A última segunda-feira, 3 de julho, foi o dia mais quente já registrado no planeta, de acordo com dados do Centro Nacional de Previsão Ambiental dos Estados Unidos, ligado à Administração Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês).
A temperatura média global atingiu 17,01°C, superando o recorde anterior, de agosto de 2016, quando foram registrados 16,92°C.
O marco acontece poucas semanas depois do início do verão no hemisfério Norte e da chegada do El Niño, fenômeno caracterizado pelo aumento da temperatura no oceano Pacífico, perto da linha do Equador.
“A ciência tem alertado há décadas que esse momento iria chegar e ele chegou”, afirma o físico Paulo Artaxo, professor da USP e um dos membros do IPCC, o Painel Internacional para Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas.
Ele destaca que as mudanças climáticas são um problema do presente, que estão mais fortes até mesmo do que as previsões mais pessimistas apontavam e já trazem prejuízos enormes. “Mesmo assim, os governos e as indústrias, particularmente a do petróleo, não implementam medidas de redução de emissões de gases de efeito estufa”, diz.
Calor extremo
O sul dos Estados Unidos tem sofrido nas últimas semanas com um domo de calor, nome dado ao fenômeno que ocorre quando a atmosfera retém o ar quente e forma uma espécie de tampa em uma determinada região.
Na China, uma onda de calor persistente tem levado a temperaturas acima de 35°C, e o norte da África tem registrado quase 50°C.
Até mesmo a Antártida, no inverno, registrou temperaturas anormalmente altas neste ano. A base de pesquisa Vernadsky, da Ucrânia, nas ilhas Argentinas, recentemente quebrou seu recorde de temperatura em julho, com 8,7°C.
“Este não é um marco que devemos comemorar”, disse a cientista climática Friederike Otto, do Instituto Grantham para Mudanças Climáticas e Meio Ambiente do Imperial College London, do Reino Unido. “É uma sentença de morte para pessoas e ecossistemas.”
No último dia 15, o serviço de observação europeu Copernicus apontou que o começo de junho foi o mais quente já registrado e que o recorde foi superado por uma “margem substancial”. O índice foi precedido por um mês de maio em que a temperatura da superfície oceânica também foi recorde.
Artaxo explica que índices como esses podem apontar para uma estação ainda mais quente. “O alerta sobre o mês de junho ter sido o mais quente de toda a série temporal mostra uma tendência de médio e de longo prazo”, afirma. “Muito provavelmente o verão no hemisfério norte vai ser mais quente do que o esperado”.
O cientista acrescenta que isso deve acender um alerta também para o Brasil.
“O Brasil tem uma vulnerabilidade muito grande para as mudanças climáticas, particularmente por ser situado em uma região tropical —ou seja, já está nas áreas mais quentes do planeta. Uma coisa é aumentar 3°C ou 4°C [na média de temperatura] no Brasil e outra 3°C ou 4°C na Suécia. A nossa vulnerabilidade é muito maior”, diz, fazendo referência aos cenários de aquecimento mais acentuado traçados pelo IPCC.
Para Zeke Hausfather, cientista da ONG Berkeley Earth, “infelizmente, isso promete ser apenas o primeiro de uma série de novos recordes estabelecidos este ano, à medida que as emissões crescentes de dióxido de carbono e gases de efeito estufa, juntamente com um evento El Niño em crescimento, elevam as temperaturas a novos patamares”.
El Niño tem efeito potencializador
A ONU (Organização das Nações Unidas) pediu nesta terça-feira (4) aos governos que se preparem para as consequências do El Niño “para salvar vidas e meios de subsistência”, ressaltando que o fenômeno deve continuar ao longo do ano com uma intensidade ao menos moderada.
A Noaa anunciou o início oficial do El Niño em 8 de junho e alertou que ele poderia gerar novos recordes de temperatura em certas regiões.
Em partes do sul da América Latina, no sul dos Estados Unidos, no Chifre da África e na Ásia central, o El Niño está associado ao aumento das chuvas. Por outro lado, pode causar secas na Austrália, Indonésia e em partes do sudeste asiático e da América Central.
Suas águas quentes podem alimentar furacões no centro e leste do oceano Pacífico e retardar a formação desses ciclones no Atlântico.
Os efeitos nas temperaturas mundiais geralmente são percebidos no ano seguinte ao desenvolvimento do fenômeno.
“A chegada do El Niño aumentará consideravelmente a probabilidade de quebrar recordes de temperatura e desencadear um calor mais extremo em muitas regiões do mundo e nos oceanos”, alertou Petteri Taalas, secretário-geral da OMM (Organização Meteorológica Mundial).
“É um sinal para os governos do mundo se prepararem para limitar os efeitos sobre nossa saúde, nossos ecossistemas e nossas economias”, acrescentou o chefe desta agência especializada da ONU.
Por isso, destacou, os sistemas de alerta precoce de eventos climáticos extremos são importantes.
O El Niño de 2018 a 2019 levou a um episódio particularmente longo, de quase três anos, de La Niña, que causa os efeitos contrários, incluindo uma queda nas temperaturas.
O El Niño ocorre, em média, a cada dois a sete anos, e geralmente dura entre nove e 12 meses. Mas a OMM destacou que o episódio atual é registrado no contexto de um clima modificado pelas atividades humanas.
Com essa perspectiva, a organização previu, em maio, que ao menos um dos próximos cinco anos, e os cinco anos de 2023 a 2027 como um todo, seriam os mais quentes já registrados.
Também estimou em 66% a probabilidade de que a temperatura média anual da superfície da Terra exceda os níveis pré-industriais em 1,5°C durante pelo menos um desses cinco anos.
“Isso não quer dizer que nos próximos cinco anos vamos ultrapassar o nível de 1,5°C especificado no Acordo de Paris, já que esse acordo se refere ao aquecimento de longo prazo em muitos anos. Mas é um novo sinal de alarme”, disse Chris Hewitt, responsável dos serviços climáticos da OMM.
Negociações climáticas
Ao longo deste ano, os novos recordes de temperatura e as consequências do calor extremo pintam o cenário sobre o qual devem acontecer as discussões da próxima conferência do clima da ONU, a COP28, em dezembro, em Dubai. As expectativas de especialistas sobre a cúpula são pessimistas.
“Teremos uma COP que vai ser mais uma conferência em que nenhuma decisão séria de redução de gases de efeito estufa e auxílio financeiro para que países pobres possam se adaptar vai ser tomada”, opina Artaxo.
Sediado nos Emirados Árabes Unidos, cuja economia depende do petróleo, o evento será presidido por Sultan al-Jaber, diretor estatal Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi. Ele também atua como ministro da Indústria e Tecnologia do país, bem como seu enviado climático, e deve liderar as negociações da COP28.
Em maio, mais de cem membros do Congresso dos Estados Unidos e do Parlamento Europeu pediram que Al-Jaber fosse removido do cargo de chefe da conferência, dizendo que a nomeação do executivo do petróleo ameaça a integridade das negociações.
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