Detalhe de foto indigena yanomami feita por Geroge Love em 1974 - Foto: George Love / Divulgação

Uma imensa imagem aérea do rio Negro abre a mostra de George Love no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM. A floresta amazônica era uma das obsessões do fotógrafo —ele dizia gostar de registrar a imensidão verde a partir de um avião que planava baixo, sentindo o vento no rosto.

Durante a vida, Love, um americano que fez carreira no Brasil, visitou o bioma diversas vezes. Suas expedições resultaram em reportagens fotográficas, livros e exposições. Agora, uma parte extensa deste material será exibida ao público na mostra “George Love: Além do Tempo”, em cartaz a partir desta sexta-feira (1º) no MAM.

Organizada pelo seu amigo próximo e galerista Zé De Boni, que herdou o acervo de milhares de itens do fotógrafo, esta é a primeira grande exposição sobre o trabalho de Love desde sua morte, em 1995.

Na maior sala expositiva do museu estão mais de 500 fotografias —entre originais de época e reproduções recentes feitas em laboratório a partir dos negativos do artista—, dezenas de documentos —como convites de exposições e cartas— e revistas com as reportagens fotográficas assinadas por Love. Há também uma entrevista de 40 minutos com ele, gravada em vídeo em 1993 e só agora exibida, na qual ouvimos o sotaque do fotógrafo, que lembra o português de Portugal.

Como era de se esperar, a ênfase da exposição é o trabalho de Love com a Amazônia —são vários núcleos sobre o tema. Ele chegou no Brasil no final dos anos 1960 a convite de Claudia Andujar, com quem foi casado e se embrenhou na floresta. A dupla funcionava como yin e yang —ele registrava mais as paisagens, e ela, os indígenas. O trabalho dos dois gerou “Amazônia”, um dos principais livros de fotografia publicados no país.

Ainda assim, os retratos que Love fez dos indígenas xikrin e, mais tarde, dos yanomamis, são algumas das imagens mais impressionantes da mostra, por exemplificarem sua estética de cores carregadas e muito contraste. Numa das fotos finais da exposição, vemos um indígena dentro de um rio azul celeste sob uma árvore de folhas vermelhas, como se ardesse.

Organizador da mostra, Boni diz que Love “tinha a consciência de que a Amazônia estava em transformação e em vias de se perder”, mas que ele não via seu trabalho como panfletário nem como documentação. “Ele era um ativista da percepção visual, da fotografia.”

Boni usa a expressão “delírio visual” para descrever as imagens da floresta, mas este qualificador se aplica a praticamente toda a carreira do artista. Love levava a fotografia analógica ao limite, fotografando com diferentes câmeras e vários tipos de negativo e cromo, uma película que mostra as cores reais e, por isso, é usada como slide em projeções.

Na hora da revelação, Love pedia ao laboratorista que alterasse a exposição do filme à luz ou os processos químicos tradicionais para obter tons de cor saturadíssimos ou, ao contrário, um preto e branco fantasmagórico, que lembra uma imagem de raio-x, como por exemplo nos registros de encanamentos industriais que estão na exposição.

“Ele queria quebrar a ideia que a fotografia era uma mera representação do assunto”, afirma Boni, acrescentando que não gosta de chamar de experimental o trabalho do artista. “Era mais experiência do que experimento. Ele sabia o que ia sair, não estava arriscando.”

George Leary Love nasceu em Charlotte, na Carolina do Norte, em 1937. Embora fosse negro e tenha se envolvido com uma organização de estudantes que protestava contra a segregação étnico-racial nos Estados Unidos, questões de raça apareceram pouquíssimo em seu trabalho. A exposição mostra dois destes momentos —retratos que ele fez do Harlem, em Nova York, logo depois de descobrir sua paixão pela fotografia, e um painel de fotos dos ativistas dos Panteras Negras.

Foi em São Paulo, contudo, onde morou entre as décadas de 1960 e 1980, que Love executou o grosso de sua obra. Ele registrou de tudo, com uma curiosidade insaciável pelo mundo —jogos da seleção brasileira, desfiles da Paco Rabanne, a hidrelétrica de Itaipu, eventos corporativos da máquina de escrever Olivetti, o cotidiano paulistano—, enquanto trabalhava para revistas e fotografava para empresas. Em paralelo, coordenou o setor de fotografia no Masp, o Museu de Arte de São Paulo.

A retrospectiva no MAM, fruto de um trabalho que começou antes da pandemia e incluiu o restauro de imagens do artista, dá um panorama cronológico detalhado da carreira deste pioneiro da fotografia contemporânea no Brasil. Mas os 20 núcleos da mostra e suas mais de 500 fotos são um pouco repetitivos, e, a partir de certo ponto do percurso expositivo, as pirações visuais parecem interessar mais aos amantes da linguagem fotográfica.

Uma mostra mais enxuta não prejudicaria o entendimento da obra do artista e já daria conta do impacto visual de sua obra e abrangência de assuntos.

Afora isso, a expografia de Pedro Mendes da Rocha merece um comentário. Ele organizou as vitrines e painéis expositivos como um grande eixo, de uma ponta a outra do museu, com aberturas nas laterais, como se fossem portas, que deixam entrever o restaurante do MAM e o parque Ibirapuera através das vidraças. Não é uma mostra do tipo caixa fechada.

No centro do eixo, pendentes do teto, quatro lâminas de acetato nas cores ciano, magenta, amarelo e preto formam o rosto de Love, que muda de tonalidade dependendo de onde o visitante o observa. A presença do homenageado paira sobre a exposição.

*Com informações de Folha de São Paulo