O garimpo ilegal cresceu 54% na Terra Indígena Yanomami no último ano do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Uma pesquisa realizada pelo ISA (Instituto Socioambiental) em parceria com a HAY (Hutukara Associação Yanomami) aponta que 1.782 novos hectares foram destruídos entre dezembro de 2021 e dezembro de 2022.
O aumento, segundo pesquisadores, tem relação com a consolidação e a abertura de novas áreas durante a gestão de Bolsonaro.
O monitoramento aponta ainda um crescimento acumulado de 309% do desmatamento causado pelo garimpo entre outubro de 2018 e dezembro de 2022.
Nesse período, foram mais de 3.817 hectares destruídos na maior terra indígena do país, localizada nos estados de Roraima e do Amazonas, atingindo um total de 5.053 hectares. Embora os dados indiquem uma tendência de crescimento, é possível observar uma intensificação da destruição de hectares a partir de agosto do ano passado.
Na avaliação de pesquisadores que participaram da elaboração do documento —e foram consultados pela reportagem—, se Bolsonaro ganhasse as eleições havia a expectativa por parte dos garimpeiros de um aprofundamento da exploração ou da regularização da atividade. Isso gerou uma espécie de “corrida pelo garimpo”.
Com a vitória de Lula e a promessa de maior fiscalização na região, haveria uma tendência de “partir para o tudo ou nada”. Os financiadores do garimpo ilegal teriam de aproveitar os últimos meses do governo para gerar o maior lucro possível para, segundo uma fonte ouvida pela reportagem, “aproveitar o capital aplicado no maquinário e na cadeia logística.”
“Desde que Lula foi eleito, o primeiro discurso dele foi de sinalizar o interesse em combater o garimpo ilegal em terras indígenas. Apesar disso, o território yanomami continuou bastante desprotegido. Então, é como se estivessem aproveitando os últimos momentos antes que a farra acabasse”, afirma o antropólogo Marcelo Moura Silva.
O monitoramento mostra que as maiores áreas de destruição estão nos rios Uraricoera, no norte da terra indígena, e no rio Mucajaí, na região central.
• A região de Waikás, nas margens do Uraricoera, concentra 40% do impacto, com cerca de 2.000 hectares devastados.
• Um afluente do rio Mucajaí, o rio Couto Magalhães, tem 20% do impacto com mil hectares devastados.
• A região de Homoxi, também no Mucajaí, é a 3ª mais afetada com 15% de destruição, o que equivale a 760 hectares.
Mais custoso e sofisticado
A extração ilegal do ouro em território yanomami sempre foi uma atividade custosa. Isso porque, segundo o antropólogo Marcelo Moura Silva, que pesquisa o povo yanomami desde 2018, o acesso à região é muito limitado.
“São áreas distantes em que a chegada do maquinário, o transporte e a alimentação dos trabalhadores é dificultada pelas condições geográficas. Por conta disso, o tráfego aéreo é muito intenso e o transporte de avião custa cerca de R$ 10 mil”, relata Marcelo.
Entidades que atuam na região afirmam que foi possível perceber um investimento maior na logística do garimpo ilegal em 2022. Exemplo disso foi uma estrada clandestina de 150 quilômetros cortando a região para facilitar o transporte. Havia um plano de acesso para reduzir custos logísticos, segundo fontes locais.
Outros relatos indicam que houve também uma intensificação nas vendas de lojas que dizem vender material agrícola, mas, na verdade, comercializam equipamentos como bombas de irrigação e geradores para o garimpo.
Como acabar com o garimpo ilegal
Em meio à crise humanitária, o presidente Lula anunciou ontem as primeiras medidas para interromper a atividade garimpeira na terra indígena. Além da interrupção do tráfego aéreo e fluvial de garimpeiros nessa área em Roraíma, Silva afirma que mais ações são fundamentais para reverter o cenário.
• Investigar e responsabilizar quem financia: “Em outras regiões de Roraima, há garimpos legalizados que podem ser vias de escoamento da exploração ilegal da terra yanomami”, diz. “Não tem uma fiscalização do Estado sobre as vendas de ouros. Esse buraco facilita a lavagem do ouro.”
• Expulsão de garimpeiros da região: Para interromper a exploração na região, é necessária uma ação multissetorial que envolva o Exército, o Ibama, a Funai e o Ministério da Saúde. “Na década de 1990, houve uma operação de desintrusão, que começa a estrangular a estrutura do garimpo, com monitoramento e controle do espaço aéreo e fluvial”, diz o antropólogo.
• Reativação das bases da Funai e do Ibama: A atuação desses órgãos com as polícias é considerada fundamental para a retirada dos garimpeiros. As ações devem envolver, diz Silva, aeronaves e helicóptero para reestabelecer as condições de pouso nas áreas yanomami e nas regiões de fronteira.
• Desmantelar a estrutura logística e de abastecimento: “As ações [de anos anteriores] não contaram com a ampla participação do Exército para garantir a retirada permanente dos garimpeiros e a apreensão de maquinário”, afirma.
• Monitoramento de políticos: Com o apoio político e a sofisticação da indústria do garimpo, o pesquisador avalia que aumentou o número de figuras públicas interessadas em lucrar com a prática. “Agora começamos e enxergar a perversidade política que produziu esse contexto.”
O que diz o governo federal
Questionada pela reportagem sobre as ações emergenciais que serão adotadas para erradicar o garimpo ilegal na região, a Presidência da República informou que o governo federal instituiu, na segunda-feira (30), um grupo de trabalho para propor medidas de combate ao crime organizado em terras indígenas.
A presidência informou que, após a formação do colegiado, o grupo terá 60 dias para a conclusão dos trabalhos.
Com informações do Uol