Parecer preconceituoso do CNPq vai na contramão da história ao negar apoio a pesquisadoras gestantes e com filhos pequenos; casos vão à Justiça

O CNPq citou a gestação de uma pesquisadora para rejeitá-la em um processo seletivo para bolsa de estudos. Em nota publicada em redes sociais, a agência federal voltada ao fomento à pesquisa admitiu ter sido uma decisão “preconceituosa” e “incompatível” com os princípios da instituição.

Maria Carlotto foi reprovada em um edital por não ter pós-doutorado feito no exterior — mas a justificativa do CNPq para a reprovação foram as gestações dela. Ela usou as redes sociais na terça (26) para criticar a alegação da agência.

O parecer cita que “provavelmente” as gestações dela a “atrapalharam” a realizar “essas iniciativas”. Maria é pesquisadora e cientista social da Universidade Federal do ABC.

A agência admitiu que a decisão foi “inadequada”, primeiramente porque um estágio para o exterior não é requisito para a concorrência requerida pela pesquisadora — no caso, o edital de Produtividade em Pesquisa. Além disso, reconhece que o juízo foi “preconceituoso” por associar a negativa à gestação da candidata.

A nota do CNPq foi publicada ontem (27), um dia depois da crítica feita publicamente. O CNPq ainda informou que o parecer não foi corroborado pelo comitê assessor responsável pelo julgamento, formado por um colegiado.

Os resultados são passíveis de recursos. Esse tipo de avaliação prévia é emitida por especialistas e serve de subsídio que os comitês podem, ou não, incorporar nos julgamentos, explicou a agência.

A Diretoria Científica do CNPq levará o caso à Diretoria Executiva do CNPq para avaliar quais providências devem ser tomadas, informa a agência. Ela ainda reforçou que instruirá seu corpo de pareceristas para ter uma “maior atenção” na emissão de seus pareceres.

O UOL tentou contato com Maria Carlotto, mas ainda não obteve retorno.

“Um tal juízo é inadequado tanto porque um estágio no exterior não é requisito para a concorrência em tal edital, quanto por expressar juízo preconceituoso com as circunstâncias associadas à gestação. Não é, portanto, compatível com os princípios que regem as políticas desta agência de fomento”, afirma trecho da nota do CNPq.

Licença-maternidade

Maria, porém, não é a única acadêmica a ter uma bolsa negada com a mesma justificativa. Com 42 anos e dois filhos, uma pesquisadora em estatística e ciência de dados da USP também foi reprovada no mesmo edital do CNPq com justificativas que tratam a maternidade como empecilho. Ela, que pediu para não ser identificada, entrará com recurso para rever a decisão.

No parecer, ao qual o UOL teve acesso, o pedido da acadêmica é rejeitado porque “a proponente teve licença-maternidade e isto com certeza afeta a produção científica de forma muito significativa”. “Ela claramente está retomando a carreira e mostra uma produção mais consistente nos últimos anos”, diz o texto.

Um segundo parecer afirma ainda que, “com os dois filhos já maiores, irá focar no aumento da sua produção científica”. “Nunca deixei de focar no trabalho de pesquisa, nunca deixei de trabalhar, orientar alunos, muito pelo contrário. Trabalhei muito mais durante a pandemia”, contou a pesquisadora à reportagem.

Ao UOL, o CNPq informou apenas que o parecer da área de Estatística está sob análise do corpo técnico da agência.

“Além disso, acredito que com os dois filhos já maiores, irá focar no aumento da sua produção científica e formação de alunos de mestrado e doutorado”, diz trecho do parecer do CNPq.

Com informações do Uol