Com a maior seca dos últimos 44 anos no país e milhares de focos de queimada no país, colocar a comida na mesa já está mais caro e ficará ainda mais nos próximos meses. Há impacto no preço do açúcar, suco de laranja, carnes, leites e derivados, entre outros.
Açúcar sobe na Bolsa
O fogo e as queimadas que tomam conta de várias regiões do país estão fazendo o preço de alguns produtos galoparem na Bolsa de Valores. Um deles é o açúcar cristal e refinado. Na sua forma bruta, a alta é significativa. “A alta chegou a 2,36% em média na semana passada. O mercado interno equivale a 25% do consumo. O restante, 75%, vai para a exportação. Todos sentirão a alteração nos valores da compra”, informa a economista e professora Luciana Rosa de Souza, da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (Eppen/Unifesp).
Cerca de 80 mil hectares em áreas de cana-de-açúcar e de rebrota de cana já foram queimados no estado de São Paulo. O prejuízo é de R$ 800 milhões, segundo a última estimativa divulgada pela Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana).
O Brasil é maior produtor de cana-de-açúcar do mundo e lidera as exportações globais no segmento sucroacooleiro. Somente neste ano, as exportações de açúcar de cana bruto registram mais de U$ 8,69 bilhões.
Etanol também deve subir 10%. Segundo o Goldman Sachs, há riscos de que o volume de cana-de-açúcar processada para álcool também seja menor nos próximos anos, por causa da seca no período entressafra e queimadas. Os preços de etanol devem subir 10% até o fim da safra de 2024/2025, que termina em março.
Feijão fica mais caro
Outro alimento que está inflacionado é o feijão. O aumento, estima Luciana, chegará a 40% até o final do ano no atacado. E, consequentemente, no varejo, já que os prejuízos acabam sendo repassados ao consumidor final.
Mas a economista acredita que não faltará produtos nas gôndolas dos supermercados. “Todas as perdas que os agricultores tiveram acabam elevando os preços porque eles trabalham com margem de lucro e muitos riscos. Se eles não ganham, não há incentivo para voltar a plantar”, diz a economista.
Aumento nas frutas e hortaliças
A laranja também terá seu preço elevado. Análise feita pela Conab afirma que é preciso considerar o panorama internacional para o suco, uma vez que o Brasil é o maior produtor do mundo da fruta e de suco e os estoques estão baixos.
A tendência é que a indústria continue com demanda forte, mas a safra prevista será baixa. Isso tende a levar a uma menor oferta do produto para o atacado e mercado de mesa, fazendo com que os preços se mantenham elevados por mais tempo.
A produção de melancia também pode ser bastante afetada em São Paulo e em Goiás. Em SP, é uma fruta que se desenvolve e suporta bem o calor, mas sob influências de extremos climáticos pode perder qualidade (grau de doçura, manchas na casca) e tamanho.
A banana já está mais cara por causa da baixa quantidade produzida da fruta, comportamento normal para o período do ano, em entressafra em diversos locais. No entanto, essa alta foi acentuada e continua sendo afetada pela irregularidade da chuva, que provocou estresse hídrico e prejudicou os bananais e o desenvolvimento dos cachos.
As hortaliças costumam ter preços em queda no período de seca. Mas, conforme a Conab, a prolongada ausência de chuvas pode prejudicar as lavouras que não possuem sistema de irrigação. A atenção mais especial se destina à cenoura e ao tomate, produtos mais suscetíveis ao clima e que já têm ciclos de alta e quedas constantes.
Menos pasto encarece a carne, leite e outros derivados
O preço da arroba do boi gordo no atacado deve subir 2,47%. No varejo, ainda não há previsão, informa a economista da Unifesp.
Com o pasto seco, os pecuaristas precisam complementar a alimentação do gado com mais ração. Conforme pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada – Esalq/USP), o clima está bastante seco e a oferta de animais criados a pasto, cada vez mais escassa. Por isso, a criação deve passar para o confinamento, mais caro.
Recuperar solo leva tempo e custa caro
A produção de alimentos, no que diz respeito à agricultura, não é a única que sofre. Muitas queimadas atingiram grandes proporções, causando morte de animais, perda de culturas agrícolas e prejuízos com infraestruturas rurais e urbanas. Além do impacto econômico, social e ambiental, as queimadas afetam as propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos. Grandes quantidades de carbono, nitrogênio, potássio e enxofre são perdidas para a atmosfera. Em longo prazo, essa alteração no solo causada pelo fogo tem consequências na biodiversidade e na manutenção dos ecossistemas.
Pesquisas indicam que o fogo compromete a qualidade do solo e a produtividade no decorrer do tempo. A queima da cobertura vegetal deixa a área descoberta, levando a maior absorção da radiação solar, com ampliação da temperatura e do ressecamento ao longo do dia. Porém, à noite, ocorre a perda de calor pela exposição, elevando assim a amplitude das variações térmicas diárias. Essas oscilações prejudicam a absorção de nutrientes e a biologia do solo.
A recuperação do solo pode levar cerca de três anos, com custos elevados para os produtores. “Porém, o manejo adequado do solo, aplicando boas técnicas, pode trazer benefícios no combate às mudanças climáticas nos próximos anos”, avalia o pesquisador Alberto Bernardi, da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em solos.
Milhares de focos de queimadas
Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Brasil registrou 68.635 focos de queimadas em agosto de 2024. É um crescimento de 144% em relação ao mesmo período de 2023, quando o país registrou 28.056 focos de incêndio.
As regiões Centro-Oeste e Norte do país lideram os focos de queimadas em agosto deste ano. O resultado está entre os cinco piores da história. Os municípios mais afetados são Corumbá (Mato Grosso do Sul), São Félix do Xingu (Pará), Apuí (Amazonas), Novo Progresso (Pará) e Altamira (Pará).
Entre os biomas, a região amazônica representa 55,8% dos registros. Ela é seguida do cerrado com 27,1%, mata atlântica com 8,8%, pantanal com 6,4%, caatinga com 1,8% e Pampa com 0,1% dos focos.
Parte disso é efeito da passagem do El Niño e da La Niña. No primeiro semestre deste ano o El Niño mostrou toda a sua força com o aumento das chuvas no Sul, mais precisamente no Rio Grande do Sul. Agora é a vez da La Niña se pronunciar nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte. Mas também há reflexos de eventos extremos cada vez mais frequentes.
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