A área de vegetação da macrometrópole paulista teve 273 alertas de desmatamento de julho de 2022 a julho de 2023, o que significou a perda de 370,73 hectares, o equivalente a dois parques Ibirapuera derrubados. Uma fatia expressiva dessa devastação ocorreu em sistemas de mananciais que cercam, integram e abastecem a capital paulista com água.
Os dados, antecipados à Folha, fazem parte do projeto de monitoramento e geração de alertas de desmatamento nos mananciais da cidade de São Paulo e seus arredores, sob responsabilidade do IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade) juntamente com a Semil (Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística).
As informações foram divulgadas na tarde desta quinta-feira (28) na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
A iniciativa é resultado de uma emenda parlamentar da deputada estadual Marina Helou (Rede) que destinou quase R$ 250 mil para a parceria e a implementação do projeto.
A macrometrópole diz respeito a mais de uma centena de municípios do estado, entre eles a cidade de São Paulo. A área considerada possui dezenas de milhões de habitantes e grande relevância econômica.
Pouco mais de 68 dos hectares derrubados estão no sistema de mananciais PCJ, sigla que designa as bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Em seguida, aparecem os sistemas de Alto Cotia (21,53 hectares), Itupararanga (14,87), Cantareira (13,28), Guarapiranga-Billings (10,82), Paraíba do Sul (8,54) e Alto Tietê (5,07).
As bacias consideradas acima são de interesse para o abastecimento público de água na região. O restante da derrubada é composto por pontos fora dessas unidades hidrográficas.
Manter floresta em pé é inegavelmente importante, onde quer que seja. Em áreas de mananciais isso ganha mais importância ainda, exatamente pela relação entre matas e água.
Em linhas gerais, a floresta participa nos processos de captação de água e alimentação de aquíferos e evita processos erosivos. Em razão da evapotranspiração, nome dado ao processo de devolução da umidade para a atmosfera, que é base para a formação de nuvens, a mata garante a chuva. Dependendo do tamanho da floresta, essa participação pode ser continental, como no caso da amazônia.
As centenas de hectares derrubados não significam, necessariamente, áreas com desmate ilegal. Pode haver supressão de uma área com vegetação após autorização.
Considerando somente as áreas dentro dos sistemas citados, foram registrados 118 alertas de desmatamento. Desses, cerca de 41% (49 alertas) foram considerados não denunciáveis, ou seja, foram desconsiderados pela secretaria estadual após uma auditoria. Esses casos podem ser, por exemplo, de um desmate que foi licenciado ou de um deslizamento de terra.
Sergio Augusto Ribeiro, consultor em segurança hídrica do IDS, diz que parte do objetivo da iniciativa é facilitar o acesso a esse tipo de informação para a população. A partir desta quinta, será possível ver online cada um dos pontos de alerta de desmatamento em uma página do IDS.
Outro objetivo é agilizar e tornar mais precisa a fiscalização em campo das autoridades ambientais paulistas.
A busca do desmatamento zero e o caso PCJ
Apesar de nem todos os desmatamentos serem ilegais, o país está em busca de desmatamento zero, seja ele legal ou ilegal. Além disso, em áreas como as observadas pelo projeto, as derrubadas impactam a segurança hídrica da população.
“Do ponto de vista de segurança hídrica, tem lugares que são mais importantes que outros. Temos que ter políticas e atuação intersetorial com foco nessas regiões”, diz Ribeiro.
Vale lembrar a crise hídrica vivida por São Paulo na década passada e, em anos mais recentes, o receio que tem cercado os níveis dos reservatórios que alimentam a capital, como o Cantareira.
Atualmente, o El Niño está em curso, o que pode levar a alterações no ciclo de chuvas e temperaturas pelo país. “A gente está entrando em um cenário de maior dramaticidade para esse tema da segurança hídrica e ainda estamos observando uma situação onde tem uma supressão de vegetação considerável”, diz o especialista do IDS.
Ribeiro cita a bacia do PCJ como um ponto fora da curva, com 58 alertas registrados, ou seja, quase metade dos registros nos sistemas de mananciais observados no período. “Acende uma luz amarela notadamente para esse sistema.”
Marcos Rosa, coordenador técnico da plataforma MapBiomas e integrante do projeto, destaca que a bacia PCJ ocupa uma área maior, o que, proporcionalmente, em parte poderia explicar um maior número de alertas. Considerando o tipo de derrubada, em comparação a outras bacias, a PCJ apresenta um número consideravelmente maior de alertas ligados à expansão agrícola.
Já nas outras bacias, diz Rosa, é mais comum ver desmatamentos ligados à expansão urbana. “São normalmente alertas bem pequenos. É o que a gente chama de efeito formiguinha.”
Rosa lembra que, apesar de São Paulo ter, recentemente, mais ganho/recuperação de vegetação do que perda, ainda é necessária atenção. “Essas pequenas áreas vão se acumulando e, normalmente, as pessoas não as veem”, afirma.
“É uma preocupação constante ainda, porque, apesar de não ser um valor muito expressivo, essas florestas aqui, principalmente nessa região de mananciais, são muito importantes. Temos que estar sempre falando em recuperar áreas que foram perdidas e acabar o desmatamento.”
Como é feito o monitoramento
O coordenador técnico do MapBiomas aponta que uma das evoluções em relação ao que se tinha antes foi aplicar um maior refinamento ao monitoramento, para examinar possíveis áreas desmatadas de tamanho menor.
A identificação inicial dos alertas é feita por uma inteligência artificial. Depois há uma validação visual pelo IDS, a partir de imagens de satélite da empresa Planet. É possível, em geral, observar retiradas de vegetação de até 0,15 hectare. Para saber se houve realmente um desmate, é feita uma sobreposição das imagens mais recentes do local com o Inventário Florestal do Estado de São Paulo.
O alerta também é validado pela Semil, que checa se havia autorização para a retirada.
Por estarem olhando especificamente para sistemas de abastecimento, outro cuidado é necessário. Quando falamos de monitoramento de desmate, usualmente, nos referimos a áreas de floresta, mas a detecção nos sistemas específicos observados em São Paulo e arredores pode ser mais complexa, considerando as áreas úmidas ao redor de corpos d’água.
Os processos naturais de alagamento e de seca podem acabar gerando alertas falsos (que caem na categoria não denunciável), daí a importância da checagem.
Rosa compara com a situação amazônica, de dimensões muito maiores, onde em 2022 se viu o aumento de desmatamentos com mais de cem hectares. “São cem campos de futebol. É basicamente uma atitude de quem aposta na impunidade”, diz. “Quanto menor o desmatamento mais difícil tanto a detecção quanto a ação.”
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