Estabelecimento de compra e venda de ouro em Boa Vista, em Roraima (Foto: Victor Raison)

Vistas do alto, longas manchas amareladas rasgam o manto verde da Amazônia. Na parte norte da Terra Indígena Yanomami, perto da fronteira do Brasil com a Venezuela, garimpos ilegais de ouro estão por toda a margem do Rio Uraricoera.

O piloto voa baixo, mas não se aproxima muito. Ele teme os garimpeiros armados no chão, além dos outros aviões pequenos, que voam em meio à copa das árvores para evitar os radares da polícia enquanto abastecem os garimpos.

Lá embaixo, avista-se a aldeia indígena Waikás. É aqui que vivem os Yek’wana, uma das oito etnias que habitam esta Terra Indígena do tamanho de Portugal, a maior do Brasil. “O garimpo destruiu tudo. O nosso rio ficou barrento e contaminado. Nós não podemos mais pescar, e os animais fugiram para bem longe do barulho dos geradores e das máquinas”, diz Julio Ye’kwana, um dos líderes da comunidade, situada no estado de Roraima.

Atualmente, existem cerca de 20 mil garimpeiros ilegais na TI Yanomami, segundo o Ministério Público Federal. No interior da mata, o trânsito de barcos que transportam homens e suprimentos para os garimpos é incessante.

Toda a estrutura da sociedade na qual Julio vive foi abalada até os alicerces, diz ele à Mongabay.

A mineração ilegal e as fortunas prometidas pelos garimpeiros estão seduzindo e conquistando os jovens indígenas da aldeia.

É cada vez maior o número de membros da próxima geração que se afasta de suas funções na proteção das florestas ancestrais e recorre ao garimpo. Isso se deve principalmente à falta de outras oportunidades econômicas e à desintegração da sociedade tradicional, como diz Mauricio Ye’kwana, um dos diretores da Hutukara Associação Yanomami, organização indígena sediada na capital de Roraima, Boa Vista. “Antes, os garimpeiros focavam apenas nos líderes, mas nos últimos dez anos eles começaram a visar os jovens, que são presas mais fáceis de atrair para o trabalho no garimpo”, diz Mauricio. A proximidade dos garimpeiros com a comunidade Ye’kwana o preocupa.

Uma pequena fortuna, promessas e tentações

Robervaldo, de 26 anos, foi um desses recrutas. Ele trabalhou para os garimpeiros por dois anos. “Primeiro, eles abordam você com muita simpatia, oferecendo maços de dinheiro, celulares ou bebidas alcoólicas”, conta ele à Mongabay.

Alguns são mal pagos e têm que desembolsar muito dinheiro apenas para pagar a viagem até o garimpo, enquanto outros ganham bem, mas gastam o que ganharam no próprio local.

Tudo está disponível nos garimpos: álcool, drogas, comida, até acesso à internet. Inicialmente, eles usavam a rede para se comunicar com outros garimpeiros e alertar sobre as próximas batidas policiais, mas logo descobriram que ela também era uma ótima ferramenta para atrair jovens indígenas para os acampamentos. Nas aldeias, por outro lado, a conexão com a internet é rara e instável.

Alberto também trabalha na mineração. Aos 28 anos e com várias passagens pelos garimpos, é considerado um ancião pelos adolescentes indígenas que trabalham nos acampamentos. Ele próprio se ofereceu para ir. “O dinheiro é a motivação inicial e principal, mas o garimpo também é um lugar muito animado. Tem bordéis por toda parte e músicos vêm da cidade para tocar todas as noites. Às vezes, até pessoas famosas chegam de avião para tocar e entreter”, Alberto conta à Mongabay.

Ao longo do Rio Uraricoera, barracas, restaurantes flutuantes, bares e bordéis rompem a muralha verde formada pelas árvores que acompanham suas margens. A 40 minutos de barco de Waikás, um enorme acampamento aparece em ambas as margens.

Peneiras gigantes construídas sobre estruturas semelhantes a andaimes separam o ouro da terra e depois o aglomeram com a ajuda de mercúrio, metal tóxico.

A seguir, esse mercúrio afunda no rio, contamina a água e é consumido por peixes como a piraíba (Brachyplatystoma filamentosum), o dourado (Salminus spp.) e o tucunaré (Cichla spp.). O metal percorre toda a cadeia alimentar e chega às comunidades indígenas que comem os peixes e usam a água do rio para beber e se banhar.

A Fundação Oswaldo Cruz realizou um estudo em 2016 que mostrou que 92% dos Yanomami examinados tinham mercúrio no sangue acima do nível considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A alta exposição ao mercúrio pode causar problemas neurológicos graves, partos prematuros e defeitos congênitos.

Os moradores de Waikás agora se recusam a pescar

Das 200 pessoas que moram na aldeia, cerca de dez são jovens que trabalham para os garimpeiros ilegais. Trabalho não falta no garimpo: cavar e lavar a terra com mangueiras de alta pressão, acionar as bombas e retirar grandes raízes de árvores são algumas das principais tarefas confiadas aos recém-recrutados.

Dois dos jovens da comunidade de Waikás são empregados nessas tarefas físicas, mas a maioria trabalha como piloto de barco. Em função das correntezas perigosas e das pedras e troncos flutuantes, que costumam ser traiçoeiros, os garimpeiros valorizam a experiência e o conhecimento que os indígenas têm do rio.

Segundo Robervaldo, uma viagem de um dos acampamentos situados fora do território Yanomami até um garimpo dentro dele, que costuma levar de seis a nove dias, custa 5 mil reais.

É uma quantidade considerável de dinheiro para a região, mas os riscos são altos. Embora as batidas policiais nos garimpos tenham diminuído, a presença crescente de gangues fez com que essa parte do território Yanomami se tornasse a mais violenta.

O PCC, ou Primeiro Comando da Capital – poderosa organização criminosa envolvida em tráfico de drogas, fraude, extorsão e, mais recentemente, tráfico de ouro – domina esta parte do território desde 2018. “É claro que se ganha mais do que na cidade, mas a coisa é muito tensa. Além dos perigos ligados ao trabalho no garimpo, eu vi três assassinatos em um mês”, conta Alberto.

Robervaldo, por sua vez, parou definitivamente de trabalhar com os garimpeiros depois de voltar a estudar. “Agora eu tento trazer os nossos jovens de volta. Mas é impossível ter esse tipo de conversa aqui [na aldeia]. Só se pode falar disso na cidade”, afirma.

O peso da tradição, o respeito pelos mais velhos e um ambiente social onde a comunidade sabe de tudo impedem que os jovens da aldeia falem abertamente sobre seus desejos e curiosidades. “Mesmo que alguns saiam do garimpo, eles são imediatamente substituídos por outros.”

Muitas vezes, o vínculo entre a comunidade e os jovens é totalmente destruído. “Aos poucos, eles param de apoiar seus familiares, são manipulados pelos garimpeiros, voltam bêbados para a aldeia e discutem com os líderes”, diz Robervaldo.

Em alguns garimpos, eles recebem armas das gangues que dominam o acampamento. Armas, álcool e ausência de autoridades podem criar o clima perfeito para finais trágicos, diz Herrero, indígena da região sul do território Yanomami. “As consequências do mal-entendido são muito mais dramáticas quando os mecanismos tradicionais de resolução de conflitos dessas sociedades param de funcionar”, diz ele à Mongabay.

Ele também diz temer que sua comunidade acabe se dividindo e se mudando para outro lugar, ou sendo absorvida por outra. A desintegração das comunidades indígenas faz parte das preocupações de muitos anciãos e já é uma realidade em algumas regiões.

Com informações do Uol