O Partido Trabalhista venceu as eleições gerais no Reino Unido, dando fim a uma era de 14 anos de governos do Partido Conservador. Keir Starmer foi eleito como novo primeiro-ministro do Reino Unido. Starmer será o 1º premiê britânico trabalhista em 14 anos.
Mas por que o Reino Unido resiste à onda conservadora na Europa? O continente vive sua maior guinada à extrema direita desde a construção do projeto de integração, a partir dos anos de 1950. Klaus Guimarães Dalgaard, professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), diz que a explicação para guinada contra direita está na gestão “absolutamente desastrosa” do Partido Conservador nos últimos 14 anos.
Insatisfação com a economia está entre os principais fatores decisivos nessa eleição. Klaus Guimarães Dalgaard explica que o custo de vida e o desemprego no Reino Unido estão altos. Ele cita que também há corrosão quase total dos principais serviços públicos, entre eles o Serviço Nacional de Saúde, que seria o equivalente ao SUS. “Muitas pessoas estão morrendo em filas de espera, também há uma erosão da educação, vários serviços de seguridade social também têm tido seus orçamentos cortados ano após ano, e também estaria sendo omisso se não mencionasse a preocupação crescente com a imigração ilegal”.
Resultado da eleição não significa que britânicos são, em sua maioria, de esquerda. “Isso não significa necessariamente que elas estão querendo votar na esquerda por ser esquerda. A motivação principal é por uma mudança, é tirar o Partido Conservador do poder, e no Reino Unido, por ser um sistema político majoritário, ou binário em outras palavras, em que os dois maiores partidos são os que tendem a conseguir o maior número de cadeiras no Parlamento, se não é um, é outro”, destaca Klaus.
Para ele, o resultado não é surpreendente. Britânicos já vinham dando sinais de que queriam mudanças radicais devido a uma série de insatisfações, principalmente desde o Brexit. “E a melhor maneira de conseguir mudança, seja ela radical ou não, é mudando de governo”.
O Reform UK (ex-Partido do Brexit), mais à direita, também tirou cadeiras do Partido Conservador. “Mesmo entre os eleitores tradicionais do Partido Conservador, muitos deixaram de votar no partido para votar no novo partido Reform, considerado de extrema direita, então até mesmo aqueles que jamais votariam na esquerda, querendo mudança, levaram seus votos ainda mais para o extremo da direita”, analisa o professor da UFSC.
Desejo de mudança é histórico. O professor de relações internacionais da USP (Universidade de São Paulo) Kai Enno Lehmann explica que o Partido Conservador estava no poder há 14 anos. Por isso, é natural existir um desejo de mudança entre os eleitores. “Nós temos um histórico disso no Reino Unido. Os conservadores perderam as eleições depois de 18 anos, em 1997. O Partido Trabalhista perdeu as eleições em 2010, depois de 13 anos. Então, quando a gente chega nesse patamar de longevidade no poder, é natural a mudança”.
No Reino Unido, é adotado o sistema de voto distrital. Os eleitores não escolhem seu primeiro-ministro diretamente, mas sim os 650 membros do Parlamento que vão representar os distritos onde moram. Esses parlamentares compõem a chamada Câmara dos Comuns (ou House of Commons), equivalente à Câmara dos Deputados brasileira. O líder do partido que tiver a maioria do Parlamento receberá uma autorização formal do rei Charles 3º para assumir o cargo de primeiro-ministro e formar um governo.
Sistema favorece amplamente Trabalhistas e Conservadores. Desde 1922, todos os primeiros-ministros vieram de um ou de outro. Mas os partidos menores podem ganhar alguma influência nesta eleição: os Liberais Democratas (LibDems, de centro-direita), por exemplo, “podem ganhar 40 ou até 50 cadeiras”, diz à RFI Justin Fisher, professor de Ciências Políticas da Universidade de Brunel, na Inglaterra. “Uma grande vitória, já que na última eleição eles tinham apenas 12 parlamentares”.
O Partido Conservador entrou em colapso?
O Partido Conservador se tornou cada vez mais extremo ao longo desses 14 anos, avalia Lehmann. “Foi um resultado historicamente ruim. O Brexit foi um desastre econômico e em termos sociais, não fez o que tinha sido prometido. O Reino Unido está indo mal economicamente há muito tempo e eleitores punem governos que estão indo mal na economia”.
Nos últimos dez anos do Partido Conservador houve cinco trocas de primeiros-ministros. “Todos esses têm sido incompetentes em grande parte. A impressão que o eleitor tem é que esse partido não sabe governar, e pior do que isso, que não tem interesse em governar, tem apenas interesse em guerras culturais. É a trumpficação do partido”.
Para Klaus Guimarães Dalgaard, é correto dizer que o partido colapsou. Ele cita que há dois principais motivos para isso. “O primeiro e o principal é que teve um governo absolutamente desastroso, principalmente nos últimos anos, sobretudo pós-Brexit, a economia está indo muito mal, a arrecadação do governo também diminuiu, o que leva a ser o principal motivo pelo qual o partido está entrando em colapso, com muitos dos eleitores virando a casaca, por assim dizer, vários tinham virado a casaca em 2019 do Partido Trabalhista para o Conservador e agora estão voltando. Além disso, vale salientar o surgimento do Partido Reform, sob a liderança de Nigel Farage, que tirou votos do Partido Conservador”.
Como o Partido Trabalhista conseguiu um retorno ao poder?
Keir Starmer, líder dos trabalhistas, prometeu mudanças. O slogan de sua campanha foi “Mudança”. Sua moderação também contribuiu para a vitória do seu partido.
Durante a campanha eleitoral, definiu seis prioridades. Starmer prometeu estabilidade econômica, redução da fila de espera no NHS (Serviço Nacional de Saúde), reforço da polícia, nova política energética, abertura de cargos para professores e criação de um centro de comando para aumentar a segurança das fronteiras. Quando questionado sobre como gostaria de ser lembrado, respondeu: “Como alguém que teve um governo trabalhista ousado e reformista. Como um grande pai e amigo”.
Moderação de Starmer o tornou mais atraente para o eleitorado britânico. Essa é a avaliação do professor Klaus Guimarães Dalgaard. “Foi muito importante a mudança de liderança do partido. O antigo líder Jeremy Corbyn, expulso do partido, era uma figura de extrema esquerda radical que durante o tempo que foi líder do partido o tornou completamente inelegível, inviável para a população, o que também contribuiu para a permanência durante 14 anos do Partido Conservador no poder”.
O professor Kai Enno Lehmann concorda que Keir Starmer foi importante para vitória dos trabalhistas. “Ele prometeu mudanças, mas por outro lado, sinaliza que serão feitas dentro dos modelos atuais. Ele não está questionando o Brexit, não está questionando os pilares básicos do modelo econômico do país, não está prometendo muitos gastos públicos extras pagos com aumento de impostos. Está fazendo o que muitos candidatos do Partido Trabalhista já fizeram”, citou.
Quais principais desafios?
Economia britânica vem patinando desde o Brexit, em 2016. O principal argumento dos Conservadores era de que, com o Brexit, o Reino Unido estaria livre das amarras da União Europeia e poderia fechar acordos comerciais com outros países. Na prática, aconteceu o contrário: os custos de vida e dos negócios subiram, a burocracia aumentou e a parte da mão de obra estrangeira deixou o país. Em 2019, o PIB (Produto Interno Bruto) britânico cresceu 1,6%, de acordo com dados oficiais; em 2023, a expansão foi de 0,1%.
Lehmann tem dúvidas se promessas serão cumpridas. “Como prometer mudanças em um país que tem profundos problemas, em que o eleitor quer mudanças, mas sem mudar o contexto geral do país, acho que ele vai enfrentar problemas logo que assumir o governo”, avalia.
O professor Klaus Guimarães Dalgaard concorda que economia do Reino Unido será desafio. “O país está completamente quebrado, o governo está quebrado, então é muito difícil o Partido Trabalhista governar direito, vai ser extremamente difícil tentar reconstruir toda a rede de seguridade social, o sistema de serviços públicos, a educação, tanto fundamental quanto as universidades”.
“Na política externa, eu também vejo muitas mudanças, porque o Partido Trabalhista, sob a liderança do Keir Starmer, não terá a coragem, digamos assim, coragem política para convencer o eleitorado de que o Brexit, ou seja, sair da União Europeia foi um erro, que está na raiz de todos os problemas econômicos e sociais que vem acontecendo no Reino Unido nos últimos anos. Então, ninguém vai tocar nesse assunto de reverter o Brexit como uma medida para tentar melhorar a economia.” afirmou Klaus Guimarães Dalgaard, professor da UFSC.
“Os braços estão muito atados, sem dúvida vão ter que buscar novas alianças e parceiros comerciais pelo mundo afora, mas isso o Partido Conservador também vinha fazendo, não com muito sucesso. Então, eu vejo um partido, um novo governo trabalhista, com as mãos extremamente atadas financeira e politicamente em termos do que eles vão conseguir fazer, tanto internamente quanto externamente.” concluiu Klaus Guimarães Dalgaard, professor da UFSC.
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