Projeto incentiva o empreendedorismo para mulheres venezuelanas - Foto: Assessoria

O empreendedorismo feminino avança no Brasil, refletindo tendência global de igualdade na abertura de negócios por homens e mulheres, mas questões relacionadas a cor e raça colocam negras em desvantagem.

O Brasil tem 10,1 milhões de mulheres empreendedoras, mais de 30% mais do que há uma década. Quase metade delas é negra (preta ou parda). Seus rendimentos ante as brancas, no entanto, são 31,56% mais baixos e elas dedicam dez horas semanais a menos aos seus negócios, o que limita o crescimento.

Os dados foram compilados no Panorama do Empreendedorismo Feminino no Brasil, realizado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) para a Estratégia Elas Empreendem, do governo federal.

Ana Fontes, fundadora da RME (Rede Mulher Empreendedora) e colunista da Folha, afirma que há realmente mais mulheres empreendendo, nem sempre por aptidão ou escolha, mas por necessidade, algo que se reflete ainda mais quando a mulher vive na periferia, é mãe e preta e parda.

“Se eu sou mulher, eu tenho uma camada de desafios. Se eu sou uma mulher negra, eu tenho uma segunda camada de desafios. Se eu sou uma mulher negra de favela, eu tenho uma outra camada de desafios. Se eu sou uma mulher negra de favela e mãe solo, eu tenho mais uma camada de desafios”, diz.

“Os desafios vão se potencializando à medida que você tem mais marcadores sociais.”

Foi a necessidade de gerar renda que levou Adriana Barbosa, diretora-executiva da Feira Preta, a empreender.

“Eu comecei no empreendedorismo vendendo minhas próprias roupas, muito baseada na ‘sevirologia’, como eu gosto de falar, que é a arte de se virar com o que tem, pela necessidade de gerar renda após sair de um emprego formal”, conta.

Refugiadas venezuelanas, chefes de família, foram beneficiadas com o projeto “Mujeres Fuertes”, realizado pela OSC Hermanitos com incentivos ao primeiro negócio – Foto: Assessoria

A feira fundada por ela há mais de 20 anos ao deixar o mercado de emprego formal se transformou no Feira Preta Festival, o maior evento de cultura e empreendedorismo negro da América Latina.

“Somos um negócio social, com diferentes programas, projetos e ações, que criam um ambiente propício para a prosperidade econômica da população negra”, diz.

A falta de representatividade de mulheres pretas como modelos das marcas e, consequentemente, sem roupas que atendam seus corpos foi o que levou Mayara Trindade a abrir a Afrikini, marca de biquínis voltada para mulheres negras.

As peças, com tamanhos para vestir diferentes corpos, têm estampas exclusivas com inspiração africana. No início, a empreendedora costumava comprar peças que revendia, mas algo a incomodava.

“Todas as modelos dos catálogos eram sempre brancas e magras, então eu comecei a comprar as peças e tirar fotos minhas com elas.”

“Biquíni sempre existiu, mas nunca com essa proposta. Nas fotos que tiramos buscamos sempre meninas com pelo menos quatro tons de pele preta”, diz.

Ao visitar eventos de empreendedorismo, Mayara diz sentir falta da presença de mais mulheres pretas e que acredita que a falta de oportunidades ainda é um dos principais desafios desse cenário.
DESIGUALDADE

A desigualdade de cor e raça se reflete nos grandes eventos para empreendedores, que têm tomado o ramo de negócios abertos por mulheres.

Os summits —encontros de lideranças— femininos ganharam força no Brasil em 2023 e 2024, após a pandemia da Covid-19, mas rostos pretos ou pardos são raros neles.

A Comunidade Acelera é um programa de benefícios do Acelera Hub Space, polo de fomento à inovação e empreendedorismo da Fundação Rede Amazônica (Foto: Elvis Edson)

Essa falta de representatividade cresce quando se observa a regionalidade. Os eventos, em geral, são realizados nas zonas sul e oeste da capital paulista, e mulheres que estão nas periferias, sejam de cidades como São Paulo ou de outros estados, não conseguem ocupar esses espaços.

Dani Junco, CEO e fundadora da B2Mammy, comunidade de mães empreendedoras que hoje abrange também trabalhadoras do regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), diz estar olhando com mais profundidade para essas diferenças, e busca melhorar a diversidade dentro da plataforma, oferecendo cursos e suporte online para chegar às periferias das grandes cidades e no interior do Brasil.

A B2Mammy surgiu em 2015, após o nascimento do único filho de Dani, como uma aceleradora de resultados para mulheres que empreendem. Cresceu e, em 2023, realizou seu primeiro summit. Para 2025, os ingressos estão quase todos vendidos.

O negócio impactou mais de 200 mil mulheres e ajuda a manter a Casa B2Mammy em São Paulo, onde sócias podem ir trabalhar e levar suas crianças.

“Quando você fala de ecossistema de inovação e tecnologia, a gente nasceu assim, e os eventos summit são isso. As mulheres estão participando, mas realmente nasce de uma zona mais elitista. Então, precisamos de ações afirmativas, e temos chamado mulheres negras para falar em nossos eventos. Nosso papel começa por quem está falando”, diz.

A representatividade preta no palco e a transmissão online de palestras foram a escolha feita por Fernanda Paronetto, CEO e fundadora do Just Real Moms Business Summit, para diversificar o ambiente de um evento de negócios do mercado infantil voltado para mães empreendedoras e marcas do setor.

Nascida de um blog fundado por duas amigas, a Just Real Moms é hoje comandada por Fernanda, que ainda não é mãe, e realizou seu primeiro summit em 2024. A edição de 2025 já atrai interesses.

No palco do evento, a cantora Luciana Mello, filha de Jair Oliveira, foi a responsável por apresentar os participantes, mas na plateia, poucas eram as mulheres pretas.

“São várias visões de uma sociedade, então a gente precisa disso [de diversidade]. Eu fico feliz de ser uma representante, mas gostaria muito de ver mais. De ver mais mulheres negras empreendedoras, mais mulheres indígenas. Gostaria de ver mais essas mulheres por aí tendo as mesmas oportunidades que as mulheres brancas têm”, diz a cantora.

Foto: Arthur Castro – Secom

Fernanda afirma que o mercado de maternidade movimenta hoje R$ 50 bilhões no Brasil por ano e precisa envolver as empreendedoras que estão à margem.

“Summit é networking, e o espaço [onde ele ocorre] tem limitação de pessoas. Só que eu falei: ‘eu não quero fazer isso para um grupo muito fechado’, e a gente está com tudo gravado, que será liberado por um valor acessível”, diz.

A diminuição das desigualdades no empreendedorismo, seja de gênero ou de cor e raça, é foco da Estratégia Elas Empreendem, lançada pelo governo federal em 2024 e que envolve os ministério da Indústria, das Mulheres e da Microempresa.

A iniciativa faz parte da Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável dos 193 países membros das Nações Unidas. No Brasil, tem como foco políticas que possam diminuir as desigualdades.

Formalização, renda e dedicação ao negócio impactam diretamente não só o dia a dia das mulheres negras, mas seu futuro, à medida que ficam mais na informalidade e não contribuem com a Previdência Social.

“Juntos, impõem desafios vultosos para o crescimento e o desenvolvimento de negócios de mulheres e que necessitam ser endereçados de forma eficaz, por meio de políticas públicas direcionadas para superá-los”, diz relatório do Pnud.

*Com informações de Folha de São Paulo