O professor Júlio César Schweickardt, pesquisador da Fiocruz Amazônia, faz um balanço das ações de educação popular e comunicação no âmbito do projeto Amazônia Solidária para ampliar a compreensão da importância da vacina contra a Covid-19 entre populações de comunidades ribeirinhas, quilombolas e de imigrantes
Superar desafios logísticos e conseguir viabilizar a realização de pelo menos 25 oficinas de educação popular e comunicação em saúde, em territórios quilombolas, ribeirinhos e de migrantes, de 17 municípios dos estados do Amazonas e Acre, foi um dos principais méritos alcançados pelo Projeto Amazônia Solidária, desenvolvido pela Frente 3 do Projeto Amazônia: Ciência e Solidariedade no Enfrentamento à Covid-19.
A iniciativa, coordenada pela Fiocruz Amazônia, em parceria com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), NPI Expand, Sitawi Finanças para o Bem, Fiotec e Conselho dos Secretários Municipais de Saúde (Cosems) –, foi responsável também por mobilizar gestões municipais, profissionais de saúde e populações de comunidades de diferentes localidades em torno da importância da imunização, mudando um cenário antes sombrio de baixa cobertura vacinal.
O pesquisador da Fiocruz Amazônia, Júlio César Schweickardt, responsável pela implementação das estratégias de execução do projeto, faz um balanço nesta entrevista, do impacto obtido com o trabalho e destaca a importância das parcerias para o atingimento de metas ousadas, com barreiras geográficas a serem vencidas e o desafio de formar equipes de campo para chegar até as comunidades.
O Projeto Amazônia Solidária chega à fase das oficinas 2, de caráter mais prático e voltadas para a construção de propostas de comunicação, num processo participativo vivenciado nas comunidades beneficiadas. Como o senhor caracteriza esse trabalho?
O projeto que denominamos como Amazônia Solidária teve como principal preocupação pensar estratégias que envolvessem as comunidades tanto ribeirinhas quanto quilombolas e de migrantes, em relação à vacinação. Nós escolhemos, juntamente com a parceria do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems-AM e Cosems-AC), os municípios com a menor cobertura de vacinação contra Covid-19. A partir disso, entramos em contato com esses municípios para saber qual seria a disponibilidade deles e se aceitavam fazer as oficinas, que são de caráter participativo. Definimos a necessidade de realização de duas oficinas em cada território, sendo a primeira voltada para a discussão acerca do que é território, sobre a importância da vacina, os benefícios que ela traz e o papel das fakenews no processo de adesão à vacina, introduzindo a questão da comunicação como ferramenta nesse processo. A segunda oficina já tem como finalidade pensar que materiais poderiam ser feitos pelas próprias comunidades, para que possam comunicar a importância da vacina, é um segundo momento de encontro com os comunitários com um caráter mais prático de construção dessas propostas de comunicação.
Que avaliação o senhor faz do impacto produzido pelas oficinas nos diferentes territórios, com base nos relatos e experiências vivenciadas nas primeiras oficinas e agora nas oficinas 2, que estão acontecendo?
O que observamos quando fazemos uma oficina numa comunidade em parceria com a gestão municipal, é que isso gera uma mobilização da própria gestão, dos trabalhadores da área de saúde e o próprio pessoal do Programa Nacional de Imunização, do município. O primeiro impacto, com certeza, é o de mobilizar os municípios e os trabalhadores para essa discussão acerca da imunização, não só para a Covid-19 mas para outras vacinas que também têm cobertura baixa nessas localidade. O segundo impacto é o da própria vacinação. Muitas das vezes, quando a equipe do projeto vai para as localidades, as equipes municipais de vacinação seguem junto e vacinam as pessoas, no mesmo dia ou logo em seguida à oficina. Ou seja, o projeto gera um movimento e as pessoas entendem a importância da vacina. O terceiro impacto é o da tomada de consciência da comunidade, que também passa a assumir pra si essa responsabilidade de falar sobre os benefícios da vacina, de convencer as pessoas, de conversar, propor materiais, informações. Portanto, temos três importantes impactos: no trabalho da gestão municipal, na própria vacinação e na comunidade, assumindo a responsabilidade na questão da vacina.
Qual a estratégia utilizada para vencer os desafios de atuação do projeto no Amazonas e no Acre? Barreiras logísticas, geográficas e de territórios com povos e culturas tão diversas?
Estamos atuando em 17 municípios mais o Estado do Acre, e em alguns municípios, como é o caso de Manaus, temos ações com comunidades quilombola, rural e de migrante. De um modo geral, porém, as ações têm exigido uma grande logística e uma grande equipe para atuação nos diferentes lugares. Tivemos o desafio da formação e qualificação da equipe destinada a atuar nos territórios, para desenvolver a oficina, juntamente com as equipes que fazem os registros de filmagens e de produção de material para imprensa. Então essa foi a primeira logística a ser vencida, a da formação e preparação da equipe. Outro componente que tivemos que enfrentar foi o deslocamento para os vários municípios, alguns que chegam a levar nove dias de viagem de ida e volta, saindo de Manaus, pela via fluvial. É o caso de Ipixuna, que fica numa região distante e de difícil acesso, assim como Maraã, Barcelos, Tabatinga, Boca do Acre. Essas dificuldades logísticas são características do nosso Estado e foi importante pensarmos toda lógica de como fazer, nos tipos de transporte, nos dias horários de voos, barcos, lanchas para as comunidades. Outro desafio foi o da organização das comunidades, onde contratamos apoiadores que se responsabilizaram em organizar as oficinas, mobilizar as comunidades, chamar as pessoas para participar. Muitos desses apoiadores são agentes comunitários de saúde e lideranças comunitárias. A parceria com o Cosems ajudou muito na mobilização junto às gestões dos municípios, que nos deram um grande apoio e sem os quais não poderíamos ter o êxito que estamos tendo.
Qual o universo beneficiado com as atividades?
Temos uma estimativa de que já atingimos, levando em consideração todas as comunidades do Amazonas e Acre, chegamos a atingir mais de 500 pessoas que participaram das oficinas, mas sem dúvida se contarmos com o universo de pessoas que já foram vacinadas durante e depois das oficinas, sem sombra de dúvidas, a teremos um número muito maior de pessoas atingidas. A grande questão é o efeito que está gerando tanto para os trabalhadores da área da saúde como para as gestões municipais e para os usuários dos sistemas de saúde das comunidades. O número de beneficiários aumenta significativamente à medida em que socializarmos os produtos de comunicação que estão sendo oferecidos na segunda oficina. Então, tenho a expectativa de que muitas pessoas poderão se beneficiar com o que estamos realizando.
Como a comunicação está contribuindo para a aproximação das populações de comunidades da Amazônia com os agentes e serviços de saúde, em especial com a imunização contra a Covid-q9?
Obviamente que não estamos tratando de uma ideia de comunicação profissional, trabalhada pelos veículos de massa. Nós estamos usando o conceito de comunicação de base popular, aquela comunicação que acontece na conversa entre vizinhos, na mensagem transmitida pelas rádios comunitárias, nos grupos de whatsapp, entre agentes de saúde com os seus comunitários. Por isso, o projeto se propôs a pensar numa comunicação que partisse da comunidade e não uma comunicação vertical, que vem pronta do Ministério da Saúde, do Governo do Estado ou da secretaria municipal.
Pensamos numa comunicação que pudesse atingir as pessoas a partir de uma linguagem local, que as pessoas entendem. Por isso que muitos dos materiais produzidos, como podcasts, vídeos e material informativo, tem sido feito com a participação das pessoas das comunidades, que são os atores e atrizes nesse processo. Acreditamos que essa tem sido uma marca diferente desse projeto.
Estamos valorizando o lugar, a voz das pessoas, sua fala, sua linguagem para tentar melhorar a questão da imunização e as formas como relacionamos os serviços de saúde com a sociedade. É um grande aprendizado para todos nós e creio que esse projeto como o próprio nome diz, é solidário em todos os aspectos. É solidário com a vida das pessoas, é solidário com o trabalho dos profissionais de saúde e também é solidário com todas as dificuldades e desafios que nós temos na Amazônia.
Com informações do ILMD / Fiocruz Amazônia