Defensoria apura fraudes no uso de terras públicas na Amazônia para venda de créditos de carbono em Portel, no Pará (Foto: Getty Images / Tarcisio Schnaider)

Empresas brasileiras e estrangeiras estão na mira da Defensoria Pública do Estado do Pará (DPE-PA) pelo uso irregular de terras públicas estaduais, apropriadas ilegalmente, para a geração e venda de créditos de carbono, adquiridos por gigantes multinacionais. O caso também é acompanhado pelo Ministério Público do Pará (MPPA), por meio de procedimento extrajudicial. Segundo as denúncias, além da grilagem de terras públicas, populações tradicionais locais não foram beneficiadas pelos projetos.

As denúncias foram divulgadas inicialmente pelo portal g1 e confirmadas pelo Terra. A Defensoria move quatro ações civis públicas na Justiça paraense contra a Prefeitura de Portel –município onde ficam as terras apropriadas–, cinco empresas brasileiras e três estrangeiras (uma britânica, uma canadense e outra norte-americana). As ações correm na Vara Agrária de Castanhal (PA).

De acordo a DPE-PA, os projetos de crédito de carbono foram estabelecidos em territórios tradicionais distribuídos em cinco assentamentos agroextrativistas estaduais, na área rual de Portel, no Arquipélago de Marajós. O local é ocupado por populações ribeirinhas, que não foram consultadas sobre os projetos.

São três os pontos observados pela Defensoria como base das denúncias:

  • As empresas afirmam que os projetos foram estabelecidos em áreas de propriedades privadas quando, na verdade, se tratam de áreas do Estado;

  • Os projetos necessitavam de autorizações do Governo do Pará por estarem em áreas públicas, o que, segundo a Defensoria, não aconteceu;

  • Não houve qualquer tipo de consulta às populações tradicionais ribeirinhas para o estabelecimentos dos projetos, tampouco estudos prévios, o que gera riscos socioambientais à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais.

Gigantes multinacionais de industrias farmacêuticas, tecnológicas, de aviação e até um clube de futebol inglês adquiram os créditos de carbonos das empresas instaladas em Portel. As compras foram realizadas de maneira legal, por meio da Verra, uma das maiores certificadoras de projetos de créditos de carbono do mundo, sem indícios de problemas nas operações ambientais, segundo a Defensoria.

O que são créditos de carbono?

O mecanismo foi criado para que países e o setor privado pudessem limitar a emissão de gases de efeito estufa. Uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) corresponde a um crédito de carbono, que pode ser negociado no mercado internacional. O investimento é revertido em ações de combate às mudanças climáticas, como preservação do meio-ambiente, reflorestamento e energia renovável.

Assim, empresas que lançam gases de efeito estufa podem compensar as emissões adquirindo os créditos de carbono. No Brasil, esse comércio não é regulado, e os créditos são negociados no mercado voluntário, tanto por negócios locais como estrangeiros.

Segundo resolução das Nações Unidas (ONU), a operação do mercado voluntário exige menos burocracias, uma vez que não pode ser utilizada por países para o cumprimento de metas. A audição dos créditos negociados no mercado voluntário ocorre através de entidades independentes do sistema das Nações Unidas. É o caso das empresas instaladas em Portel, denunciadas pela DPE-PA.

Os projetos no Pará foram certificados pela Verra para a comercialização dos créditos. Para tal, foram submetidas séries de documentos que apontavam a instalação das iniciativas em áreas de propriedade particular.

Grilagem e documentações falsas

Indícios de fraudes nos registros das propriedades apresentados pelos projetos foram evidenciados pela Defensoria a partir de Cadastros Ambientais Rurais (CAR), que foram usados como documentos de propriedade, mas que, na realidade, são registros que não representam posse ou propriedade da terra e que foram elaborados com informações falsas.

No total, 45 de 50 matrículas imobiliárias utilizadas no projeto, segundo as ações, foram canceladas devido a irregularidades e deixaram de ter validade jurídica. Ainda assim, os perímetros apontados nas matrículas canceladas foram usados para a certificação dos projetos.

Segundo o Ministério Público, a prática configura ‘grilagem de terras’, uma vez que a negociação de créditos de carbono aconteceu em terras públicas que teriam sido supostamente apropriadas por terceiros ilegalmente.

Além do uso ilegal das terras, não há evidências de que os projetos beneficiaram o meio-ambiente e as populações locais, de acordo com as ações. Os responsáveis teriam abordado os ribeirinhos para oferecer o CAR, alegando que se tratava de documento de registro de posse das terras.

“As ações visam proteger os territórios tradicionais, cuja floresta é de uso e usufruto das comunidades. Nesse sentido, a Defensoria Pública busca evitar projetos ilegais, sem autorização do Estado do Pará e em violação aos direitos das comunidades, de modo a garantir a continuidade da posse e atividade agrária, que já é desenvolvida há décadas pelas famílias”, explicou a defensora pública Andréia Macedo Barreto, coordenadora da Defensoria Agrária Castanhal.

Pedidos da Defensoria

Nas ações, a DPE-PA pediu a invalidação dos projetos. Em medida de urgência, a Defensoria requeriu que as empresas sejam impedidas de entrar nos assentamentos. Em três das ações, também exige a nulidade de três decretos do prefeito de Portel, que deu às empresas o direito de construir dentro dos assentamentos e até poderes próprios à gestão municipal para requisição de bens.

Para a Defensoria, o ato administrativo gera risco às próprias comunidades tradicionais, inclusive de despejo.

A Defensoria Pública também solicitou a indenização por danos morais coletivos, no total de R$ 20 milhões, nas quatro ações, “para que os recursos sejam revertidos para projetos socioambientais, socioeconômicos e ordenamento territorial, em favor das comunidades tradicionais de projetos de assentamento estaduais em Portel”, apontam as ações.

O Terra questionou as empresas envolvidas nos projetos, mas não obteve resposta até a última atualização da reportagem. O espaço segue aberto para manifestação.

*Com informações de Terra