O tronco de um angelim-vermelho parece um muro na floresta - Foto: Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

É difícil andar mais de 15 minutos pela floresta amazônica amapaense, na região do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque (PNMT), sem deparar com uma espécie de paredão avermelhado revestido de escamas que se estende para cima a perder de vista entre as copas das outras árvores, atingindo alturas entre 60 e 80 metros (m) – como se fosse um prédio de 18 andares. É o angelim-vermelho (Dinizia excelsa), a mais imensa entre as grandes árvores que existem por lá. Há outras que se agigantam, mas raramente atingem estaturas acima de 60 m: piquiá (Caryocar villosum), maçaranduba (Manilkara huberi) e tauari (Couratari guyanensis), por exemplo.

É surpreendente porque até cerca de uma década atrás árvores com essa estatura não eram consideradas existentes nos trópicos. As mais altas conhecidas no mundo – chegando a 115 m – são as sequoias-vermelhas (Sequoia sempervirens) da Califórnia, nos Estados Unidos. A partir do entendimento que foi sendo construído sobre esses colossos vegetais documentados há tempos, surgiu um paradigma: só algumas regiões temperadas de clima mediterrâneo, onde não faz muito calor nem há uma estação seca muito marcada, poderiam abrigar árvores tão altas.

As californianas – como grandes árvores na Austrália e no Chile – vivem em condições muito especiais, perto do mar, onde as oscilações de temperatura são menores e o frescor sobre a massa d’água ajuda a formar uma neblina crítica para evitar estresse hídrico na estação seca. “Essas árvores conseguem se hidratar pelas folhas e ramos, e não dependem tanto das raízes”, explica o biólogo Rafael Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Isso favorece o crescimento em altura.” A temperatura também é importante porque o calor induz a uma respiração mais alta, que leva à perda de carbono e impõe restrições ao crescimento.

“O que temos é um desconhecimento da existência das árvores gigantes nos neotrópicos por muito tempo, até que por volta dos anos 2000 elas foram encontradas em Bornéu, na Malásia, e há poucos anos na Amazônia”, conta. O enigma é que as condições amazônicas são muito diferentes daquelas registradas nas regiões temperadas. “O fato de sabermos que lá existem árvores gigantes traz um elemento novo para o quebra-cabeça.”

A reportagem de Pesquisa FAPESP acompanhou no final de outubro uma expedição ao Amapá, dirigida pelo biólogo Paulo Bittencourt, pesquisador na Universidade de Exeter, no Reino Unido. O objetivo do trabalho é estabelecer as bases de uma pesquisa de longo prazo, com monitoramento mensal em parcelas permanentes cobrindo uma área entre 30 e 50 hectares (ha). Também está nos planos instalar uma estação meteorológica básica para medir temperatura, umidade e pressão do ar, precipitacão, direção e velocidade do vento e luminosidade, assim como equipamentos que monitorem a umidade do solo e aspectos da fisiologia e do crescimento das árvores. “Só acompanhando ano após ano é possível saber se elas crescem depressa”, exemplifica o biólogo.

Ele integra um projeto liderado pela ecóloga britânica Lucy Rowland, que se dedica a entender as reações fisiológicas da floresta amazônica às mudanças climáticas. Além dos dois pesquisadores, a equipe teve o apoio técnico da bióloga Danielle Ramos, também da Universidade de Exeter, e recorreu ao conhecimento dos guias locais, do engenheiro florestal Christoph Jaster, diretor do PNMT há 20 anos, e de um drone que decolava das poucas clareiras para elevar-se acima do dossel e localizar as copas mais altas.

Como gestor, Jaster se preocupa em chamar a atenção pública para a floresta única de que se orgulha. “O Parque Nacional do Itatiaia tem o pico das Agulhas Negras, o Parque Nacional da Tijuca tem o Corcovado, o Parque Nacional do Iguaçu tem as cataratas – eu procurava um marco”, conta. Só por volta de 2016, no contexto de um monitoramento de biodiversidade que se iniciou em 2014, a botânica Rafaela Forzza, à época no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), ressaltou a excepcionalidade da estatura das árvores do Tumucumaque. “Passei a andar sempre com o aparelho para medir as árvores e continuo procurando a mais alta”, diz ele, e revela o sonho: encontrar uma próxima aos 90 m. “As imagens captadas pelo drone, que revelam copas muito destacadas no horizonte, poderão possibilitar achados importantes.”

Não são. Perto da base do parque, a equipe encontrou várias delas em uma tarde de caminhada. Em certo ponto, 15 angelins-vermelhos muito próximos uns dos outros pareciam alcançar o céu depois de atravessar o dossel da floresta, que começa entre 30 e 40 m do chão. Em outro dia, a equipe explorou uma área 20 quilômetros (km) acima e ao longo do rio Amapari, por indicação de Jaster, e encontrou a mesma escala. “Não faz sentido, elas são desproporcionais”, repetia Bittencourt, procurando enxergar através do teto formado pelas copas. Em quatro dias de trabalho, o grupo registrou mais de 80 árvores desproporcionais, a maioria (56) angelins-vermelhos.

Mais marcante ainda é a discrepância de biomassa – o peso total das árvores – em relação a outras florestas. Enquanto as árvores estudadas pelo projeto AmazonFACE, próximo a Manaus, não costumam passar dos 30 m de altura e 70 centímetros (cm) de diâmetro, as de Tumucumaque com frequência ultrapassam os 70 metros de altura e chegam a 2,5 m de diâmetro. Um galho caído dessas árvores é facilmente confundido com uma enorme árvore tombada.

Na Reserva Florestal Kabili-Sepilok, em Bornéu – onde Bittencourt participa de outro projeto de pesquisa -, as árvores gigantes são equivalentes às do PNMT em estatura, mas não passam de 1,5 m de diâmetro. Sua madeira também é menos densa em relação às amazônicas. “Temos no Amapá, potencialmente, a maior densidade de biomassa dos trópicos”, estima Bittencourt a partir de dados ainda preliminares. Entre as condições por trás do gigantismo parece estar uma certa estabilidade climática, com temperaturas médias entre 23 graus Celsius (°C) e 26 °C e precipitação acima de 2.300 milímetros (mm). Áreas com menor incidência de ventos fortes e raios, que causam danos às árvores, também parecem ser mais propícias. “Nossa região, especialmente o vale do Jari, tem um relevo moderadamente elevado e as áreas com a ocorrência de árvores gigantes geralmente estão protegidas de ventos fortes por grandes colinas”, explica o engenheiro florestal Robson Borges de Lima, da Universidade do Estado do Amapá (Ueap).

Ele já participou de seis expedições desde 2019 ao longo do rio Jari, que delimita a fronteira entre o Amapá e o Pará, registrando as árvores mais altas. A recordista, um angelim-vermelho com 88,5 m, está no Pará. “Subimos o rio por cinco dias até o acampamento final, de onde percorremos 20 km para dentro da floresta”, conta. Lima faz parte de um projeto coordenado pelos engenheiros florestais Diego Armando Silva, do Instituto Federal do Amapá (Ifap), e Eric Gorgens, da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Minas Gerais, com foco nos fatores ecológicos que favorecem a existência de árvores gigantes.

O grupo tinha identificado a árvore recordista, rodeada por outras sete companheiras mais altas que 80 m, por meio de sobrevoos de avião equipado com a tecnologia óptica Lidar (detecção de luz e medida de distância) em quase 900 áreas, cada uma com 375 ha, de acordo com artigo publicado em 2019 na revista científica Frontiers in Ecology and the Environment, de que Gorgens é o primeiro autor. Ela está a 360 km do oceano Atlântico, longe da influência marítima que possibilitaria sua existência segundo o paradigma das árvores de clima temperado. O trabalho é um desdobramento do mapa da biomassa arbórea da Amazônia que resultou de 901 sobrevoos de aviões equipados com Lidar, publicado em setembro na revista Scientific Data pelo agrônomo Jean Ometto, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com Gorgens e outros, e destinado a ser uma referência para pesquisadores.

*Com informações de Uol