Sudário de Turim - Foto: Godong / Universal Images Group via Getty Images

Uma das mais polêmicas relíquias do cristianismo, o Sudário de Turim voltou a ser muito debatido depois que um estudo italiano de 2022 viralizou recentemente justamente por datar o tecido como um artefato do século 1, ou seja, dos tempos de Cristo.

Mas, afinal, o que é de fato o Sudário e quais são as evidências de sua ligação com Jesus?

Relíquia começou a ser venerada na Idade Média

O texto dos Evangelhos descreve que o corpo de Jesus Cristo foi enrolado por José de Arimatéia em um lençol após a crucificação. A expressão que se refere ao tecido, no texto em grego, é “sindón” ou “sindone” em italiano — ou sudário, em português.

“E, vinda já a tarde, chegou um homem rico de Arimateia, por nome José, que também era discípulo de Jesus. Este foi ter com Pilatos e pediu-lhe o corpo de Jesus. Então, Pilatos mandou que o corpo lhe fosse dado. E José, tomando o corpo, envolveu-o num fino e limpo lençol, e o pôs no seu sepulcro novo, que havia aberto em rocha, e, rolando uma grande pedra para a porta do sepulcro, foi-se. E estavam ali Maria Madalena e a outra Maria, assentadas defronte do sepulcro” afirma a Bíblia em Mateus 27:57-61

Durante a Idade Média, a expansão da fé cristã pela Europa e as Cruzadas deram origem por uma busca por relíquias da Terra Santa. É deste período a primeira documentação sobre a existência do Sudário de Turim, que clama para si o título de verdadeira mortalha de Jesus Cristo.

Alguns historiadores como Robert de Clari apontam a existência de relatos de que imperadores bizantinos tinham em sua posse o Santo Sudário, mas que ele desapareceu durante o saque de Constantinopla em 1204. Não foi determinado, até hoje, se este era de fato a relíquia polêmica que está há séculos na Catedral de Turim, na Itália — e desperta a curiosidade de cientistas.

A primeira documentação existente do Sudário de Turim, de acordo com pesquisa do arqueólogo americano William Meacham, é de 1357, quando ele teria surgido no vilarejo de Lirey, na França. Ele teria pertencido a um cavaleiro, Geoffroi de Charny, que morreu na Batalha de Poitiers da Guerra de Cem Anos um ano antes.

Ainda no século 14, ele causou descrença e polêmica dentro da própria Igreja Católica, com o Bispo de Troyes decretando em carta ao Antipapa Clemente 7º que se tratava de uma falsificação. Foi a Casa Real de Savoia que levou a relíquia para a Itália, mais especificamente, em Turim, onde está desde 1578.

Imagem em negativo do Sudário de Turim – Foto: Universal History Archive / Universal Images Group via Getty

O sangue e a datação por Carbono 14

O Sudário de Turim despertou a curiosidade de crentes, fiéis de outras religiões, agnósticos e ateus durante séculos justamente pelo alto nível de detalhes no tecido que seria consistente com o que os textos bíblicos narram a respeito do martírio de Jesus. Por exemplo, a própria Catedral de Turim descreve o linho como tendo sido tecido no padrão “espinha de peixe”, à moda dos egípcios antigos, como era popular na época de Cristo.

Mas foi durante o século 20, com o auxílio da tecnologia, que as polêmicas se intensificaram. Nos anos 70, estabeleceu-se o STURP (Shroud of Turin Research Project ou Projeto de Pesquisa sobre o Sudário de Turim), que reuniu físicos nucleares, químicos térmicos, especialistas em energia elétrica, fotografia, física ótica, patologia forense e até membros do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA para entender as propriedades do tecido.

Surpreendentemente, especialistas em arte medieval, arqueologia ou têxteis não compuseram o projeto, que cravou que a relíquia possuía mesmo a imagem real de um homem crucificado. “Não é um produto de um artista”, diz o relatório de 1981. Ainda foram verificadas por este grupo manchas de sangue compostas por hemoglobina e que testaram positivo para albumina. No entanto, os cientistas admitiram que o problema da origem do Sudário seguia sem solução, para futuros estudiosos resolverem.

Em 1990, o químico e microscopista Walter McCrone analisou amostras coletadas do Sudário de Turim em 1978 e foi na contramão: afirmou que as manchas eram de pigmentos vermelhos diluídos em meio gelatinoso, mas seus métodos e resultados foram contestados por outros membros da comunidade científica. Era só o começo das disputas.

Em 1988, três laboratórios em Oxford, na Inglaterra, Arizona, nos EUA e Zurique, na Suíça, usaram o método de datação por Carbono 14 — em que as quantidades do isótopo presentes são determinadas por espectrometria de massa com aceleradores e o seu tempo de meia-vida é levado em consideração para calcular há quanto tempo um objeto, essencialmente, existe.

Todos os testes chegaram à mesma conclusão: o Sudário de Turim é medieval e teria sido produzido entre 1260 e 1390, período que bate com os primeiros relatos de sua existência na Europa. Desde então, curiosos, fiéis e outros cientistas contestam os resultados de 1988. Entre as teorias mais famosas está a de que os cientistas coletaram um pedaço da borda do tecido, que, na verdade, seria um retalho usado para restaurar a relíquia durante a Idade Média após um incêndio.

Mas há vertentes que apostam em contaminações da amostra ou, como um grupo de estudiosos russos, que os cientistas de Oxford, Arizona e Zurique não levaram em consideração que as quantidades de carbono presentes no Sudário de Turim teriam sido potencializadas pelo calor e pela umidade a que ele foi exposto durante o incêndio de 1532.

Teria sido o Sudário finalmente validado?

São muitos os estudos que contradizem a datação feita em 1988 e até os que confirmam, desde então. Mas uma pesquisa de 2022 viralizou nas redes sociais nas últimas semanas por reacender a discussão com uma nova técnica.

Cientistas do Instituto de Cristalografia de Pádua analisaram a dispersão de raios X em ângulo amplo dos elétrons de uma amostra do Sudário de Turim próxima àquela utilizada para a datação por Carbono 14. O objetivo era realizar uma nova datação com base na integridade das fibras — e o resultado obtido apontou que a relíquia teria mesmo em torno de dois mil anos.

O Sudário no altar da Catedral de Turim, na Itália, durante exposição em 2015 – Foto: NurPhoto / NurPhoto via Getty Images

Após o procedimento, os pesquisadores destacaram que as fibras do Sudário envelheceram mais devagar desde o século 14, porque ele foi mantido em locais de temperaturas ambiente mais baixas, justamente para conservá-lo. Assim, cerca de 90% do envelhecimento do tecido teria acontecido antes dos anos 1300.

“O nível de envelhecimento natural da celulose que constitui o linho da amostra investigada, obtida por análise de raio-X, mostrou que o tecido do Sudário de Turim é muito mais velho do que os sete séculos propostos pela datação por carbono em 1988”, afirma o artigo. No entanto, o time de Pádua é cauteloso e frisa que seus resultados só são válidos se pesquisas futuras confirmarem com precisão que o Sudário de Turim foi mantido a temperaturas médias de 22ºC e umidade relativa do ar de 55% pelos 1300 anos anteriores à sua primeira aparição histórica na França.

Ou seja, a polêmica continua.

Posso visitar o Sudário de Turim?

Sim e não. O Sudário de Turim está até hoje na catedral da cidade, mas ele é mantido distante dos olhos do público por questões de conservação. Apenas de tempos em tempos a Igreja o coloca novamente em exposição ao público — a última foi em 2015.

No entanto, réplicas da mortalha estão expostas no Duomo de Turim e, não distante dali, o Museu do Sudário exibe mais informações que podem ser interessantes aos curiosos. Mais informações podem ser encontradas em duomoditorino.com e sindone.it

*Com informações de Uol