Foto: Ricardo Stuckert / PR / Agência Brasil

Em reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) nesta quarta-feira, 23, o Brasil criticou o uso de tarifas como ferramenta de pressão política, alertando que a prática ameaça a soberania nacional. Sem citar nominalmente Donald Trump, o País direcionou as críticas aos recentes aumentos de impostos sobre importações promovidos pelo governo norte-americano.

O embaixador Philip Fox-Drummond Gough, Secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, foi o responsável pelo discurso. Durante sua fala, alertou que negociações como “jogos de poder são um atalho perigoso para a instabilidade e a guerra”.

“Tarifas arbitrárias, anunciadas e implementadas de forma caótica, estão desestruturando as cadeias globais de valor e correm o risco de lançar a economia mundial em uma espiral de preços altos e estagnação”, destacou o embaixador.

Segundo o posicionamento brasileiro, tais medidas representam uma “violação flagrante dos princípios fundamentais da OMC”. O embaixador Gough acrescentou críticas ao uso de tarifas como instrumento de interferência em assuntos internos, indo além das meras questões comerciais.

“Como uma democracia estável, o Brasil tem firmemente enraizados em nossa sociedade princípios como o Estado de Direito, a separação de poderes, o respeito às normas internacionais e a crença na solução pacífica de controvérsias”, acrescentou ele.

Confira o discurso na íntegra:

“Senhor Presidente, Senhora Diretora-Geral, Prezados colegas,

O Brasil sempre foi um defensor engajado e firme do Sistema Multilateral de Comércio.

Oito décadas se passaram desde a criação das Nações Unidas e a construção do sistema GATT/OMC, e neste ano a OMC celebra seu 30º aniversário.

Infelizmente, neste exato momento, estamos testemunhando um ataque sem precedentes ao Sistema Multilateral de Comércio e à credibilidade da OMC.

Tarifas arbitrárias, anunciadas e implementadas de forma caótica, estão desorganizando as cadeias globais de valor e correm o risco de lançar a economia mundial em uma espiral de altos preços e estagnação.

Tais medidas unilaterais constituem uma violação flagrante dos princípios centrais que sustentam a OMC e que são essenciais para o funcionamento do comércio internacional.

Essas medidas levantam questões fundamentais relativas à não discriminação e ao tratamento da nação mais favorecida, e correm o risco de comprometer a coerência jurídica e a previsibilidade do sistema multilateral de comércio.

Elas também desestabilizam o equilíbrio das condições de acesso a mercados negociadas ao longo de várias décadas nos marcos do GATT e da OMC.

Juntamente com as ações deliberadas que resultaram na paralisação do sistema de solução de controvérsias da OMC, essas medidas correm o risco de permitir que o comércio global volte a ser regido por dinâmicas de poder, criando desequilíbrios em detrimento particular dos países em desenvolvimento.

Para além das violações generalizadas das regras do comércio internacional — e ainda mais preocupante —, estamos agora testemunhando uma mudança extremamente perigosa rumo à utilização de tarifas como instrumento de tentativa de interferência nos assuntos internos de terceiros países.

Como uma democracia estável, o Brasil tem profundamente enraizados em sua sociedade princípios como o Estado de Direito, a separação de poderes, o respeito às normas internacionais e a crença na solução pacífica de controvérsias.

Continuaremos a priorizar soluções negociadas e a confiar em boas relações diplomáticas e comerciais. Caso as negociações fracassem, recorreremos a todos os meios legais disponíveis para defender nossa economia e nosso povo — o que inclui o sistema de solução de controvérsias da OMC.

Senhor Presidente, Senhora Diretora-Geral,

Neste momento de séria instabilidade, é imperativo que todos trabalhemos juntos em apoio a um Sistema Multilateral de Comércio baseado em regras.

É essencial que a OMC recupere seu papel como espaço onde todos os países possam resolver controvérsias e afirmar interesses legítimos por meio do diálogo e da negociação.

Como afirmou o Presidente Lula em um artigo recente:

“Há uma necessidade urgente de retomar o compromisso com a diplomacia e reconstruir os alicerces de um verdadeiro multilateralismo — capaz de responder ao clamor de uma humanidade temerosa por seu futuro. Só assim poderemos deixar de assistir passivamente ao avanço da desigualdade, ao absurdo das guerras e à destruição do nosso próprio planeta.”

O fracasso em encontrar um caminho que nos leve adiante apenas promoverá uma espiral negativa de medidas e contramedidas que nos tornará mais pobres e mais distantes dos objetivos de prosperidade e desenvolvimento sustentável.

O Brasil estar prontos para começar a trabalhar em uma reforma estrutural e abrangente da OMC. Devemos ir além de atualizações incrementais, para que a Organização possa enfrentar os desafios do presente.

Todos devemos nos engajar nesses esforços. As maiores economias, que mais se beneficiaram do sistema de comércio, devem liderar pelo exemplo e tomar ações firmes contra a proliferação de medidas comerciais unilaterais. As economias em desenvolvimento, que são as mais vulneráveis a atos de coerção comercial, devem se unir em defesa do sistema multilateral de comércio baseado em regras.

Negociações baseadas em jogos de poder são um atalho perigoso para a instabilidade e a guerra. Diante da ameaça de fragmentação, a defesa consistente do multilateralismo é o caminho a seguir.

Ainda temos tempo para salvar o Sistema Multilateral de Comércio. O Brasil continua disposto a discutir e cooperar com esse objetivo.”

*Com informações de Terra