Pesquisa Datafolha sobre as chamadas bets mostra que 17% dos beneficiários do Bolsa Família —o programa de transferência de renda do governo federal destinado a pessoas de baixa renda— disseram apostar ou já ter feito apostas esportivas online.
Desse percentual, similar ao da população em geral (15%), quase um terço relata gastar ou ter gasto mais de R$ 100 por mês nos sites.
Seis em cada dez apostadores beneficiários do programa de transferência de renda dizem apostar mais de R$ 50 por mês —entre os que não recebem a bolsa, a proporção é de 4 a cada 10.
A Folha mostrou que o fenômeno das apostas online é disseminado pelo país, tendo maior adesão entre os jovens e homens.
Em dezembro, o Bolsa Família repassou uma média de R$ 680,61 a mais de 21 milhões de famílias.
A pesquisa foi realizada em 5 de dezembro de 2023. Foram 2.004 entrevistas presenciais em 135 municípios, com pessoas de 16 anos ou mais de todas as regiões. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para baixo para cima, com um nível e confiança de 95%.
A oferta de sites de apostas esportivas é liberada no Brasil desde 2018, após lei aprovada durante o governo Michel Temer (MDB), mas o tema não foi regulamentado pelo Executivo como deveria.
A partir disso, propagandas de bets passaram a dominar a grade da TV aberta, sobretudo em jogos de futebol. As redes sociais também foram inundadas de anúncios de jogos de apostas, viralizados pela atuação de influenciadores famosos.
O governo de Jair Bolsonaro (PL) teve quatro anos para regulamentar o mercado, mas não o fez. Assim, o número de casas de apostas voltadas ao público brasileiro explodiu sem que houvesse regras claras para atuação neste setor, tampouco órgãos fiscalizadores e controladores específicos para a atividade.
O governo Lula (PT) passou a trabalhar na regulamentação desde o ano passado. Já foi aprovada nova lei para definir taxação e funcionamento dessas empresas, que também deverão se credenciar para atuar no Brasil —atualmente, as empresas que oferecem apostas online no país têm sede no exterior.
A regulamentação total deve ser finalizada ainda no primeiro semestre. A legislação trata dos jogos da chamada quota fixa, em que se sabe quanto pode ganhar com a aposta (a partir de resultados de jogo de futebol, por exemplo).
Durante a tramitação do projeto de lei das apostas esportivas na Câmara, os deputados incluíram nessa categoria, além das apostas esportivas, também os jogos online, onde entram cassinos e outros jogos de azar em ambiente virtual. Estima-se que até 80% da movimentação do setor venha desse tipo de atividade.
Críticos temem que isso possa disseminar uma série de sites que oferecem games populares de apostas que trabalham à margem dessa lógica, com promessas de prêmios exorbitantes ou algoritmos fraudulentos.
Atualmente já há investigações sobre casos deste tipo, e deve ficar a cargo da Fazenda determinar quais tipos de jogos podem ou não operar.
Faz nove meses que o motoboy Dalton da Silva Gomes, 28, começou a jogar pelo celular. Entre uma entrega e outra, joga em um site em que aposta enquanto um aviãozinho decola —tem de parar de apostar antes que ele exploda.
“Quanto mais a gente que vai entrando, mas vai ficando envolvido. Você ganha R$ 300 de uma vez, mas aí vai perdendo de dez em dez até zerar tudo”, diz ele, que trabalha em Brasília e até o ano passado era beneficiário do Bolsa Família.
“Comecei a jogar para acalmar outras ansiedades e vícios, mas estou querendo parar. Já perdi R$ 400,00 só este ano”, diz. Dinheiro que faz falta em sua renda mensal, equivalente a menos de dois salários mínimos.
Também vivendo de entregas de moto na capital federal, Wanderson Junior, 24, conta que fez apostas seduzido pela publicidade e o acesso fácil.
