Na contramão de sua posição anterior sobre transparência, a plataforma X (ex-Twitter) deixou de divulgar relatórios sobre contas suspensas por decisão judicial desde que foi comprada por Elon Musk em 2022.
O empresário vem fazendo desde o final de semana uma série de críticas ao ministro Alexandre de Moraes, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal), a quem acusa de praticar censura e ser um “ditador”.
A inação da plataforma, junto ao sigilo de parte dos inquéritos relatados por Moraes, produziu uma espécie de apagão de informações sobre a dimensão da suspensão de perfis na rede social.
“Não sabemos se são 5, 10, centenas ou milhares”, diz Pablo Ortellado, professor da USP e integrante do grupo Monitor do Debate Político no meio digital.
De 2012 a 2022, o Twitter publicou dados semestrais detalhados por país sobre pedidos de informação por parte de governo e exigências legais para remover ou reter conteúdo.
O pacote de informações incluía número de contas especificadas nas solicitações e a taxa de resposta da plataforma.
O relatório mais recente foi divulgado em 28 de julho de 2022, com dados do segundo semestre do ano anterior.
Naquele período, o Twitter registrou um recorde de demandas legais sobre contas no mundo (47.572 em 198.931 perfis).
No Brasil, nove contas foram retidas no período. O maior número no país (27) havia sido registrado no segundo semestre de 2020, quando ocorreram as eleições municipais.
Ao publicar o último relatório, o Twitter ressaltou em comunicado a importância da transparência. Ela “ajuda as pessoas a compreender as regras dos serviços online e a tornar os governos responsáveis por suas ações”, disse a empresa.
Quatro meses após a divulgação desses dados, Musk comprou a plataforma. Nos meses seguintes, promoveu demissões em massa e mudou o nome dela para X.
Desde a aquisição, os relatórios de transparência por país deixaram de ser publicados. Com isso, não se sabe a extensão da suspensão de contas no Brasil e diversos países desde 2022, período que supostamente inclui as ordens de Moraes criticadas por Musk.
Procurada para explicar a interrupção da divulgação dos relatórios e se há previsão de retorno deles, a empresa não respondeu.
Em manifestações anteriores, o empresário afirmou que algumas das determinações de Moraes impediam que a decisão judicial fosse informada como motivo da suspensão da conta, como acontece hoje com perfis suspensos.
A conta do ex-deputado federal Daniel Silveira, por exemplo, consta até esta terça-feira (9) como “retida no Brasil em resposta a uma demanda legal”.
Mesmo que exista, eventual veto à divulgação do motivo da suspensão de uma conta não impediria em tese sua contabilização no relatório de transparência, uma vez que o documento já não citava decisões judiciais específicas.
Segundo Ortellado, não está claro se a não divulgação dos relatórios desde a aquisição de Musk decorre de uma decisão do empresário ou de outra razão, como a demissão em massa no setor responsável.
Pesquisador sênior de Direito e Tecnologia do ITS (Instituto de Tecnologia e Sociedade) Rio, João Victor Archegas diz que a o grau de transparência do X piorou consideravelmente após a aquisição por Musk.
“Antes o Twitter era conhecido por ser uma das plataformas com mais transparência”, diz.
Segundo ele, pesquisadores podiam anteriormente acessar em tempo real o API (sigla em inglês para interface para programação de aplicações), ferramenta que permite a terceiros se conectar à plataforma e era muito usada em estudos sobre desinformação e discurso de ódio.
Depois da compra por Musk, o acesso passou a ser cobrado. Segundo reportagem da Wired do ano passado, o preço chega a US$ 210 mil (cerca de R$ 1 milhão) por mês.
Regulação
A redução da transparência no X tem uma exceção: a União Europeia. Como o bloco tem uma regulação que obriga as plataformas a tornarem públicos dados detalhados, o Digital Services Act (DSA), a empresa divulga uma série de informações sobre medidas de moderação tomadas no bloco.
Sabe-se, por exemplo, quantos conteúdos foram removidos em cada país, por qual motivo, de que forma (se manual ou automatizada) e mesmo a língua nativa e tempo no posto dos moderadores —por exemplo, são 41 os que têm o português como primeiro idioma.
Coordenadora de pesquisa de liberdade de expressão do InternetLab, Iná Jost diz que a ameaça de Musk de descumprir decisões judiciais é lamentável por atentar à democracia e reforça a necessidade de regulamentar as redes no Brasil.
Por outro lado, ela afirma que a legislação deve balizar tanto a atuação das plataformas como as decisões judiciais.
A coordenadora manifesta preocupação com a derrubada de contas em inquéritos sigilosos.
“Tirar um post é algo pontual, mas retirada de um perfil tira a possibilidade de uma pessoa falar, e isso pode ser muito prejudicial para a circulação de discurso”, diz.
“Talvez existam casos muito problemáticos que exijam a derrubada de discurso, mas, sem saber quais são, não se pode avaliar.”
Dados da plataforma Terrabrasilis, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que concentra informações de satélite sobre cobertura vegetal, desmatamento e queimadas, indicam que...