No início de julho, a temperatura média global do planeta bateu recordes de calor por três dias consecutivos. Na segunda-feira, 3, atingiu a casa dos 17,01 graus Celsius. No dia seguinte, o recorde foi quebrado novamente, chegando a 17,18 graus Celsius e, na quarta, mais uma vez, com a temperatura repetindo a marca.
Essas temperaturas médias coincidem e podem estar relacionadas com três fatores diferentes, incluindo a chegada do El Niño, que ainda está em fase moderada. Segundo o meteorologista Pedro Regoto, da Climatempo, a previsão é de que neste ano o fenômeno, que consiste no aquecimento significativo das águas do Pacífico, seja ainda mais forte.
De acordo com o meteorologista, o recorde de temperaturas acontece por uma série de fatores que estão interligados. O ano de 2016, por exemplo, lidera o ranking como o ano mais quente do mundo, e o especialista lembra que, na época, era registrado o Super El Niño, ou seja, um El Niño “mais intenso”.
A tendência, segundo Rogato, é que, por uma série de fatores relacionados principalmente ao aquecimento global, as temperaturas sejam cada vez mais extremas. “Em 2016, a gente tinha um nível de aquecimento global. Agora, em 2023, a gente tem um nível superior ao de 2016. O planeta já está com uma forçante mais intensa”, afirma.
À medida que o El Niño vá se desenvolvendo, ele se fortalecerá e isso deve fazer com que o planeta “ganhe uma possibilidade maior de bater um recorde novamente” em alguns meses ou até semanas, explica o meteorologista.
Devido aos últimos acontecimentos, cientistas acreditam que 2023 ainda possa superar 2016 e tomar o posto de ano mais quente da história. Uma análise de Berkeley Earth ainda em maio afirmava que as chances deste ano ser o mais quente eram de 54%.
Após o recorde batido pelo mês de junho, o cientista-chefe da organização, Robert Rohde, afirmou que a porcentagem vai aumentar. A quantidade ainda é incerta, “mas parece mais do que provável que 2023 seja um ano recorde”, acrescentou.
As informações dos registros recordes de temperatura média global foram divulgadas de forma preliminar por cientistas do Climate Change Institute, da Universidade do Maine, nos Estados Unidos e foram registradas com dados de uma ferramenta que utiliza um cruzamento de dados históricos com atuais, o Climate Reanalyzer.
A ferramenta utiliza dados de satélite e simulações computacionais para medir as condições climáticas de todo o mundo, com registros de dados que começaram a ser coletados ainda em 1979, mas que podem ser traçados e comparados com informações de um passado ainda mais distante, alcançando informações da Terra no ano de 1880.
Chuvas intensas, secas severas e queimadas
Pouco depois de o planeta bater recorde de altas temperaturas por três dias seguidos, o observatório europeu informou, no último dia 6, que a Terra registrou o mês de junho mais quente da história em 2023.
De acordo Regoto, os próximos recordes “não devem ser apenas de temperatura”, mas também de impactos causados pelas ondas de calor, intensificadas com a chegada do El Niño, como a ocorrência de “chuvas muito intensas em algumas regiões, secas muito severas e queimadas”.
Paulo Jubilut, biólogo e mestre em Ciência e Tecnologia Ambiental, explica que as ondas de calor são exemplos de eventos climáticos extremos que têm intensidade e frequência agravados pelo avanço do “aquecimento global e das mudanças climáticas”.
“Esse aquecimento resultará em mudanças significativas nos padrões climáticos globais, afetando o clima em diferentes partes do mundo. O impacto do calor extremo afetará significativamente a economia, a sociedade e o meio ambiente”, alerta o biólogo.
Apesar deste recorde global ser preliminar, é mais um indicativo da velocidade em que o mundo está se aquecendo. O calor incomum é resultado de uma combinação entre a mudança climática causada pelo impacto do ser humano no meio ambiente, do fortalecimento do El Niño e do início do verão no hemisfério norte.
A chegada do El Niño está somada à crise climática e deve elevar ainda mais as temperaturas. Pedro Regoto ressalta que o fato de o verão no hemisfério norte acontecer junto com o El Niño pode ter influenciado no registro deste marco histórico alarmante.
“De maneira geral, as temperaturas do ar são maiores no hemisfério norte do que no sul, porque tem muito mais continente do que água. Normalmente, as temperaturas planetárias mais altas acabam sendo no verão do hemisfério norte, porque tem uma componente mais intensa do que no verão do hemisfério sul”, explica.
Ondas de calor
Ondas de calor vêm sendo registradas em várias regiões do hemisfério norte . O fenômeno tem provocado incêndios e ameaçado a saúde da população em países como Espanha, Índia, China, Grécia e Estados Unidos.
Nesta terça-feira (18), a Organização das Nações Unidas (ONU) alertou que o mundo deve se preparar para ondas de calor mais intensas. A Europa é o continente com o ritmo de aquecimento mais rápido e também pode registrar recordes de temperatura nas ilhas italianas da Sicília e Sardenha. Segundo estimativa da agência espacial europeia, os termômetros devem alcançar os 48ºC.
Embora não seja a primeira vez que fenômenos como estes sejam registrados, o meteorologista da Climatempo afirma que, quando comparados com estudos de 70 anos atrás, eventos que antigamente eram mais raros de acontecer, como as ondas de calor muito intensas, hoje em dia já têm a frequência triplicada.
“O que a gente vem observando é mais recorrência e o fortalecimento do fenômeno. Essas ondas de calor que estão acontecendo de forma muito intensa vão acontecer cada vez mais fortes e de forma mais frequente”, explica.
Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) mostram que as projeções de clima, tanto em frequência quanto na intensidade de fenômenos, feitos na década de 90 para a atualidade já foram superadas. “O que estava sendo projetado de aumento desses eventos, na verdade, agora aconteceu com maior severidade. Então se mantém esse indicativo de aumento de extremos quando olhamos 30 anos para frente”, afirma Regoto. “O que a gente vem observando é que praticamente todo ano algum recorde é batido, seja de chuva, de calor ou de temperatura.”
Que impacto isso causa no Brasil?
Conforme o especialista, os próximos meses serão seguidos por períodos de clima extremo e sentidos de forma diferente nas regiões do Brasil.
Com o El Niño, o esperado é que as regiões Norte e Nordeste tenham clima mais seco. “Em 2015, com o El Niño mais intenso, tivemos a pior seca na Amazônia. Então o El Niño traz esse viés de regime mais seco no Norte e Nordeste”, lembra. “No Nordeste, isso pode ter impacto no abastecimento de água, até mesmo na cobertura vegetal, mas há maior potencial para geração de energia eólica e solar, por outro lado. As hidrelétricas tendem a produzir menos.”
Já no Sul, o efeito é o contrário. Na região é esperado um regime mais chuvoso, o que aumenta o potencial para tempestades, como as que foram registradas nas últimas semanas com a passagem de frentes frias e ciclones. “Muito vento, chuva e descarga elétrica. A expectativa é que o Sul ainda sofra mais ao longo dos próximos meses”, afirma.
No caso do Sudeste e Centro-Oeste, Regoto explica que não há um sinal claro do efeito do El Niño, já que não há uma tendência em relação ao clima, como nas outras regiões, com a chegada do fenômeno.
“A gente não tem um sinal claro no efeito do El Niño, porque em alguns anos choveu muito e em outros, secou. Mas o sinal claro que a gente tem é do aumento da temperatura, que é geral para todo o Brasil”, diz ele.
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