Mark Zuckerberg, CEO da Meta, compartilhou em sua conta do Instagram uma foto escondendo o rosto de dois de seus três filhos - Foto: Reprodução / Mark Zuckerberg

Uma foto compartilhada por Mark Zuckerberg, CEO da Meta, chamou a atenção no Instagram. Ele aparece ao lado de sua esposa e três filhas — as duas mais velhas possuem emojis cobrindo os rostos.

“Até Zuck não confia em suas plataformas para colocar as caras de seus filhos”, afirmou uma internauta em um dos 7 mil comentários ao post. “Este homem sabe extremamente por que você deve esconder o rosto de seus filhos nas mídias sociais”, disse outra pessoa.

A atitude reacendeu o debate sobre os riscos da longa exposição das imagens de crianças e adolescentes nas redes sociais. Especialistas ouvidos pela reportagem de Tilt não só consideraram correta a atitude do chefão de Instagram, Facebook e do WhatsApp, mas também dizem que pais, responsáveis e familiares deveriam seguir o exemplo. Abaixo, eles explicam o por quê.

“O Zuckerberg, assim como qualquer outra pessoa que trabalha com tecnologia, sabe dos riscos. Por isso tapa o microfone, câmera e faz isso em relação às crianças também”, afirma Yasmin Curzi, advogada e pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio.

Há ainda outra problemática envolvendo a relevância do empresário, que é o risco de criminosos usarem a imagem das crianças para falsificação, aplicação de golpes e utilização comercial indevida.

“Roubo de imagem é muito comum. Estamos falando de imagens que podem ser utilizadas em outros países e que não vamos ter ciência. A gente não sabe o alcance que essa imagem vai ter. Então é um risco já previsto por ele [Zuckerberg]” disse Yasmin Curzi, da FGV Direito Rio

Para ela, a veiculação de fotos e vídeos de crianças e adolescentes deveria ser vetada até eles terem o direito de consentir sobre o uso do seus corpos na internet.

Regras no Brasil e os pais que postam demais

O Estatuto da Criança e do Adolescente garante desde o início dos anos 1990 a proteção de menores de idade. Isso também se aplica ao ambiente digital, já que visa definir direitos específicos envolvendo proteção de imagem, privacidade e intimidade de crianças e adolescentes.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no artigo 14º, também assegura que o tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser utilizado com o consentimento específico dado por pelo menos um dos pais ou responsável legal.

Porém, segundo as entrevistadas, existe um ponto controverso em relação a isso: o fato de que os próprios familiares, muitas vezes, compartilham as imagens e outras informações dos filhos de forma exacerbada, e sem a autorização dos responsáveis.

“É preciso refletir sobre o respeito à individualidade da criança. Crianças expostas em vídeos engraçados podem gerar vários memes e risadas, mas elas irão crescer e, provavelmente, terão acesso a essas postagens feitas no passado. Elas podem não gostar e se sentir humilhadas e maltratadas por essa exposição” afirma Mayara Mendonça, psicóloga especializada em desenvolvimento Infantil pelo Instituto CBI of Miami, nos Estados Unidos

Os perigos do Sharenting

O termo sharenting se tornou popular nos últimos anos por definir o compartilhamento de fotos e vídeos de crianças por seus pais/responsáveis legais. A palavra é uma composição do verbo inglês “to share”, que significa compartilhar, e “parenting”, ligada ao exercício do poder familiar.

A superexposição de crianças e adolescentes tidos como influenciadores também é um ponto polêmico. “É importante entender a gravidade do uso de dados e também a dimensão coletiva disso. Tem o risco à privacidade e à segurança física. As crianças e adolescentes têm a vida datificada. São gerações que vão deixar rastros digitais para sempre. Pode ser muito impactante”, afirma Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana.

Essa superexposição, segundo a especialista, eleva o risco ainda de trabalho infantil artístico, já que a imagem daquela criança pode estar com grande alcance e viralizando rapidamente. “É muito comum que empresas usem isso. Tem criança que vai fazer publicidade e pode direcionar publicação e comunicação mercadológica para outras crianças.”

O sharenting também pode potencializar ações negativas nas crianças, ressalta a psicóloga Mayara Mendonça. É na infância que elas aprendem padrões de comportamentos, desenvolvem crenças sobre si e o mundo, aprendem valores e hábitos. “Nas redes sociais o valor de uma pessoa é medido por curtidas e comentários que ela recebe, isso pode gerar comparações, problemas de aceitação, autoestima e acarretar prejuízos na saúde mental da criança.”

Onde as redes entram na segurança dos baixinhos?

Para Mello, as plataformas online precisam ter responsabilidade no processo de proteger crianças e adolescentes, além dos familiares. Isso porque existem casos em que não há respaldo sobre os dados compartilhados e uma culpabilização sobre usos indevido dos mesmos, acrescenta.

“As famílias acabam sendo o elo mais fraco. Muitas vezes elas não sabem o que está em jogo. Não tem noção de que modelo de negócio das plataformas e dos riscos. A pessoa não sabe que tem predadores, que podem fazer contato se passando por outra pessoa, por exemplo. É preciso trocar a lente individual para que seja algo coletivo. É dever da família, do Estado e sociedade proteger as crianças e adolescentes”, ressalta a coordenadora.

De acordo com a advogada da FGV, ainda há falhas na regulação das redes sociais e no controle de segurança e privacidade.

Como aumentar a proteção do seu filho

A solução para as entrevistadas é evitar, ao máximo, a exposição de menores em aplicativos.

Se pais/responsáveis decidirem compartilhar momentos com os filhos, o indicado é que usar o recurso que reduz o número de pessoas que terão acesso à publicação — como o “close friends” (melhores amigos) do Instagram ou manter o perfi fechado. Dessa forma, evita-se o risco de compartilhamento indevido de imagem por pessoas desconhecidas e criminosos.

Cuidado com imagens que ajudem a identificar o local em que você está no momento, em que mora, trabalha e a escola em que as crianças e adolescentes estudam. “É importante evitar compartilhar tudo, principalmente o que pode colocar a segurança deles em risco. A localização, por exemplo, pode servir para que pessoas mal intencionadas mapearem a rotina dessas pessoas”, diz Curzi.

Evite ainda compartilhar fotos e vídeos em que o seu filho apareça sem roupa e com o órgão genital à mostra. Com imagens de bebês isso é bem comum.

Em casos de perfis de crianças e adolescentes com seguidores, é fundamental que sempre exista um adulto responsável com total controle e supervisão dos conteúdos postados e mensagens recebidas. Vale lembrar que a legislação permite o trabalho infantil artístico, mas é preciso um Alvará Judicial de autorização ou participação, entrada ou permanência de menores, seja criança ou adolescente menor de 16 anos, para determinadas atividades, incluindo produção de conteúdo nas redes sociais, explica Mello.

*Com informações de Uol