O número de vítimas chegou a 699 no período. (Foto: Shutterstock)

O número de feminicídios registrado no primeiro semestre deste ano no País é 10,8% maior em relação ao mesmo período de 2019, que não sofreu interferência das dinâmicas impostas pela pandemia de covid-19. Em média, quatro mulheres foram assassinadas por dia entre janeiro e junho, totalizando 699 vítimas (3,2% a mais do que o dado do ano passado).

Os dados fazem parte de um estudo realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que reuniu as estatísticas criminais sobre violência de gênero e intrafamiliar dos primeiros semestres dos últimos quatro anos. Os números evoluíram de 631 feminicídios em 2019 para 664 em 2020, 677 em 2021 e 699 em 2022.

A pesquisa também coletou dados sobre estupro, que apontaram 29.285 vítimas desse tipo de crime nos primeiros seis meses do ano. Desse total, 74,7% foram cometidos contra vulneráveis, vítimas incapazes de consentir com o ato sexual (crianças ou adolescentes, mulheres com deficiência mental ou sem condições físicas de resistir ao ataque).

No acumulado de quatro anos, considerando apenas os primeiros semestres, 112 mil mulheres foram estupradas no País.

De acordo com Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum, os dados mostram relação entre o aumento da violência contra a mulher e a redução dos investimentos em políticas públicas de combate a esses crimes.

“É importante observar que o aumento de 10,8% nos feminicídios contrasta com uma série de outros crimes, como os homicídios em geral, que caem ano a ano desde 2018?, afirmou. Para ela, está clara a necessidade de o novo governo apresentar alternativas para prevenção e enfrentamento à violência de gênero.

Desde 2015, a lei brasileira prevê penalidades mais graves para homicídios definidos como feminicídios, ou seja, que envolvem violência doméstica e familiar ou menosprezo à condição de mulher.

Os casos mais comuns são os de namorados, maridos ou companheiros que não aceitam a separação. “Infelizmente, tudo aponta para um crescimento da violência letal contra meninas e mulheres em decorrência do seu sexo, da sua condição de gênero. Se mantida a tendência de janeiro a junho deste ano, podemos ter um novo recorde de feminicídios quando fechar o ano de 2022”, afirmou Samira.

Por região, as maiores altas em feminicídios nos últimos quatro anos aconteceram no Norte (75%), Centro-Oeste (8,6%) e Nordeste (1%). Apenas a região Sul teve queda de 1,7%.

Por Estado, as maiores elevações foram em Rondônia (225%), Tocantins (233,3%) e Amapá (200%). Outros 13 Estados tiveram aumento de casos, enquanto 11 apresentaram redução, as maiores delas em Roraima (-50%), Distrito Federal (-42,9%) e Rio Grande do Norte (-35,7%).

Estupros

Os dados coletados pelo Fórum apontam que os registros de casos de estupro, sobretudo de vulneráveis, estão em alta e já atingem os patamares de antes da pandemia de covid-19.

As medidas sanitárias adotadas no auge dos surtos da doença fizeram o registro de casos cair de 29.814 no primeiro semestre de 2019 para 25.169 estupros no mesmo período do ano seguinte. O número voltou a subir já em 2021, com 28.035 registros, e em 2022, com 29.285 casos.

O estudo aponta as variações dos casos de estupros nos Estados. Em quatro anos, houve aumento em 15 unidades da federação, com queda em 12.

Na comparação do primeiro semestre de 2021 e de 2022, houve aumentos mais relevantes nos casos de estupro na Paraíba, com variação de 110,3%, em Roraima, com aumento de 51,4%, e no Espírito Santo, onde variou 34,9% no período.

O levantamento destaca as quedas de 36,4% em Santa Catarina, de 19,7% no Mato Grosso do Sul e de 16,2% em Alagoas.

Para Isabela Sobral, supervisora do Núcleo de Dados do Fórum, a pandemia levou a um aumento na subnotificação desse crime, que exige necessariamente exame de corpo de delito nas vítimas.

“Durante o período mais intenso de isolamento social, a diminuição do acesso às delegacias e demais serviços de denúncia e proteção impactou negativamente no acesso às vítimas para o registro. Como agravante, foi limitado o acesso às instituições escolares, as quais tem papel fundamental na denúncia e no mapeamento de possíveis riscos que as crianças estão vivendo, principais vítimas da violência sexual no Brasil”, explicou.

Menos recursos

O estudo apontou que, apesar do crescimento constante dos registros de feminicídios, os recursos investidos pelo governo federal para o enfrentamento dessa violência contra a mulher têm diminuído drasticamente.

Em 2022, apenas R$5 milhões foram destinados ao enfrentamento da violência contra mulheres, o menor repasse de recursos dos últimos quatro anos, conforme nota técnica produzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Outros R$8,6 milhões foram destinados à Casa da Mulher Brasileira.

Para a diretora executiva do Fórum, o novo governo tem o desafio de implementar uma série de instrumentos criados nos últimos anos para o enfrentamento da violência de gênero, mas que nunca saíram do papel, como o Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, o Plano Nacional de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher na Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e a Política Nacional de Dados e Informações relacionadas à violência contra as mulheres.

“O governo federal historicamente teve um papel importante no enfrentamento à violência contra a mulher e à desigualdade de gênero. É um tema que precisa ser enfrentado por diferentes pastas”, disse.

A reportagem enviou cópia do estudo ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, pedindo manifestação da pasta a respeito dos dados e ainda aguarda o retorno.

*Com Estadão Conteúdo