A redução na fiscalização ambiental e em terras indígenas por órgãos federais na Amazônia impulsionou facções criminosas a ampliarem sua atuação, coligando-se a outras modalidades de crime e expandido lucros na região.
Entidades e pesquisadores veem o crime organizado usar cada vez mais os rios que cortam terras indígenas para circularem sem serem incomodados na região.
A conhecida rota Solimões (chamada assim em razão do rio) —disputada e usada por PCC (Primeiro Comando da Capital), CV (Comando Vermelho) e FDN (Família do Norte)— é hoje o principal corredor de transporte de drogas da Amazônia (principalmente da cocaína da Bolívia e Peru) para o lado leste brasileiro.
Para Aiala Colares Couto, professor e pesquisador da Uepa (Universidade do Estado do Pará), a novidade é que o loteamento de cargos em órgãos como o Ibama, ICMBio, Funai e Polícia Federal na região “contribuiu com o crime organizado porque fragilizou o serviço de fiscalização no combate a todo tipo de crime”.
Com essa facilidade, Couto diz que as facções também começaram a se aliar com grupos que já atuavam retirando recursos da Amazônia ilegalmente.
”O crime organizado conseguiu compreender esse cenário de fragilidade e promoveu articulações multi-institucionais em atuações que envolvem tráfico de drogas, armas, pesca, garimpo ilegal, biopirataria, que torna [o crime] muito mais rentável e eficaz com fluidez”, afirma o professor
Além das maiores facções, o pesquisador aponta grupos menores, com atuação regionalizada. Eles são:
• Cartel do Norte
• Comando Classe A
• PGN (Primeira Guerrilha do Norte)
• Os Crias
Vale do Javari tomado
O Vale do Javari, onde o indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips desapareceram no dia 5, é usado com frequência por esses criminosos. “A partir do rio Javari, eles seguem em direção ao rio Solimões, a partir daí toda uma conexão existe em direção a outros mercados”, explica Couto.
O avanço do crime organizado no Javari foi denunciado em ofícios encaminhados pela Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) à Funai (Fundação Nacional do Índio) e ao Ministério da Justiça, citando ameaças e tiros disparados contra fiscais das entidades.
O indigenista Antenor Vaz, que chefiou a unidade da Funai no Vale do Javari entre 2006 e 2010, conta que nessa época o crime organizado estava começando a usar a terra indígena como rota.
“Eu me recordo que tínhamos instalado uma base de proteção em Jandiatuba, perto de São Paulo de Olivença. E, entre nossa base de proteção e a cidade de São Paulo, a gente teve conhecimento de uma rota do narcotráfico.”
Ele então produziu um relatório, em 2007, que foi encaminhado às Forças Armadas e à PF. “Em 2013, já havia uma preocupação externada do Exército, temendo que as plantações de coca do Peru invadissem a parte brasileira da Amazônia”, diz Vaz.
Entretanto, mesmo com essas informações, as bases de proteção dentro da terra foram sendo reduzidas pelo governo. O tema chegou a ser alvo de ação do MPF (Ministério Público Federal) do Amazonas, em 2019, cobrando maior atuação federal nas frentes de proteção no Vale do Javari. Entretanto, dizem entidades, a determinação não foi cumprida.
Nos últimos nove anos, o quadro fixo de servidores da Funai caiu pela metade. Em janeiro de 2013, o quadro efetivo tinha 1.360 integrantes na Amazônia Legal. Em janeiro deste ano, o número era de 689.
“Falamos de 13% do território brasileiro [terras indígenas da Amazônia] para esses servidores fazerem proteção, vigilância, fiscalização territorial e todas as outras atividades. Mesmo que fossem empregados na proteção do território, sobretudo em região de fronteira, seria insuficiente”, diz Leonardo Lenin Santos, secretário do OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato).
Problema antigo
A entrada de drogas pelas fronteiras não é novidade para as autoridades, que vinham alertando para uma alta de casos e falta de aparato para combater as ações. Relatórios do governo já alertavam para o problema.
O UOL teve acesso a um relatório intitulado “Diagnóstico Socioeconômico e Demográfico sobre Segurança Pública nas Fronteiras”, produzido em 2016 por equipe da Secretaria Nacional de Segurança Pública. O documento chama a atenção para “rios, muitos deles fronteiriços, que se constituem um dos principais meios de transporte da cocaína e pasta base da cocaína”.
Ainda segundo o relatório, aeródromos privados espalhados pelos municípios próximos às fronteiras também ajudam a receber pequenos aviões, que fazem uso de estruturas clandestinas no meio da selva. “É óbvio que os aeródromos podem ser e são usados por fazendeiros e gestores públicos, porém é igualmente razoável supor que são utilizados para outros fins”, diz um trecho.
Com informações do Uol