaí, guardiã”… Quem é nortista sabe que açaí é a fruta guardiã daquele povo sofrido, que não tem dinheiro para comer. Nutritiva, abundante. Agora, estou vendo as pessoas replicando meus versos de maneira errada. Em “Beleza destruída”, falo: “Pra quem hoje o futuro não conta/ logo vai ter conta pra pagar”. Estão dizendo “pra quem hoje o fruto não conta”… Começou a confusão… E perde o sentido completamente!

Isso te incomoda?
Eu ficava louco. Hoje, não fico mais. Ficaria se minha letra fosse publicada errada, por isso, eu e Suzy (empresária de Djavan) temos um trabalho gigantesco com isso.

Nos últimos tempos, você conquistou um público jovem, atingiu também a marca de um bilhão de reproduções no streaming. Como vê essa renovação de público interessado em seu trabalho?
A gente tem uma boa equipe de internet. Isso tem colocado as coisas em outro patamar. Minha música sempre teve facilidade de acolher pessoas de todas as crenças, classes sociais, raças, idades. Meus shows são frequentados por pessoas muito diversas. Com a internet, isso está se acentuando e acho que não vai parar.

Você gravou a música que encerra o disco, “Iluminado”, com seus filhos e netos. Pensam em fazer um show em família, seguindo o que fizeram Caetano Veloso e Gilberto Gil?
Não sei. Pode ser que seja inevitável no futuro. Eu tinha um projeto 20 anos atrás. Porque descobri a musicalidade deles desde que nasceram. Seria um disco que se chamaria Laia. Acabou não acontecendo. Aí, o Caetano fez, o Gil fez e achei que já não era mais adequado fazer, pelo menos não já. Agora, senti falta de trazer uma mensagem luminosa e achei que ela seria passada de maneira mais condizente se fosse a família falando a mesma coisa.

Como é o Djavan avô?
Amo ser avô, mas não aprendi até hoje. Porque meus filhos têm a mesma idade dos meus netos. Então, é ma confusão a convivência. Parece que também são meus filhos. Para você ter uma ideia, o Inácio (caçula) tem 15 anos e é tio do Tunes (filho da Flavia, a mais velha de Djavan), que tem 24.

Não seria uma boa jornalista se saísse daqui sem te perguntar: você está com alguma doença neurológica? Há boatos de que estaria com Parkinson…
Zero doença. Tive uma coisa chamada tremor essencial. Alguns têm nas mãos, outros nas pernas. Eu tive na cabeça. Era foda porque você aparece e aquilo já vem à tona, dava para ver de cara. E é muito emocional. Se você está preocupado, aquilo se acentua. O médico detectou, me medicou e eu fiquei bom. Não tive mais nada. É uma disfunção provocada pela carência de sono. Quanto menos você dorme, mais propensão ao tremor essencial você tem. Nunca fui o sujeito que mais dormiu na vida. Estou melhor agora.

Com informações do IG