A Força Aérea dos Estados Unidos divulgou um vídeo mostrando a tentativa de três caças russos de derrubar drones americanos durante uma perigosa interceptação nos céus da Síria, país cuja ditadura é protegida militarmente por Vladimir Putin desde 2015.
Quase houve uma repetição do incidente de março, quando um caça Su-27 abalroou a hélice de um drone MQ-9 Reaper no mar Negro, derrubando o aparelho. Ali, até pela proximidade com a guerra na Ucrânia, as duas maiores potências nucleares do mundo se acusaram mutuamente, mas não deram tração à crise.
No Oriente Médio, a situação se desenrola de outra forma. Em junho, os EUA enviaram para a região seus mais poderosos caças, os F-22, afirmando ser necessário conter a agressividade dos pilotos de Putin em ação na Síria e nos arredores. Na quarta (5), três modelos Su-35S, dos mais avançados a serviço de Moscou, interceptaram três Reaper no noroeste da Síria, na província de Aleppo. As imagens captadas pelos drones mostram três abordagens que poderiam resultar na queda dos aparelhos.
A primeira, convencional e que lembra o incidente do mar Negro, mostra um Su-35 aproximando-se pelas costas do drone. Em outra, também já conhecida, o caça russo se posiciona perto do aparelho americano e acelera em modo de pós-combustão, quando o piloto injeta combustível extra no exaustor do motor. Isso gera grande potência, deixando o ar atrás bastante turbulento —o que poderia ter desorientado o drone.
Mas o trecho mais notável exibe algo inédito: os Su-35 deixaram um rastro de flares, iscas incandescentes destinadas a atrair mísseis guiados por infravermelho para longe dos caças, lançados com pequenos paraquedas. Trata-se de um tipo específico de flare, usado em treinamentos de acurácia de mísseis, mas que no caso deixou uma cortina de obstáculos na frente do drone, obrigado a manobrar para não colidir.
“Isso é contra todas as normas e protocolos estabelecidos”, afirmou o chefe do Comando Central da Força Aérea dos EUA, general Alex Grynkewich, responsável por uma área de atuação que engloba 21 países. Em novembro, uma bateria antiaérea russa disparou contra um Reaper, mas não o atingiu.
Já nesta quinta (6), houve ainda outro incidente com forças russas na região, com um Su-35 interceptando dois caças franceses Rafale perto da fronteira com o Iraque. Segundo a Força Aérea francesa, a ação foi “antiprofissional”. Os russos não comentaram especificamente os incidentes, mas na quarta iniciou um exercício de controle de espaço aéreo com a Força Aérea Síria, o que explica a atividade sobre o país.
Há um problema jurisdicional enorme subjacente a essas demonstrações de força. A Síria entrou em guerra civil em 2011, e o país foi retalhado entre forças rivais, cada uma com um ou mais patrocinadores externos. O regime de Bashar al-Assad chegou perto do colapso, mas foi salvo pela intervenção de Putin.
Dona de uma base naval no país, a Rússia instalou um componente aéreo em Latakia (noroeste), de onde apoiou com sua Força Aérea os sírios, seus aliados iranianos na região e mercenários do Grupo Wagner. Resultado: Assad voltou ao jogo, e, agora, a Síria vem sendo readmitida em fóruns como a Liga Árabe.
Mas o país segue com áreas fora de seu controle, e o espaço aéreo é uma colcha de retalhos. Os EUA, por exemplo, mantêm cerca de mil soldados por lá e operam principalmente drones —embora a presença dos F-22, baseados no Qatar, mude significativamente a história se forem empregados.
Franceses, emiratis e britânicos estão entre os que ainda agem, nominalmente, em operação contra o restante do EI (Estado Islâmico), grupo terrorista que chegou a dominar grandes áreas na Síria e no Iraque.
Por fim, Israel conduz ataques contumazes contra forças sírias e iranianas em rotas de abastecimento de grupos como o Hizbollah libanês e o Hamas palestino.
Legalmente, apenas Moscou tem mandato para operar na Síria, já que está lá a convite da ditadura de Assad. Como o regime não é reconhecido por vários países, contudo, a argumentação é inócua. Os EUA disseram que os Reaper estavam em missão contra o EI, mas a existência do exercício russo torna tal hipótese algo duvidosa, já que são aviões primariamente de espionagem.
Nos últimos meses, tem havido mais ataques a bases americanas e de aliados por forças irregulares do Irã, o que pode explicar a maior assertividade russa no ar também, dado que são aliados. O general Grynkewich sugeriu isso, dizendo que “russos e iranianos querem nos chutar de lá”.
Para evitar desastres, há protocolos segundo os quais os rivais no ar comunicam suas ações, com mais ou menos detalhes, uns aos outros. Isso está sob risco agora, e um incidente mais sério pode levar a escaladas imprevisíveis enquanto o Ocidente enfrenta a Rússia indiretamente ao armar Kiev.
Em vários pontos de atrito do mundo, do mar Báltico ao Pacífico, há esbarrões mais ou menos perigosos durante patrulhas de rivais. A tensão global com o conflito ucraniano e em pontos como o estreito de Taiwan tem levado a probabilidade de um erro de cálculo a subir bastante. Em 2022, um caça russo chegou a disparar um míssil perto de um avião-espião britânico no mar Negro.