O sistema de conversas ChatGPT já representa um grande avanço no setor de inteligência artificial (IA), mas estamos longe de ter uma tecnologia capaz de entender e aprender qualquer tarefa que um humano pode fazer, diz o pesquisador e especialista no setor Bruno Alano, 27.
O brasileiro fez parte de um grupo de pesquisas da OpenAI, criadora do ChatGPT, nos primórdios de sua formação, quando ainda era um laboratório de estudos sobre IA — atraindo investimentos de empresários ricos como o Elon Musk.
As tecnologias da companhia evoluíram, e recentemente o robô de conversas conquistou investimentos da Microsoft, acirrando a concorrência com o Google. Em entrevista a Tilt, o cientista argumenta que os seres humanos não são dispensáveis na equação que permeia a evolução das IAs.
“Ragnarok” o atraiu para o mundo da tecnologia
Quando tinha entre 8 e 9 anos, Alano adorava o game “Ragnarok”, que era pago. Como não tinha dinheiro, ele e um amigo passaram os anos seguintes fazendo uma engenharia reversa do jogo para conseguir avançar de nível sem precisar desembolsar por isso.
A ideia não é ilegal, diz o pesquisador, pois não envolveu a violação de direitos autorais da empresa sul-coreana Gravity, responsável pelo game. “O que fizemos foi reescrever a lógica do servidor do jogo, porém com código 100% autoral”, diz.
O projeto, lembra ele, rendeu um convite do governo finlandês para estudar no país, com tudo pago, quando Alano tinha 15 anos. Foi lá que o brasileiro descobriu o campo da inteligência artificial.
Em 2012, aos 16, ele retornou ao Brasil e fundou a empresa Neurologic, focada em oferecer soluções de IA a grandes empresas.
Atualmente, Alano mora em Curitiba e estuda Ciência da Computação na Universidade de Londres em formato híbrido: alguns semestres de forma remota e outros de forma presencial.
Como chegou à OpenAI
A Neurologic começou a estudar soluções em modelos generativos de texto no Brasil. O desafio era oferecer sistemas que fizessem a conversão de informação de bancos de dados em linguagem compreensível ao ser humano em português. Esse tipo de processamento é chamado linguagem natural (da sigla em inglês, NLP), e é a base do ChatGPT.
Alano foi chamado então para participar de uma coalizão de pesquisa internacional em diversas áreas da inteligência artificial. O convite veio por email, segundo ele, enviado por Ian Goodfellow, renomado cientista da computação com passagens por Apple e Google. A aproximação dos dois ocorreu, pois, o brasileiro usou em seus estudos uma teoria criada pelo norte-americano.
Entre 2016 e 2017, o brasileiro atuou como pesquisador externo para a OpenAI, quando a instituição ainda não tinha fins lucrativos. “O que eu estava pesquisando no Brasil ajudava nas pesquisas internas deles e vice-versa. Eu tinha mentoria de pesquisadores do mundo inteiro, da Uber, do Facebook, da própria OpenAI, para resolver meus problemas aqui no Brasil”, lembra.
Ele só precisava se deslocar eventualmente para San Francisco, nos EUA, onde a organização é sediada. Os custos de viagem eram pagos pela própria OpenAI ou por empresas parceiras, como o Google. “Era um fórum aberto, cada um discutia sobre alguma coisa em que acreditava, sobre qual era o futuro da ciência. Eu sempre falei muito sobre NLP com o Ian Goodfellow, que foi um dos caras que começou a trabalhar com modelos generativos, que é a base de pesquisa que a gente tem hoje no ChatGPT”, conta.
Nos encontros presenciais, ele diz que eram discutidos artigos científicos dos membros da OpenAI em rodas de conversa. Grupos de trabalho online também faziam parte da experiência.
A história da OpenAI mudou em 2019: a instituição alterou seu modelo de negócios para ter fins lucrativos, recebendo um aporte de US$ 1 bilhão (R$ 5,1 bilhões) da Microsoft. “Quando entrou esse investimento [da Microsoft], mudou toda a arquitetura. Inclusive, pude ver que muita gente saiu naquele momento”, conta Alano, que também deixou a relação com a OpenAI.
Em 2020, o pesquisador também saiu da empresa que fundou. Hoje segue focado no trabalho com produtos nas áreas de machine learning (capacidade da inteligência artificial aprender) e NLP no Jusbrasil, startup ligada à área jurídica, onde ocupa a posição de gestor de produto.
“IA precisa de humanos”
O ChatGPT chama a atenção por ser capaz de gerar respostas rápidas e coerentes sobre uma infinidade de assuntos. Isso tem gerado especulação sobre a capacidade da inteligência artificial roubar o emprego de humanos em diferentes funções, principalmente na área artística — como a de escritores, músicos e poetas.
Alano discorda. Para ele, a IA ainda é uma ferramenta que precisa de pessoas para ser bem manejada: “pode ser que diminua a quantidade de trabalho de copywriting [redação publicitária], ou de design. Mas sempre vai precisar, ou ao menos pelos próximos anos, de uma pessoa guiando esses modelos e dando os inputs [comandos], conversando e refinando esses processos.”
“ChatGPT diz só probabilidades”
Sobre o próprio ChatGPT, o cientista diz que se trata apenas de um “modelo probabilístico”. Ou seja, ele procura dar as respostas mais prováveis para as perguntas feitas.
“A grosso modo, ele busca qual palavra combina mais com aquele contexto, dada aquela sucessão de palavras. Isso é natural dos humanos, a gente segue uma estrutura linguística para se comunicar. Mas gerar ideias inovadoras ou resolver problemas, de fato, eu acho muito difícil que esses modelos façam sem humanos”, explica o especialista.
O cientista destaca a vantagem de tecnologias do tipo de resolver tarefas para que humanos possam focar em outros aspectos do trabalho. E compara essa evolução à invenção da calculadora: ao conseguir calcular de forma mais rápida, o humano se livra de uma tarefa mais tediosa, manual e consegue focar na parte criativa — esse poderia ser um cenário para o ChatGPT.
Como evitar problemas com a IA
Como fazer com que robôs como o ChatGPT, que aprendem a se comunicar como humanos, numa sociedade que tem problemas como racismo e transfobia, não reproduzam esses vieses?
De acordo com Alano, temas éticos foram bastante discutidos em sua passagem pela OpenAI, mas ainda é muito difícil programar robôs sem que eles reproduzam os problemas que existem no mundo real.
“Você usa a sociedade para o algoritmo aprender, mas você precisa eliminar comportamentos sociais que a gente sabe que não são bons”, diz.
No ChatGPT, o brasileiro acredita que a IA trabalhe com filtros, como em algum momento foi dito aos algoritmos do chatbot “não fale sobre isso”, “não dê posicionamento político”, “não conte piadas”. Porém, brechas que comprometam esse objetivo podem existir. Afinal, não é como se o algoritmo não tivesse conhecimento desses vieses problemáticos. Ele apenas passa a ter limitações de acesso a pequenas partes dos modelos com os quais aprendeu.
Não é a alternativa ideal, mas é a que existe atualmente por enquanto, conclui.
Com informações da coluna Tilt / Uol