Mapa produzido por Cemaden e INPE com dados de 1990 a 2020 - Foto: INPE / Cemaden

Pela primeira vez, mapas climáticos produzidos com dados dos últimos 30 anos apontam que o Brasil tem áreas com clima árido, similar ao de desertos. Isso foi causado pelas mudanças climáticas que aumentaram a temperatura da terra, associado à degradação gerada pelo uso humano.

Uma nota técnica produzida por cientistas do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgãos do governo federal, alerta que o índice de aridez cai a patamares inéditos, aumentando áreas em desertificação.

O documento já foi entregue ao MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) e demais órgãos que devem compor o plano de ação de mitigação ao problema.

“Nosso levantamento utilizou dados até 2020, e no novo mapa aparecem essas áreas áridas, mais precisamente na região norte da Bahia. A gente nunca tinha visto isso antes, essa é a primeira vez.” disse Javier Tomasella, pesquisador do Inpe e coordenador do estudo

Como é o cálculo

O cálculo de aridez classificado pela UNCCD (Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação) leva em conta a média de chuva em um intervalo de 30 anos e a evaporação potencial. Quanto maior a aridez de um local, menor é a disponibilidade de água (Entenda melhor o cálculo do índice).

Entre os fatores apontados estão as mudanças climáticas, que aquecem o planeta e levam a uma evaporação mais rápida da água. Tudo isso, claro, associado a questões humanas de degradação do solo, com desmatamento e queimadas, por exemplo.

A nota aponta que o processo de aridez do clima avança por todo o país, com exceção da região Sul. Além Javier, o artigo ainda é assinado por Ana Paula Cunha e José Marengo, do Cemaden.

Hoje, oficialmente, o país tem 1.427 municípios classificados como semiárido em uma área de e ocupa parte dos nove estados do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.

Outro estudo na mesma direção

Além do Cemaden e Inpe, o pesquisador Humberto Barbosa, coordenador do Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite) da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), fez uma outra pesquisa e publicou artigo que também aponta para o mesmo problema.

Por causa da estiagem que afetou o Nordeste, nível do reservatório de Sobradinho caiu a patamares inéditos – Foto: Beto Macário /UOL

“Temos agora dentro do conceito de terras secas da UNCCD, as três tipologias: subúmidas secas, semiárido e a novidade, o árido. Isso cria nova ordem do semiárido brasileiro.” afirmou Humberto Barbosa

Usando dados de satélite disponíveis dos últimos 18 anos, ele percebeu uma queda no número de nuvens no céu da região ao longo dos anos. O norte da Bahia também é apontado no mapa como a região mais afetada pela aridez, que também tem processos avançados de desertificação e degradação em menor escala em Minas, Pernambuco e Paraíba.

“Redução de nuvem na linguagem meteorológica a gente quer dizer que está se reduzindo a capacidade de chuva de um local.” disse Humberto Barbosa

Autor do livro “Um século de secas” ao lado de Catarina Buriti, Humberto explica que o Nordeste enfrentou oito eventos prolongados de seca desde 1845, mas nenhum deles durou seis anos, como a estiagem prolongada entre 2012 e 2017. “Foi a primeira vez que tivemos, antes eram períodos de dois, três anos.”

Ação integrada

A informação preocupa o MMA, que este ano criou o Departamento de Combate à Desertificação.

Segundo Alexandre Pires, que coordena esse departamento, o MMA vai usar os dados de Inpe e Cemaden para atualizar o mapa das áreas suscetíveis à desertificação.

A última versão desse mapa é de 2015, e o novo documento vai apontar agora essas áreas e municípios classificados como de clima árido.

“O MMA está se articulando com os governos dos estados no sentido de retomada da política, de repactuação de ações que atendam a necessidade de implementação de práticas e tecnologias concretas de combate à desertificação.” afirmou Alexandre Pires.

Montagem Mapas-Semiárido – Foto: Arte / UOL

Ele explica outras pastas devem ser envolvidas no processo para que possam apoiar os serviços de assistência técnica e rural a agricultores da região,

Também há um diálogo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para o lançamento de um edital de pesquisa sobre a agenda da desertificação focado sobretudo em grupos de mulheres agricultoras.

Tribunais de Contas cobram ações

Nas últimas terça e quarta-feira, cientistas e autoridades se reuniram em um seminário sobre em João Pessoa. O debate do tema foi promovido pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), que está coordenando uma rede com quatro outros tribunais (de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Sergipe) para ajudar gestores com informações e cobras planos de mitigação de impactos da desertificação.

“Ou se cuida disso imediatamente, ou a desertificação obrigará a remoção das populações do semiárido.” afirmou Nominando Diniz, presidente do TCE-PB

A preocupação atinge todos os estados. A engenheira agrônoma e gerente de Estudos e Pesquisas em Meio Ambiente da Funceme (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos), Margareth Sílvia Benício, palestrou no evento e diz que, apesar de não ter ainda áreas com clima árido, o Ceará é o único que tem 100% de seu território suscetível à desertificação, segundo levantamento de 2016.

Ela explica que, de 2016 para cá, novos mapeamentos apontam que as mudanças climáticas já estão interferindo e acelerando nesse processo. No estado, existem três núcleos de desertificação já percebidos, que são os que mais preocupam.

“As chuvas diminuíram e são muito espaçadas, as estão temperaturas elevadas, sem contar a pressão antrópica. A gente percebe isso que está alimentando a vulnerabilidade e nos assusta. É preciso que os governos sejam alertados e façam medidas de mitigação.” concluiu Margareth Sílvia Benício

*Com informações de Uol