Pesquisadores brasileiros descobriram duas novas espécies dos chamados peixes das nuvens que vivem na caatinga do Rio Grande do Norte e do Ceará — ambas já ameaçadas de extinção. A descoberta foi descrita na revista científica Zootaxa
Por que peixes das nuvens?
Eles são espécies que se reproduzem apenas em poças de chuvas e em uma determinada época do ano. Eles ficaram conhecidos como peixe das nuvens porque, no imaginário popular, imaginava-se que esses organismos caiam do céu.
“Acreditava-se que eles caiam das nuvens porque aparecem somente durante o período chuvoso, nos locais isolados onde antes tudo estava completamente seco. Então as pessoas acreditavam que eles poderiam estar caindo junto com a chuva das nuvens e assim os batizaram.” afirmou Yuri Abrantes, biólogo, pesquisador da UFRN e autor principal do artigo.
Além de Yuri, assinam o artigo Telton Pedro Anselmo Ramos, Diego de Medeiros Bento e Sérgio Maia Queiroz Lima.
Na ciência, em vez de “das nuvens”, eles são chamados de peixes anuais ou “killifishes”, em inglês. Em geral, diz Abrantes, o habitat deles está situado próximo aos rios. “Como durante as chuvas os níveis dos rios aumentam, a água chega a diferentes regiões da várzea do rio”, explica.
Uma espécie não, três espécies
A pesquisa demonstrou que, em vez de uma única espécie (a Hypsolebias antenori), amplamente distribuída no Ceará e Rio Grande do Norte), na verdade são três espécies diferentes, divididas por regiões:
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Hypsolebias antenori – já conhecida e que agora está restrita à bacia do rio Jaguaribe (CE). Os últimos registros desse tipo de peixe datam de 1950, no no Ceará, e de 1970, no Rio Grande do Norte;
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Hypsolebias gongobira – espécie nova que ocorre na bacia do rio Pacoti (CE);
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Hypsolebias bonita – outra espécie nova que ocorre na bacia do rio Apodi-Mossoró e arredores (RN).
Os nomes das novas espécies são em homenagem à cangaceira Maria Bonita e a Nkisi Gongobira, divindade da sensualidade, riqueza, fartura, pesca e caça no candomblé.
“Os principais avanços científicos com essa descoberta estão no contexto da conservação. Estamos aumentando o número de espécies de um grupo ameaçado numa região da Caatinga que durante muito tempo foi subamostrada.” disse Yuri Abrantes.
No Brasil existem mais de 150 espécies de peixes das nuvens, sendo 57 catalogadas dentro do gênero Hypsolebias, incluindo as duas novas.
O peixe deixa seus ovos, que ficam em terra quando as poças secam. “Logo após reproduzirem, os peixes depositam os ovos no substrato da poça, onde irão permanecer guardados durante todo o período de seca, aguardando a próxima estação chuvosa para eclodir, se desenvolver e dar continuidade ao ciclo de vida”, diz.
Uma das vantagens desse ciclo de vida é que outros animais podem “transportar” alguns desses ovos, os levando para outros locais.
“É possível que as aves também possam realizar a dispersão desses peixes, uma vez que seus ovos possuem estruturas adesivas que podem aderir na pata das aves nos momentos em que elas buscam itens alimentares dentro da poça.” disse Yuri Abrantes.
Uma novidade que as pesquisas recentes mostraram é que os ovos desses peixes podem resistir até 30 horas dentro do estômago das aves. “Isso também sugere a possibilidade de dispersão”, completa.
Ameaçados de extinção
Segundo o pesquisador, a maioria das espécies de peixes das nuvens no Brasil está na lista vermelha, de espécies ameaçadas de extinção.
Ele ressalta que se trata de organismos que apresentam distribuição geográfica restrita a ambientes temporários -que cada vez estão mais ocupados pelo homem.
“O fato de viverem e reproduzirem somente em poças de chuvas em uma época do ano, junto com o desconhecimento sobre esse ciclo de vida, colocam os peixes das nuvens numa verdadeira corrida contra a extinção.” afirmou Yuri Abrantes.
Abrantes explica que os principais fatores antrópicos que promovem a perda de habitats dos peixes são:
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expansão urbana;
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desmatamento para plantações agrícolas;
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duplicação de rodovias;
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mineração.