Fumaça encobriu Manaus durante semanas com fumaça provocada por incêndios e queimadas ilegais (Foto: Michael Dantas / AFP)

A Amazônia Legal abriga 34% das cidades com ar mais poluído do Brasil, segundo o relatório World Air Quality de 2023, produzido pela IQAir e publicado nesta semana. Das 38 cidades com piores índices PM2.5 do país, 13 estão na região. Xapuri, no Acre, apresenta o pior resultado, com cinco vezes mais micropartículas poluentes no ar que o indicado pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Na lista, constam também outras sete cidades acrianas e as capitais Boa Vista (RR), Macapá (AP), Manaus (AM), Porto Velho (RO) e Palmas (TO). Em algumas delas, o percentual de poluição ultrapassa cidades industriais de São Paulo.

A sigla PM2.5 significa “material particulado” com 2,5 mícrons ou menos de diâmetro, ou seja, mais finas que a poeira e capazes de penetrar a região torácica do sistema respiratórios. Em comparação, por exemplo, a areia da praia tem 90 mícrons de diâmetro, o cabelo humano tem entre 50 e 70 mícrons e as partículas de poeira, pólen e mofo são tipicamente inferiores a 10 mícrons.

O relatório traz dados de 7,8 mil localidades em 134 países. Segundo o documento, no Brasil, a onda de calor enfrentada no ano passado e o clima seco que causou grandes incêndios florestais na região Amazônica são as causas da grande poluição.

“No Norte do Brasil, o desmatamento e os incêndios florestais na Amazônia têm impactado significativamente a qualidade do ar do país. O desmatamento é impulsionado pela produção de gado, soja, cana-de-açúcar, especulação imobiliária e pela indústria de carvão vegetal”, aponta.

O relatório cita que, embora o desmatamento tenha reduzido em 2023, o número de incêndios foi alto. Questionado sobre os dados apresentados, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima afirmou que implementou e mantém o Sistema Nacional de Gestão da Qualidade do Ar (MonitorAr), além de promover o aprimoramento da gestão da qualidade do ar e atuar para a expansão das redes de monitoramento.

O secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental da pasta, Adalberto Maluf, destacou que a pasta trabalha com a revisão da resolução 491 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que trata da qualidade de ar.

“Os nossos monitoramentos já apontam que as cidades do arco do desmatamento, ou seja, aquelas que lideram as queimadas e desmatamento, são as que têm a pior qualidade do ar do Brasil. Em especial nos últimos cinco anos, muitas cidades da região amazônica estão com o pior ar do país”, disse. O titular da pasta reforçou que 55% das queimadas registradas vêm do desmatamento recente.

“Estamos criando estratégias para uma rede de monitoramento da qualidade do ar na Região Amazônica. Essa é uma das prioridades da ministra Marina Silva. Já apresentamos o projeto ao Comitê Gestor do Fundo Amazônia, o projeto foi aprovado, e agora estamos finalizando para apresentar ao BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social”, relata Adalberto Maluf.

A iniciativa tem previsão de investimento de R$ 112 milhões. A expectativa é instalar estações de monitoramento a cada 500 mil habitantes e sensores a cada 100 mil habitantes. A pasta também trabalha com o desenvolvimento de equipamentos de baixo custo para os estados.

“Com o Ibama, estamos negociando a conversão de multas de muitas empresas condenadas por desmatamento para que eles banquem essa rede de monitoramento. Com isso, os estados poderão atuar no plano estadual de enfrentamento à poluição atmosférica e no plano estadual de eventos críticos de qualidade do ar”, disse.

A pasta também citou a Política Nacional de Qualidade do Ar, que aguarda a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que determina como “instrumentos para a qualidade do ar o estabelecimento de limites máximos de emissão atmosférica e seu inventário; adoção de padrões de qualidade do ar e monitoramento; criação de planos setoriais de gestão da qualidade do ar e de controle da poluição por fontes de emissão”.

Fatores climáticos

Porta-voz do Greenpeace, Rômulo Batista afirma é possível notar a concentração dos municípios da Amazônia Legal no ranking, principalmente, no período do chamado Verão Amazônico. “Nessa época o clima é mais quente, com menos chuvas e menos umidade, e é justamente quando temos uma incidência de queimadas muito grande. Também tivemos em 2023 o ano mais quente da história, e estávamos sobre efeito do El Niño, que na Amazônia agrava ainda mais o período de estiagem”, observa.

Os dados apontam, por exemplo, que, de janeiro a abril, cidades do Acre e do Amazonas apresentaram índices de micropoluentes no ar dentro do recomendado pela OMS. No entanto, a partir de maio, o cenário muda. Em setembro, quando foi registrado um dos maiores números de queimadas da história, a poluição do ar alcançou níveis críticos. Em Acrelândia, por exemplo, o índice chegou a dez vezes acima do recomendado pela OMS, com pontuação de 43.2.

No Amazonas, depois do estado ter registrado cerca de 7 mil focos de incêndio em setembro, Manaus apresentou o valor mais alto de poluição do ar do Brasil, com 53,6 pontos, o equivalente a mais de 10 vezes o recomendado pela OMS.

Batista ressalta, no entanto, que queimadas e desmatamento são problemas complexos, difíceis de resolver com uma solução única.

“Precisamos sempre lembrar que o desmatamento e as queimadas estão ligados, porque muitas vezes o fogo é usado para finalizar o desmatamento. No entanto, no ano passado, mesmo com a redução do desmatamento, tivemos o aumento do fogo devido aos fenômenos climáticos.”

Outro ponto ressaltado pelo representante do Greenpeace é que o governo e instituições olhem para as populações que vivem no território. “Muitas vezes olhamos para a região Amazônica com o olhar de satélite, vendo um tapete verde, e nos esquecemos que ali vivem mais de 20 milhões de pessoas sendo expostas a toda essa situação e correndo riscos. E são esses povos tradicionais os guardiões da floresta”, destacou.

Entenda a pesquisa

O relatório apresenta os dados de qualidades do ar de PM2.5 de 7.812 cidades em 134 países. Os dados foram levantados a partir de 30 mil estações de monitoramento de qualidade do ar operadas por instituições de pesquisas, órgãos governamentais, universidades e instituições educacionais, ONGs, empresas privadas e cientistas.

Segundo a OMS, a poluição atmosférica é uma das maiores ameaças ambientais à saúde pública e é responsável por cerca de 7 milhões de mortes prematuras todos os anos. Apenas no Brasil, em 2019, foram 43,5 mil mortes.

Professora de meteorologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora da Rede Biota Cerrada, Renata Libonati destaca, no entanto, que os resultados da pesquisa precisam ser olhados com cuidado. “Os dados são muito dependentes dos locais em que há disponibilidade de medição desse poluente. Uma das coisas que o relatório aponta é que o Brasil ainda tem uma rede de distribuição baixa, comparada com a magnitude continental do país”, observa.

A especialista destaca que a maioria das estações está concentrada no Acre e na região Sudeste. “Por essa razão, essas regiões podem aparecer tanto, porque outras não têm medição. Podemos ter outras cidades com índices iguais ou piores que não estão listadas por falta desse acompanhamento. Também precisamos levar em conta que não há uma padronização no tipo de medidor de todas as regiões”, conclui.

Danos à saúde

A poluição por partículas finas são agravantes e podem causar doença pulmonar obstrutiva crônica, acidente vascular cerebral, doença cardíaca isquêmica, câncer de traqueia, brônquios e pulmão, infecções respiratórias inferiores e diabete tipo 2. Ela também contribui para distúrbios neonatais.

O oftalmologista Gustavo Serra explica, por exemplo, que parte das pessoas que trabalham e moram em grandes cidades estão sendo afetadas pela poluição. “E essa poluição também afeta na saúde ocular, afetando, principalmente, a saúde das glândulas responsáveis pela produção de lágrimas dos olhos”, afirma.

“As glândulas de melbômenas produzem uma parte de lágrima gordurosa, o que faz com que essa lágrima não evapore com facilidade. E essa glândula sendo tão disfuncional faz com que a nossa córnea fique muito mais desprotegida, fazendo com que o olho resseque com muito mais facilidade. Isso pode causar inflamação tanto na córnea quanto na conjuntiva, além de coceira e vermelhidão ocular”, explica Gustavo Serra, oftalmologista.

Com informações do R7