Liderança cobra soluções do governo federal que garantam a segurança da região de forma permanente
Em meio a uma crise sanitária, social e ambiental que prendeu a atenção de todo o país, o rosto de Junior Hekurari Yanomami ficou conhecido muito além das fronteiras do lugar onde cresceu. Ele era uma das pessoas que apareciam no noticiário ao final de janeiro, denunciando a tragédia que o garimpo ilegal e a falta de assistência do Estado provocaram na Terra Indígena Yanomami.
As centenas de mortes por desnutrição e malária, a contaminação pelo mercúrio da extração ilegal de ouro, o aumento da violência e a destruição da floresta foram alguns dos impactos da presença de milhares de invasores na região.
A situação levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), recém-empossado, a decretar estado de emergência em saúde pública na TI (terra indígena). Como resultado, foram montadas operações para atender aos doentes e fazer a desintrusão do território.
Nove meses depois, no entanto, Junior conta que os invasores estão voltando. “Estamos com medo de novo, que retorne a mesma situação e mais mortes nas comunidades”, afirma à Folha. “Muitos garimpeiros estão retornando.”
Ele relata que, há cerca de dois meses, a presença das forças de segurança na região da terra indígena localizada em Roraima e Amazonas diminuiu significativamente.
“A gente percebeu que parou a operação de retirada dos garimpeiros. Então, eles estão aproveitando esse silêncio”, diz. “A gente não tem informações de quando o governo vai começar a retirar de novo esses invasores que entraram nas comunidades.”
As operações para desestruturar o garimpo na região foram conduzidas ao longo do ano por diversos órgãos, como Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis), Polícia Federal e Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
Segundo balanço divulgado em agosto pelo MPI (Ministério dos Povos Indígenas), em seis meses 199 pessoas foram presas por ligação com o garimpo na terra Yanomami. O mesmo documento afirma que houve redução de 95% na presença da atividade no território –estimava-se, antes do início das operações, que havia cerca de 20 mil invasores na TI.
Junior afirma que as duas bases da Funai que existem no território não são suficientes para intimidar os criminosos e garantir a segurança de quem vive ali.
“Os garimpeiros não respeitam”, afirma, contando que muitas vezes os indígenas são ameaçados com armas de fogo. “Eles apontam armas para as lideranças. Essas ameaças são muito constantes, então as comunidades sentem muito medo.”
Ele, que é presidente do Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Ye’kuana, é uma dessas lideranças ameaçadas. “Quando eu estou na cidade, em Boa Vista, eu sou escoltado 24 horas [pela polícia]. Grandes garimpeiros me mandam mensagens, recados [dizendo] que estão me procurando”, conta.
“Os garimpeiros estão muito próximos da comunidade. Então, a gente está falando de, mais ou menos, 200 metros da comunidade, onde as principais águas estão de novo se envenenando [com o mercúrio usado no garimpo], colocando em risco as comunidades”, afirma.
Ainda de acordo com o relatório do MPI, além das ações relacionadas ao combate ao crime, foram realizados mais de 30 mil atendimentos de saúde e mais de 12 toneladas de alimentos foram entregues. Essas ações emergenciais no primeiro semestre, de acordo com Junior, foram muito eficientes.
“Médicos vieram de longe para atender os yanomamis. Melhorou bastante, salvou muitas crianças”, lembra, acrescentando que teme o retorno de uma crise com a partida de profissionais de saúde que estavam temporariamente alocados na região.
Junior agora espera que o decreto de emergência sanitária instituído pelo governo Lula, ainda ativo, motive novas ações necessárias na terra Yanomami.
“A gente quer que o governo crie a base da Funai junto com [as forças de] segurança, com policiais e [agentes do] Ibama para poder atuar permanentemente, fiscalizar. Se não tiver essa unidade apoiando a segurança, os garimpeiros vão entrar de novo”, adverte.
Ele é categórico ao afirmar que, sem medidas perenes, não há como solucionar os problemas que levaram o território yanomami a uma crise tão aguda. “O Estado brasileiro tem que criar um plano permanente, não um plano provisório. Não somos provisórios”, diz.
A liderança ressalta ainda que a situação tem raízes profundas e se agravou muito durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Eu cresci brincando com outras crianças, indo para o rio, indo para a cachoeira nas comunidades.” Em contraste, diz, aqueles que nasceram nos últimos anos não tiveram essa mesma infância.
“Em 2022, eu vi muitas crianças que não ficavam em pé. Uma criança que tinha cinco anos e não ficava em pé. Só osso e pele. O que aconteceu foi uma omissão do Estado brasileiro”, diz.
“O próprio governo [Bolsonaro] não respeitou os direitos dos povos indígenas. Então, precisamos de segurança que garanta o bem-viver nas comunidades. Criando bases, criando unidades básicas de saúde, colocando mais recursos para atendimento de saúde, contratando mais médicos. É assim que a gente vai sobreviver.”
Com informações da Folha de S.Paulo