Americano, conhedido como Gooney Googles, foi convidado para assistir em junho um dos shows da turnê dos Racionais MC’s
“Apertei a mão de todos eles”, conta Clinton Manegault, mais conhecido no mundo digital como GooneyGoogles. A energia do show e a participação da plateia deixaram o americano de queixo caído.
“Eu tenho 37 anos. Todo mundo ali tinha a minha idade ou menos. E sabiam todas as letras das músicas”, diz admirado. Manegault descobriu, nos Racionais, uma conexão com a cultura brasileira que não poderia imaginar quando decidiu criar um canal próprio no YouTube durante a pandemia.
A ideia inicial era reagir a filmes. Aqueles famosos que, por um motivo ou outro, Manegault não chegou a assistir.
Foi o caso de “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles e Katia Lund, lançado em 2002. O sucesso do longa, na época, chamou a atenção do americano. Mas entrou naquela lista de filmes tipo “um dia eu vejo”.
Poucos anos depois, Manegault se alistou e serviu no Iraque como fuzileiro naval. Ele nunca esteve em situações de combate, trabalhava com informática.
Na volta se mudou para a Carolina do Norte, terra da mulher que conheceu nas forças armadas. Hoje ele mora em uma casa típica de subúrbio americano, daquelas que se vê em filmes, com jardim, quintal, outras casas em volta e nada de comércio por perto.
Foi nessa casa, isolado com a mulher e o filho por causa da pandemia de Covid, que ele criou o personagem GooneyGoogles, nome que tomou emprestado de uma apresentação de Eddie Murphy.
Os primeiros filmes que Manegault analisou renderam quase 2.000 assinantes para o canal. Mas, quando ele descobriu o Brasil, foi uma revolução. O número de inscritos subiu para 230 mil e os vídeos mais vistos são os dos comentários que ele já fez sobre músicas dos Racionais MC’s.
Basta falar da banda que as visualizações disparam para a casa dos milhões. Mas foi através de Fernando Meirelles, o cineasta, que o americano chegou a Mano Brown, o poeta.
“Cidade de Deus” foi uma revelação. “Vi e amei”, conta Manegault à BBC News Brasil. “Fiz essa conexão por causa daquelas pessoas negras na tela. Eu conheci crianças assim quando estava crescendo. Claro que os números aqui são menores. Os negros não são essa população tão grande aqui. Mas o que vi é algo que reconheço. Gravei a reação e dois meses depois o número de visualizações começou a subir. Do nada!”
Nos Estados Unidos, os negros são pouco mais de 13% da população, enquanto no Brasil 9% da população se declara negra e 47% dos brasileiros se declaram pardos.
Os americanos assistem aos vídeos de Manegault, mas eles atraem um número cada vez maior de brasileiros para o canal.
Por isso mesmo, passou a ter legendas em português. Um investimento sem retorno para o nova-iorquino curioso, dono de um sorriso desarmado e cativante, que mantém um diálogo intenso e constante com um público que também vai se redescobrindo.
Dicas de brasileiros
Nessa via de mão dupla, os comentários revelam o quanto o olhar e a sensibilidade de Clinton emprestam aos brasileiros uma visão renovada de sucessos consagrados no país.
Uma reflexão atualizada de temas de ontem e de sempre para esse público brasileiro que não cansa de dar dicas ao americano. São sugestões de músicas, artistas, filmes e de fatos históricos também.
“Eu não sabia nada da ditadura militar no Brasil”, conta Manegault. Mas com as perguntas e os comentários no canal, se interessou cada vez mais. Assistiu a “Marighella”, de Wagner Moura, mas também o documentário sobre o líder guerrilheiro dirigido por Isa Grinspum Ferraz com música de Mano Brown. “Também aprendi um pouco por causa de um documentário do americano Henry Louis Gates Junior que fala dos negros na América Latina. Ele conta que a maior parte dos escravizados da rota do Atlântico foi para o Brasil. Eu não podia acreditar! Isso é grande demais e eu não sabia!”
Com essa revelação, foi à internet buscar os músicos negros do tal Brasil que ele tem certeza que vai conhecer um dia.
O filme de Fernando Meirelles foi apenas a porta para toda uma descoberta que Manegault ainda não sabe aonde vai dar. Ele tem fome de saber mais e vai seguindo, sem pressa, o caminho que a intuição dita.
A mesma intuição que guia os comentários sobre ritmos e batidas que ele reconhece como muito familiares. Elas remetem ao auge do hip-hop do fim dos anos 1980 e começo dos 1990. E tratam de temas que ele dificilmente encontra no rap americano atual. “Essa música não conta mais a história do que está acontecendo. O que o Public Enemy fazia, o que o Rakim fazia. Era a história de verdade e não uma forma de escapar da realidade. Era isso que eu estava buscando e foi essa conexão que eu vi.”
Um mergulho mais profundo
Ele destaca que é preciso olhar também para os músicos que vieram depois dos Racionais. Cita Djonga, Emicida e acha que o mesmo ainda pode acontecer nos Estados Unidos. “A gente tem Kendrick Lamar, J. Cole”, lista. Artistas que falam dos assuntos que Manegault quer ver retratados e que, para ele, podem ter um grande impacto na cultura do país. Mas, enquanto não encontra essa força narrativa na música americana, ele vai mergulhando na brasileira.
“Ouvi Cassiano pela primeira vez. Uau! Amo. Ouço no meu carro agora”, conta.
Tim Maia é um capítulo à parte para o nova-iorquino de família religiosa que cresceu ouvindo hip-hop, blues e gospel.
E os brasileiros querem ampliar ainda mais o leque de GooneyGoogles. Foi assim que ele se apaixonou por Alcione e topou o desafio de enveredar pelo samba.
Gravou recentemente um vídeo sobre “Lucidez”, de Jorge Aragão, e outro sobre Gal Costa cantando “Força Estranha”.
Prometeu que vai ouvir Clementina de Jesus. Se o tempo é curto, por causa do trabalho em sistemas de logística e movimentação de cargas, sobram curiosidade e apetite para conhecer ainda mais a cultura que cala fundo no coração desse americano.
Com informações da Folha de S.Paulo