Profissionais cansados produzem menos e podem ter problemas frequentes de saúde (Foto: Field Control)

Uma palavra curta, simples, mas que no ambiente corporativo ganha peso e complexidade assustadores. O medo de dizer “não” vai da má impressão, como parecer preguiçoso, até ao medo de perder o emprego, passando ainda pelo ‘dissabor’ que pode surgir na até então harmoniosa relação com a pessoa gestora. Mas impor limites é preciso, defendem especialistas na área.

A necessidade de dizer “não” é por uma questão de autopreservação, afinal, a única pessoa que perde, a curto ou longo prazo, é o próprio profissional. Prejuízos físicos, psicológicos e profissionais costumam atingir pessoas que que se sobrecarregam com demandas.

“Eu já atendi uma pessoa que essa questão do ‘não’ se repetia na vida toda. A pessoa tinha dificuldade de dizer ‘não’ no trabalho, tinha dificuldade de dizer ‘não’ com a esposa, com todo mundo. Então, a gente foi trabalhando isso. Na época, ele já estava além do limite e nem percebia”, conta Sandra Moraes, psicóloga e coach de carreiras. “Tinha aceitado tantos projetos que tinha conseguido uma promoção grande, mas estava precisando recusar, pois não estava conseguindo conciliar. Na visão dele, ele nem notava. Só percebia que estava cansado”, acrescenta.

Quando começar a dizer ‘não’?

Carina Lacerda, psicóloga e consultora de carreiras, acredita que a frequência seja um dos principais sinais de alerta. Se você rotineiramente está recebendo pedidos para ficar no trabalho além do expediente, se está recebendo mais demandas do que consegue lidar ou se tem recebido muitos pedidos urgentes, é hora de parar e se questionar: o quanto isso está afetando sua vida fora do trabalho?

“Existem momentos que a gente vai precisar fazer horas extras, tudo bem, mas são períodos curtos e muitas vezes esperados, como época de fechamento e ou de bater metas. Agora, se você tem um contrato de oito horas por dia e todo dia você trabalha nove, parece pouco, mas no final do mês você já trabalhou 20 horas a mais. Se você está deixando de se alimentar e de dormir bem, também é um sinal ruim”, enumera.

Segundo a especialista, o profissional precisa entender que, se há mais tarefas do que tempo para realizá-las, existe uma falha no organograma da área. O indivíduo não pode ficar sem almoçar ou fazer suas pausas, e ainda ficar além do seu expediente, para dar conta das demandas.

“O inseguro costuma sempre achar que o problema está nele e nem sempre é assim. Quando a gente tem mais tarefa do que tempo para realizar, eu tenho um problema no organograma da área, não em mim. Então, eu preciso colocar para o gestor que nós, enquanto time, estamos com um problema de sobrecarga; explicar que não é sobre má administração de tempo, mas sim falta de braço”, reforça.

Como dizer “não” no ambiente de trabalho?

Para Sandra Moraes, psicóloga e coach de carreiras, é importante se preparar para este momento, como criar algumas frases e procurar o equilíbrio entre “falar demais” e “falar de menos”. Segundo ela, justificar muito pode ser problemático, pois a liderança pode considerar pouco nobre seu motivo de recusa.

Por outro lado, explicar pouco ou ser monossilábico também é ruim, pois pode dar a impressão de desinteresse.

“A gente está no Brasil e há uma tendência que se você falar ‘não’ sem nenhuma explicação, você pode ser visto, sim, como uma pessoa mais grossa. E assim… quando a gente está falando de uma relação social com um chefe, que pode te mandar embora. Não é tão simples, existe poder no meio”, diz a especialista. “Para não ficar chato, você pode dar uma breve explicação: ‘Poxa, eu acabei me programando pra uma outra coisa. Tem algo muito urgente? Será que posso fazer amanhã no primeiro horário? Eu posso entregar amanhã e com mais qualidade, que tal?’. É também tentar negociar com uma solução”, sugere Sandra Moraes, psicóloga e coach de carreiras

Identificar o tipo de gestor, ainda segundo Sandra, é o caminho mais viável para uma saída mais tranquila. A partir do perfil da liderança, você saberá a melhor forma de impor limites e negociar as demandas.

Se for uma pessoa direta e cética, movida por números, é melhor evitar rodeios para não estressá-la. Caso esteja em um ambiente mais tranquilo e caso queira compartilhar, a justificativa detalhada pode ser mais adequada. Se ele for uma pessoa mais focada em número, em dinheiro, então você vai falar em relação a isso: ‘Olha, eu estou com todas essas demandas aqui, preciso que você me diga qual é a prioridade, porque eu não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo’. Deixa ele tomar a decisão”, orienta.

Para Carina Lacerda, uma boa maneira de começar a dizer “não” é avaliar a frequência dos pedidos e demandas. Se forem excessivas, identifique o perfil da pessoa gestora para, assim trabalhar a abordagem. Depois, use as justificativas curtas ou detalhadas, a depender da ocasião.

Inclusive, a especialista alerta que você não precisa começar a dizer “não” na hora que te é pedido para ficar a mais, por exemplo. Se você sabe que o líder pode fazer esse pedido no fim do expediente, você pode se adiantar.

“‘Oi, hoje eu não posso ficar mais tarde, tem algo que quer eu faça para hoje e não foi passado ainda?'”, sugere.

Quais são os sintomas de uma pessoa sobrecarregada?

As profissionais Carina Lacerda e Sandra Moraes, especialistas em carreira, destacam que pessoas sobrecarregadas costumam apresentar ao menos quatro dos sintomas a seguir:

– Autoestima baixa;

Ansiedade / depressão;

Cansaço;

Sono ruim;

Tremor de pálpebra;

Herpes bucal;

Pernas inquietas;

Gastrite;

Enxaqueca;

Refluxo;

Carina comenta que dizer “sim” para tudo no começo pode abrir espaço para o profissional no ambiente de trabalho, já que uma expectativa externa está sendo correspondida e a pessoa é reconhecida por isso. O problema é que as pessoas passam a ver o profissional como alguém à disposição, e passam a atribuir ainda mais responsabilidades.

“Eu passo a ter mais responsabilidades do que tempo. Eu agrado todo mundo, mas não estou bem, eu não performo tão bem na empresa. Quando percebo, já parei de almoçar para responder mensagem de trabalho, começo a ter problemas estomacais, e por aí piora”, acrescenta.

Se o profissional perceber que está enfrentando dificuldades para lidar com a liderança e suas demandas, as especialistas aconselham mentoria de carreira. Neste caso, o profissional terá ajuda para criar novos caminhos no seu ambiente de trabalho, inclusive para lidar com a pessoa gestora e viabilizar seu crescimento profissional.

Com informações do Terra