Pavilhão do Brasil na COP29 em Baku, no Azerbaijão - Foto: Aziz Karimov / Reuters

Quem cantou “o Brasil voltou” quando um recém-eleito presidente Lula foi à COP27, no Egito, há dois anos, questiona agora a estratégia do governo brasileiro para presidir a próxima conferência do clima da ONU. A COP30 está marcada para Belém em 2025.

A onda de críticas acontece em Baku, no Azerbaijão, durante a 29ª edição da Conferência do Clima da ONU, que deve definir até hoje (22) uma nova meta de financiamento para as ações climáticas.

Embora mais evidente entre os brasileiros, boa parte das críticas também é compartilhada pela comunidade internacional e se concentra em três decisões-chave para o sucesso da conferência: a cidade-sede, a nova meta climática brasileira e o nome que deve presidir as negociações.

Anunciada no dia 8 e oficialmente entregue na COP29 pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, a nova meta brasileira para o Acordo de Paris foi amplamente criticada por cientistas e ambientalistas do país.

Detalhada em 44 páginas, a meta (chamada de NDC, sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada) propõe uma redução entre 850 a 1.050 megatoneladas de emissões de gases de efeito estufa. O número representa uma redução de 59% a 67% das emissões em relação ao ano de 2005. Já em relação ao ano de 2019, a redução seria de 39% a 50%.

“Embora a NDC busque ser abrangente, a inclusão de intervalos de emissões introduz ambiguidade, comprometendo sua percepção de ambição”, afirma uma análise do Instituto Talanoa.

Segundo a análise técnica do Observatório do Clima, a meta brasileira não é compatível com o objetivo de limitar o aquecimento em 1,5ºC. Para segurar esse teto, os países deveríamos reduzir 60% das emissões até 2035, em relação ao ano de 2019. O cálculo foi estipulado pelo IPCC – sigla em inglês para o painel científico do clima da ONU.

O limite de 1,5ºC é considerado o teto seguro para evitar catástrofes irreparáveis, como o desaparecimento de cidades litorâneas e países-ilha, além de eventos extremos mais destrutivos, frequentes e imprevisíveis. O número também virou um mote de campanha para a presidência brasileira, que busca engajar os países em um clima de otimismo sob a chamada “missão 1,5”.

Lula assegurou empenho do Governo Federal para a realização da COP 30 em Belém – Foto: Ricardo Stuckert (PR)

A receita indicada pela meta brasileira, no entanto, indica que a missão da COP30 pode mirar a ultrapassagem do 1,5ºC em vez da sua contenção.

Ainda segundo a análise do Observatório do Clima, a NDC falha ao não se comprometer claramente com o fim da expansão dos combustíveis fósseis, nem com o fim do desmatamento até 2030. Um dos poucos pontos positivos da análise foi a atenção às metas de adaptação – ou seja, as ações que prepararam os territórios para amenizar os efeitos das mudanças climáticas já em curso.

“Esperávamos mais da NDC brasileira. Para sermos líderes, como o presidente Lula prega, precisamos de mais ousadia e ambição. Nosso país tem o potencial de fazer muito mais do que o que prometemos.” afirmou Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Soma-se à decepção com o anúncio da NDC brasileira a falta de liderança indicada para conduzir os trabalhos da COP30. A reportagem apurou que representantes de delegações e também de agências de cooperação saíram desapontados de reuniões com representantes do governo brasileiro na COP29.

Um dos interlocutores presentes em reuniões bilaterais do Brasil com delegações da COP29 afirmou à reportagem que o mundo ainda não sabe o que o Brasil pretende alcançar com a conferência e que a dúvida deixa em suspense o engajamento de parceiros internacionais.

Presidência da COP30

A próxima decisão que o presidente Lula deve fazer sobre a COP30 pode ajudar a sinalizar o nível de engajamento do país com a conferência: o nome que presidirá as negociações.

O cargo de presidente da COP implica uma responsabilidade familiar ao Itamaraty: mediar negociações entre blocos de países em desenvolvimento, ricos, produtores de petróleo e nações mais vulneráveis ao clima.

Entretanto, a mediação que preocupa o governo é outra: trata-se dos conflitos dentro do país, especialmente com o setor do agronegócio e com o Congresso.

Segundo pessoas ligadas à base do governo no Congresso, o contexto de fragilidade política, tanto em relação à popularidade quanto ao apoio do Congresso, faz com que a maior preocupação de Lula seja nomear para a presidência da COP30 alguém que não sofra resistências e oposição dentro do país.

O vice-presidente, Geraldo Alckmin, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na COP 29, em Baku, no Azerbaijão – Foto: Cadu Gomes / Vice-presidência da República

O critério dificulta emplacar na presidência da COP o nome da ministra Marina Silva (Meio Ambiente), que protagoniza a disputa com o Ministério de Minas e Energia, comandado por Alexandre Silveira, sobre a exploração de petróleo na Amazônia sem avaliações de áreas sedimentares.

De acordo com fontes ligadas ao governo, o nome de Marina também desagrada setores mais conservadores do agronegócio e não teria o apoio da Casa Civil. Apesar da resistência interna, o nome da ministra ainda é considerado no Planalto devido ao seu reconhecimento internacional, sua biografia e também seus resultados no combate ao desmatamento.

Já entre os nomes que acenariam aos setores econômicos, estão cotados o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ambos, no entanto, sinalizam que devem recusar a missão.

Outro nome possível é o do embaixador André Corrêa do Lago, que comanda a secretaria de clima do Itamaraty. Embora não tenha um cargo de nível ministerial, ele é cotado por conta da experiência em negociações ambientais da ONU e também pelo diálogo com setores econômicos país adentro.

A tendência de escolher a presidência da COP respondendo ao contexto doméstico, em vez de mirar o plano internacional, repetiria os critérios que pesaram nas decisões anteriores sobre o evento: a partir da Casa Civil, o governo calibrou uma NDC mais confortável para os setores de energia e do agronegócio, depois de ter fincado a COP no estado de um aliado político imprescindível, o governador Helder Barbalho (MDB).

Preocupação com local

“A próxima vai ser mesmo em Belém?” Essa é uma das perguntas frequentes nos corredores da COP29. A preocupação compartilhada por brasileiros e estrangeiros é que a baixa infraestrutura básica e a reduzida capacidade de acomodação de hóspedes em Belém murche a COP30.

A 30ª edição da conferência marca a revisão das metas de Paris após dez anos de acordo climático. O simbolismo promete bater o recorde de público que hoje é da COP28 – em 2022, a conferência realizada em Dubai reuniu 97 mil participantes. Belém corre para criar soluções de acomodação – de residências particulares a navios atracados – para ampliar o número de leitos disponíveis na cidade – hoje eles são menos de 18 mil.

O receio dos participantes é que uma cidade menor reduza a participação na COP apenas aos diplomatas, deixando de fora empresas, movimentos sociais, universidades e ONGs que costumam se mobilizar em torno do evento.

A previsão vai de encontro com o anseio das organizações de clima de preparar marchas do clima e manifestações, já que a COP voltará a um país democrático após três edições seguidas em países de regimes autoritários – Egito, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão.

*Com informações de Uol