O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo)

Sete anos após ser apeado da Presidência por um impeachment, o PT volta hoje ao Palácio do Planalto disposto a dividir o poder com um número inédito de aliados em busca de governabilidade. Para isso, entregou quase metade dos ministérios — 16 dos 37 — para nomes de outros partidos. Nos dois discursos preparados para a cerimônia de posse — um no Congresso e outro na área externa do Planalto —, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva pretende reforçar a necessidade de a sociedade brasileira superar o ódio que tem marcado as discussões políticas como forma de preservar a democracia. O petista terá como desafio governar uma nação dividida, sob a sombra de uma direita fortalecida pelo bolsonarismo.

A fala do Congresso será mais solene, com a defesa da harmonia entre os Poderes, do respeito às instituições, da soberania nacional e da necessidade de resgatar o prestígio do Brasil no exterior. O texto preparado para o parlatório, por sua vez, terá tom emocional. Um dos compromissos que o presidente assumirá será o de tirar o Brasil do mapa da fome. Também vai tratar do desmatamento da Amazônia, dirá que seu antecessor, Jair Bolsonaro, deixou para trás um cenário de deterioração da máquina pública, e citará ainda o risco das fake news para o processo democrático. Enquanto em 2003, quando assumiu o cargo pela primeira vez, a palavra central era “mudança”, agora será “reconstrução”.

“Novos desafios”

A redação final dos discursos foi feita pelo escritor José Rezende Jr, responsável pelos principais pronunciamentos do petista na campanha eleitoral. Mas aliados não descartam que Lula decida falar de improviso no parlatório do Planalto, quando estará frente a frente com uma multidão de apoiadores que viajou a Brasília para presenciá-lo vestindo a faixa presidencial pela terceira vez.

“O Brasil mudou muito. São novos desafios, a situação está bem diferente. É um governo de frente ampla. Um sinal bom para o Brasil, até para restabelecer a paz. Restabelecer a normalidade do país, os direitos. Se fizer isso, já está bom”, afirmou ao GLOBO o vice-presidente do PT, deputado federal José Guimarães (CE), escolhido por Lula para ser o líder do novo governo na Câmara.

A estratégia de formar uma frente ampla fez com que Lula abrisse espaço no governo para nove partidos, que juntos reúnem 51% da Câmara dos Deputados e 55% do Senado. Até mesmo o União Brasil, partido que tem em sua origem o PFL, sigla por anos símbolo da direita e opositora do PT nos primeiros mandatos, terá representantes no primeiro escalão.

Patamar de apoio

Em 2003, Lula tinha um patamar de apoio parecido com o atual — reunia partidos que representavam 48,5% das cadeiras na Câmara. Passou para 70% em 2007, quando foi reeleito. Agora, busca o diálogo inclusive com parlamentares que fizeram parte da base do presidente Jair Bolsonaro para poder governar sem os percalços de gestões anteriores do PT.

“É sintomático que o “PFL” esteja compondo um governo que foi eleito em oposição à ala mais radical da direita”, diz Ricardo Musse, professor do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo (USP), para quem é possível encontrar paralelos do atual momento do país com a transição do regime militar, em função da necessidade de reconstruir políticas públicas: — Houve um desmonte do modelo que, bem ou mal, tanto o PSDB quanto o PT desenvolveram enquanto estavam no poder, com busca de crescimento econômico aliado à justiça social. Embora os mecanismos (usados pelos dois partidos) fossem diferentes, os caminhos eram comuns.

Ministro de Lula nos dois governos anteriores, Tarso Genro, ex-governador do Rio Grande do Sul, traz à tona outro momento do processo histórico brasileiro ao analisar 2022. Assim como o petista agora, Getulio Vargas assumiu a Presidência da República pela terceira vez em 1951, ancorado na imagem de “pai dos pobres” — personificação que resistiu a um regime ditatorial, o Estado Novo, e à perseguição de adversários. Para Tarso Genro, ambos os líderes carregam traços em comum.

“Eles despertam no imaginário popular um sentido de reerguimento da nação e do processo democrático. Acho que o Lula, pela postura que teve dentro do cárcere, foi valorizado pela maioria da sociedade brasileira”, diz o ex-ministro.

Aos 77 anos, Lula, porém, afirma não pretender colocar esse capital político novamente à prova em uma tentativa de reeleição daqui a quatro anos. O compromisso, firmado ainda na campanha, abriu a corrida pela sua sucessão em 2026 e deve dar o tom das disputas internas do novo governo, que abrigará ao menos quatro potenciais candidatos: os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil) e Simone Tebet (Planejamento), além do vice-presidente, Geraldo Alckmin.

Com informações de O Globo