Um ano após a emergência de saúde na Terra Indígena Yanomami, no norte do país, a malária continua entre as principais causas de internações e mortes na região. “As crianças voltaram a adoecer”, afirma Junior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Yanomami, que desde setembro denuncia novas invasões de garimpeiros.
“Quase todas as comunidades do território têm malária hoje”, acrescenta a liderança.
Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, mostram que a operação do Governo Federal não conteve a doença no território. Em 2023, foram 25 óbitos, contra 21 do ano anterior, o que representa alta de 19%.
As notificações da doença também cresceram. Segundo dados preliminares do sistema Sivep-Malária, o DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena) Yanomami registrou 25.895 casos de malária em 2023, o que representa 20% do total no país. O patamar é recorde, e indica alta de 64% em comparação com o ano anterior (15.284 casos).
Segundo o ministério, agentes de controle de endemia foram enviados à região para busca ativa de pacientes, e mais de 140 mil exames para diagnóstico foram realizados no ano passado. A pasta diz ainda que elaborou um plano de ação para controle da doença a partir da identificação de criadouros do mosquito vetor e de áreas prioritárias para tratamento de doentes.
Causada por um parasita e transmitida a humanos pela picada de mosquitos, a malária é endêmica em toda a região amazônica, mas na última década teve crescimento acentuado no DSEI Yanomami –período que coincidiu com o alastramento do garimpo ilegal pela região.
“Os garimpeiros, quando invadem floresta, alteram o ambiente pela mineração a céu aberto, escavando buracos e bancos em toda a paisagem, o que produz uma multiplicidade de criadouros de mosquitos”, explica Maria de Fátima Ferreira da Cruz, chefe-adjunta do Laboratório de Pesquisa em Malária da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que coordena estudo sobre o tema.
Segundo a pesquisadora, toda vez que se instala em um novo ponto, o garimpo cria um núcleo de transmissão da doença, atingindo diretamente as aldeias do entorno. A alta mobilidade dos garimpeiros também é apontada como fator que perpetua o ciclo da malária. “Se ele estiver infectado e for para outra área, vai disseminar a doença”, afirma Cruz.
As autoridades atribuem o aumento no número de casos à falta de testagem e busca ativa no território durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL) no governo federal, o que teria resultado em subnotificação.
Antes de registrar quedas em 2021 e 2022, porém, as notificações da doença no território cresciam continuamente desde 2014. Em comparação com aquele ano, o dado mais recente representa alta de 784%. Já em relação a 2019, antes da pandemia, o aumento foi de 57%. Lançado em 2015, o Plano Nacional de Eliminação da Malária busca erradicar a doença no país até 2035.
A pesquisadora da Fiocruz alerta ainda para o crescimento da malária causada pela espécie falciparum, que causa a doença em sua forma mais grave, capaz de provocar a morte. Na contramão do Brasil, o parasita é responsável pelos casos em alta no território yanomami e hoje corresponde a 3 de cada 10 notificações, enquanto a média nacional é de 1,6.
“Este é um sinal de que as equipes de saúde não fizeram vigilância ativa, diagnóstico e tratamento como deveriam, que é o que bloqueia a cadeia de transmissão da doença”, afirma o médico Paulo César Basta, pesquisador da ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública) da Fiocruz. “A falciparum tem um tratamento mais rápido, e o crescimento de casos é indicador de que a saúde não está cumprindo seu papel.”
O pesquisador, que desde 1998 atua com os yanomamis, atribui a escalada da doença à desestruturação de serviços durante o governo Bolsonaro. “O DSEI Yanomami foi praticamente sabotado, com muitas trocas de gestão e denúncias de desvio de recursos”.
Para Basta, as ações do governo Lula (PT) no primeiro semestre do ano passado foram importantes, mas não trouxeram solução perene ao problema de saúde indígena. “Vidas foram salvas e o governo cumpriu seu papel nas ações emergenciais, com atendimentos médicos e remoção de pacientes com quadros mais graves. Mas as ações foram descontinuadas no segundo semestre, houve uma certa desmobilização”, diz Basta.
