Estudo realizado pela Fiocruz amplia e atualiza o número de suicídios ocorridos durante os dois primeiros anos de pandemia no Brasil. Foram cerca de 30 mil suicídios entre março/2020 e fevereiro/2022, coincidindo com o número esperado para o período e em nível nacional, mas com impacto negativo nas faixas de idade de 30-59 anos e naqueles de 60 anos e mais, sobretudo em mulheres das regiões Norte e Nordeste.
Às vésperas do setembro amarelo (mês de prevenção ao suicídio), o epidemiologista e chefe do Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia (LEGEPI), Jesem Orellana, do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), o médico psiquiatra Maximiliano Ponte, da Fiocruz Ceará e o pesquisador sênior da Fiocruz Amazônia, Bernardo Lessa Horta, confirmaram parte dos efeitos indiretos associados à pandemia de COVID-19 sobre a mortalidade por suicídio no Brasil, nas regiões Norte e Nordeste, ambas historicamente mais vulneráveis de um ponto de vista socioeconômico, além de terem sido mais fortemente afetadas pelos efeitos diretos da pandemia sobre a mortalidade específica por COVID-19.
De acordo com o estudo, que foi aceito para publicação na “International Journal of Social Psychiatry”, tradicional periódico no campo da psiquiatria social, o segundo ano da pandemia (março/2021 a fevereiro/2022) foi o mais crítico, com 28% de suicídios além do esperado em mulheres com 60 anos e mais da região Sudeste, bem como 32% e 61% de suicídios além do esperado em mulheres com 30-59 anos das regiões Norte e Nordeste, respectivamente. Ademais, entre os meses de julho e outubro de 2021, registrou-se o alarmante excesso de suicídios de 83% em mulheres com 60 anos e mais do Nordeste.
A fonte de dados do estudo foi o banco de dados oficial de mortalidade do Ministério da Saúde do Brasil e teve como objetivo estimar o excesso de suicídios no Brasil e avaliar diferenças dentro e entre subgrupos durante os dois primeiros anos da pandemia de COVID-19. O estudo reforça que países severamente atingidos pelos efeitos diretos da pandemia como o Brasil, foram mais propensos aos seus efeitos indiretos sobre outras causas de morte, como o suicídio e as mortes maternas, por exemplo.
No artigo intitulado “Excess suicides in Brazil during the first two years of the COVID-19 pandemic: gender, regional and age group inequalities” (“Excesso de suicídios no Brasil nos dois primeiros anos da pandemia de COVID-19: desigualdades de gênero, regionais e de faixas etárias), os pesquisadores apresentam ao leitor uma análise abrangente e atual acerca dos possíveis efeitos indiretos da pandemia de COVID-19 sobre os suicídios no Brasil. “Bem possível que seja o primeiro estudo avaliado por pares do planeta que analisa os dados dos dois primeiros anos da pandemia, em nível de país”, explica Jesem Orellana.
Os autores finalizam o artigo destacando o substancial excesso de suicídios em mulheres de 30 a 59 anos das regiões Norte e Nordeste, bem como o padrão consistente de suicídios excedentes em homens idosos de diferentes regiões do Brasil. Orellana salienta que o suicídio já era um desafiador e crescente problema de saúde pública no Brasil, antes da pandemia, pois, de acordo com o Ministério da Saúde, haviam indícios de aumento em suas taxas, especialmente entre homens e de 2016 em diante. “Infelizmente, nosso estudo mostrou um agravamento do problema, sobretudo entre as mulheres. No entanto, entre os mais jovens ou naqueles entre 10-29 anos, o número de suicídios foi menor do que o esperado ao longo dos dois primeiros anos de pandemia no Brasil, tanto em homens como em mulheres”, afirma.
Para o epidemiologista, considerando o preocupante cenário dos suicídios no Brasil, antes e durante a pandemia de COVID-19, análises como esta seguem sendo cruciais para explorarmos não somente para compararmos o número de suicídios observados em relação ao número esperado, como também, sua distribuição geográfica em um país com dimensões continentais e marcado por históricas desigualdades. “É importante destacar que a ocorrência dos suicídios variou amplamente entre as regiões, sexos e faixas etárias, sugerindo que a dinâmica social, econômica, sanitária e de coesão social, podem ser importantes determinantes, sobretudo em crises sanitárias como a pandemia de Covid-19”, avalia.
Embora a pandemia de COVID-19 esteja praticamente esgotada, não se deve esquecer seus efeitos diretos devastadores, representados pelos cerca de 705 mil mortos pela doença no Brasil, bem como seus efeitos indiretos, como os mostrados no estudo sobre a ocorrência de suicídios além do esperado.
“Por este motivo, é fundamental que trabalhadores de saúde, pesquisadores, população em geral, gestores e tomadores de decisão, não apenas sigam monitorando os possíveis efeitos residuais da pandemia de COVID-19 sobre os suicídios e se preparando para novas emergências sanitárias, como também promovam o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial, tal como, de forma bastante oportuna, anunciou, no início de julho de 2023, a Ministra da Saúde, Nísia Trindade. Sem dúvida, este é um momento oportuno à discussão do problema, pois estamos não apenas sob a gestão de um Ministério pró-ciência, como também, às vésperas do tradicional setembro amarelo e do icônico 10 de setembro, Dia Mundial de Prevenção do Suicídio”, comenta.
Orellana sugere que, pensando no que cada um de nós pode fazer para contribuir na prevenção desta que é uma das mais antigas tragédias da humanidade, o suicídio, estejamos vigilantes e prontos para acolher, escutar e conversar com pessoas que apresentam sinais de tristeza, solidão ou evidente sofrimento físico e mental, buscando alternativas para situações adversas ou mesmo sugerindo à busca imediata por atenção especializada. “Não podemos simplesmente normalizar o sofrimento humano ou dar às costas, temos sim é que valorizar esses episódios e, com isso, contribuir à prevenção do suicídio”, observa.
Ao demonstrar a substancial ocorrência de suicídios além do esperado em mulheres de 30-59 anos e homens idosos, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, o estudo contribui para o planejamento mais realista de ações voltadas para mitigação dos efeitos da epidemia de COVID-19, especialmente em subgrupos e regiões mais vulneráveis, além de confirmar os efeitos indiretos da pandemia, especialmente no segundo ano, o qual coincidiu com o momento de pior gerenciamento da epidemia de COVID-19 no país.
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