O desmatamento da Amazônia perturba o regime climático da região, fazendo aumentar a quantidade de chuva durante os meses da estação úmida, mas reduz a precipitação durante a estação seca, quando a floresta mais precisa de água, mostra um novo estudo.
O trabalho, realizado por um grupo de cientistas da China e da Tailândia, combinou imagens de imagens de satélite, dados meteorológicos e simulações computacionais para entender melhor a variação sazonal da influência do desmate sobre o clima local. O artigo dos pesquisadores está na edição de hoje da revista científica Nature.
Já se sabia que a remoção de vegetação no bioma estava por trás de alterações na chuva tanto na floresta quanto em outras áreas da América do Sul, mas pesquisas realizadas até agora não permitiam ver com tanta clareza como o mecanismo opera em cada época do ano.
Isso foi possível agora com um método inovador criado pelo grupo, liderado pelo climatólogo Yingzuo Qin, da Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul, de Shenzhen (China). Usando dados do período 2000-2020 e modelagem matemática, os cientistas conseguiram separar os efeitos do desmatamento no clima das áreas devastadas com aqueles mais distantes (de 60 km a até 1.000 km), e mostraram melhor os mecanismos por trás desse efeito.
Uma medida de impacto contida no estudo é que áreas de mata perdem 1 milímetro de chuva mensal por ponto percentual de área desmatada. Esse número varia um pouco conforme a região, mas é bastante relevante, considerando que 20% do bioma original da Amazônia já foi destruído.
Uma das principais variáveis envolvidas nesse efeito, afirmam os cientistas, é a quantidade de evapotranspiração: a produção combinada de vapor a partir da evaporação da água de superfície e da transpiração de plantas e animais.
Durante a estação úmida (de dezembro a fevereiro), o desmatamento intensifica o transporte de umidade atmosférica na direção das áreas desmatadas, aumentando a chuva localmente, mas reduzindo-a em áreas mais distantes contra a direção dos ventos. Cidades fluviais como Manaus, Belém e Porto Velho, ficam mais vulneráveis a enchentes sob esse cenário.
Já durante a estação seca (de julho a agosto) a evapotranspiração diminui na área desmatada, diminuindo as chuvas tanto localmente quanto em áreas ao redor. O fenômeno estudado pelos pesquisadores ajuda a alimentar o processo de savanização da Amazônia (a transformação de floresta em vegetação savânica de cerrado) e é uma notícia preocupante para o agronegócio do continente em áreas tropicais, porque o efeito de amplificação da estação seca, sobretudo, impacta áreas hoje ocupadas por agricultura no Cerrado e em outros biomas da América do Sul. Queimadas e propagação do fogo são outra consequência.
“Pelo papel essencial que a floresta remanescente na Amazônia tem na regulação do clima regional e global, será preciso um esforço permanente para protegê-la e para reabilitar terras degradadas”, escrevem Qin e seus coautores no estudo.
A perturbação do regime de chuvas e a savanização, dizem os cientistas, são ainda mais preocupantes porque são um fenômeno que se retroalimenta. A perda de área vegetada, inicialmente, contribui para a savanização porque as chuvas nas áreas do limite entre a Amazônia e o Cerrado se reduzem. E uma vez derrubadas as árvores, o carbono contido nelas vai parar na atmosfera na forma de CO₂, o principal causador do efeito estufa e do aquecimento global.
Ponto de não retorno
A Amazônia sobrevive em grande parte porque conta com a umidade que ela captura e retém. Um terço da chuva que cai sobre a floresta está apenas retornando água produzida pela sua própria evapotranspiração, algo que não ocorre em nenhum outro bioma do mundo.
Essa característica é que dá força e estabilidade ao bioma, mas paradoxalmente é o que o torna frágil diante do desmatamento.
Um dos grandes desafios da ciência climática atual é o de determinar qual é o chamado “ponto de não retorno” da Amazônia, um conceito criado pelo cientista brasileiro Carlos Nobre. Esse termo é uma referência ao limite de encolhimento da floresta a partir do qual ela não conseguiria mais sustentar a si própria. Há indícios de que com um quinto da mata derrubada, ela já começa a cruzar esse ponto.
Comentando o estudo de Qin em um outro artigo na própria Nature, o cientista Wim Thiery, da Universidade Vrije de Bruxelas, afirma que o trabalho dos chineses contribui para elucidar essa questão.
“Somente quando os efeitos de interação entre mudanças climáticas, desmatamento e saúde da vegetação estiverem vinculados, o risco de savanização poderá ser verdadeiramente avaliado. Considerar a sazonalidade, como Qin fez, assim como a seca e os extremos de calor, serão etapas essenciais neste processo”, escreveu o pesquisador.
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