Caso de homem que furtou filé de frango de R$ 4 foi parar no STJ - Foto: Salted / UOL

Casos de furto de chicletes, frango, macarrão instantâneo, papel higiênico e chocolate continuam chegando ao STJ e STF, mesmo após as Cortes já terem estabelecido que ocorrências desse tipo, que envolvem valores baixos, não deveriam ser punidas.

O que tem acontecido

Mãe de cinco filhos, desempregada e em situação de rua, Janaína (nome fictício) foi presa em 2021 após furtar dois pacotes de macarrão instantâneo, dois refrigerantes e um refresco em pó de um supermercado em São Paulo, avaliados em R$ 21,69. O Tribunal de Justiça negou a soltura dela sob o argumento da reincidência. Ela só deixou a prisão depois que o caso foi levado pela Defensoria ao STJ. Para o ministro Joel Ilan Paciornik, o valor dos produtos (menos de 2% do salário mínimo) e o estado de necessidade da mulher não justificaram o prosseguimento do caso.

Em casos com o de Janaína, a orientação dos tribunais superiores é que seja aplicado o princípio da insignificância. Também conhecido como princípio da bagatela, é um entendimento jurídico cujo objetivo é não penalizar furtos de baixo valor ou famélico — quando alguém furta comida, medicamentos ou qualquer outro item que seja imprescindível para sua sobrevivência ou de outra pessoa. Diferentemente do roubo, não deve haver uso de ameaça, violência ou arma.

Em 2004, o Supremo estabeleceu requisitos para a aplicação do princípio, como se houve ou não emprego de violência e a inexpressividade do dano. Esse entendimento não é obrigatório e serve para orientar os juízes a desconsiderar os casos em que o valor do furto não causa prejuízo à vítima —comida, chinelos, papel higiênico e sucata, por exemplo.

“São produtos de primeira necessidade. Quem é que furta dois pacotes de fralda para enriquecer?” questiona o defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro.

Mas casos continuam chegando. Apesar do entendimento, dados do STF mostram que, desde 2013, houve 571 acórdãos (decisão de órgão colegiado de um tribunal) e 3.305 decisões monocráticas (proferida por um ministro) sobre insignificância, média de 26 por mês. No STJ, os registros mostram 7.702 acórdãos e 62.771 decisões monocráticas para o tema. Não é possível somar as ações protocoladas nas duas Cortes, pois um mesmo processo pode ser julgado nas duas por causa de recursos.

Defensores públicos ouvidos pelo UOL apontam que o princípio da insignificância nem sempre é seguido. Juízes e desembargadores não só mantêm as prisões como condenam as pessoas acusadas de furto famélico, mesmo num cenário de aumento da fome no país — uma pesquisa divulgada no ano passado apontou que o problema atingia 33 milhões de brasileiros.

Os defensores dizem que os juízes alegam diferentes motivos para não aplicar o princípio da insignificância — desde que ele não existe até a reincidência do réu. Com os recursos dos advogados, esses processos fazem crescer o acervo dos tribunais superiores, causam mais lentidão à Justiça e levam mais pessoas ao já inchado sistema carcerário.

Ribeiro, que atua no STF desde 2007, diz que os casos de furto por fome ou de pequenos valores que chegam até as mais altas instâncias do Judiciário são comuns. Há uma ala no STF que defende que a reincidência não muda o fato de que o valor do furto é insignificante —a presidente da Corte, Rosa Weber, e os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes foram citados como exemplos. O ministro André Mendonça negou recentemente a aplicação do princípio no caso de uma mãe condenada por furtar fraldas, em Montes Claros (MG), que era reincidente.

Os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes tendem a aplicar a insignificância mesmo em casos de réus reincidentes – Foto: Marlene Bergamo / Folhapress

A DPU (Defensoria Pública da União) propôs ao STF uma súmula vinculante para evitar que os tribunais neguem, de forma genérica, a possibilidade da aplicação da insignificância. A súmula é um mecanismo para uniformizar decisões sobre determinados temas. “O objetivo dessa súmula é o reconhecimento por parte do STF, de forma vinculante, de que esse princípio existe e pode ser aplicado no direito brasileiro”, diz Ribeiro.

Prisão por chocolate, frango e chiclete

Ana (nome fictício) tinha 35 anos quando foi presa em flagrante pela tentativa de furto de 18 chocolates e 89 chicletes de um trailer em Boa Esperança (MG) no valor de R$ 50, em 2013. Condenada, ela viu seu caso parar no STF com a atuação da Defensoria Pública. Em 2021, o ministro Nunes Marques negou pedido de absolvição porque ela estava acompanhada de um rapaz na hora do furto. Ele só reconsiderou e decidiu pela absolvição dela no mês passado.

“É terrível, principalmente quando é – e normalmente é – [casos de] mãe ou pai que tem filhos pequenos. Essa pessoa, no desespero, acaba cometendo esse tipo de furto e se cria um desastre familiar: a mãe presa e os filhos pequenos sem qualquer pessoa para cuidar. Muitas vezes o furto nem se efetiva, porque são casos de flagrante, o produto é devolvido e não há prejuízo. Óbvio que ninguém esta defendendo que se furte, mas se acontece as medidas têm que ser proporcionais ao que aconteceu, não sair prendendo, condenando todo mundo.” afirma Rafael Muneratti, defensor público de SP com atuação em Brasília que defendeu Janaína

A DPU (Defensoria Pública da União) propôs ao STF uma súmula vinculante para evitar que os tribunais neguem, de forma genérica, a possibilidade da aplicação da insignificância. A súmula é um mecanismo para uniformizar decisões sobre determinados temas. “O objetivo dessa súmula é o reconhecimento por parte do STF, de forma vinculante, de que esse princípio existe e pode ser aplicado no direito brasileiro”, diz Ribeiro.

Prisão por chocolate, frango e chiclete

Ana (nome fictício) tinha 35 anos quando foi presa em flagrante pela tentativa de furto de 18 chocolates e 89 chicletes de um trailer em Boa Esperança (MG) no valor de R$ 50, em 2013. Condenada, ela viu seu caso parar no STF com a atuação da Defensoria Pública. Em 2021, o ministro Nunes Marques negou pedido de absolvição porque ela estava acompanhada de um rapaz na hora do furto. Ele só reconsiderou e decidiu pela absolvição dela no mês passado.

“É terrível, principalmente quando é – e normalmente é – [casos de] mãe ou pai que tem filhos pequenos. Essa pessoa, no desespero, acaba cometendo esse tipo de furto e se cria um desastre familiar: a mãe presa e os filhos pequenos sem qualquer pessoa para cuidar. Muitas vezes o furto nem se efetiva, porque são casos de flagrante, o produto é devolvido e não há prejuízo. Óbvio que ninguém esta defendendo que se furte, mas se acontece as medidas têm que ser proporcionais ao que aconteceu, não sair prendendo, condenando todo mundo.” finalizou Rafael Muneratti, defensor público de SP com atuação em Brasília que defendeu Janaína

*Com informações de Uol