Fórum Brasileiro de Segurança Pública revela que 30 municípios brasileiros têm taxas de mortes violentas intencionais superiores a cem por 100 mil habitantes. (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

As 30 cidades mais violentas do Brasil têm taxas de assassinatos superiores a cem por 100 mil habitantes, enquanto a média nacional está em 22,3 por 100 mil. Do total de municípios, 43% deles ficam na Amazônia, 63% são rurais e nenhum tem mais de 30 mil moradores. Os dados estão no 16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado na manhã desta terça-feira (28).

Ao contrário do Brasil, a letalidade tem crescido nas cidades rurais da Amazônia, cenário dos assassinatos recentes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips. Em especial naquelas sob pressão de crimes ambientais, como desmatamento, grilagem de terras e extração ilegal de minérios. Nos últimos anos, a chegada do crime organizado ligado ao narcotráfico sobrepôs uma nova camada de criminalidade às já existentes na floresta, e impulsionou a escalada de mortes.

“A Amazônia está completamente dominada pela violência extrema e pode ser vista como uma enorme tradução de tudo que tem dado errado no Brasil. Infelizmente, as mortes do Bruno e do Dom não foram fatos isolados”, afirmou Renato Sérgio de Lima, diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Quem tem dado o tom ali é o crime organizado, que tem funcionado como síndico da Amazônia. As facções de base prisional e, eventualmente, algumas milícias administram a vida das pessoas e a economia e controlam a ocupação do território.”

Para Lima, qualquer projeto de desenvolvimento desenhado para a região, seja conservador ou progressista, precisará passar pelo controle da violência. Se não houver um freio do crescimento das mortes, dificilmente se encontrará soluções de geração de emprego e renda para o território. Segundo ele, os órgãos ambientais de fiscalização e o aparato de segurança pública atuais não são suficientes para conter mais essas complexas cadeias criminosas que disputam entre si as rotas nacionais e transnacionais de drogas que cruzam a floresta.

Segundo o novo documento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o município São João do Jaguaribe, no Ceará, registrou a maior (224) da taxa média de mortes violentas intencionais (MVI) por 100 mil habitantes entre 2019 e 2020. Na sequência, aparecem Jacareacanga (199), no Pará; Aurelino Leal (144); na Bahia; Santa Luzia D’Oeste (139) e São Felipe D’Oeste (138), em Rondônia. Por mortes violentas intencionais, entende-se a soma das vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora.

A taxa média dos nove estados que compõem a Amazônia Legal é de 30,9 mortes violentas por 100 mil habitantes – 38,6% superior à média nacional, que foi de 22,3. Se fosse um país, a região seria a quarta nação mais violenta do planeta, atrás de Jamaica (45), Honduras (36) e África de Sul (33), de acordo com dados da UNODC, o escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.

Crime organizado

Lima reforça que pelo menos 20 facções com base prisional atuam em território amazônico. O crime organizado explodiu na região depois que a organização criminosa paulista se fortaleceu no Paraguai, em meados de 2017, e passou a controlar parte do corredor que escoa a droga produzida em países andinos para o Brasil, Europa e África. Em busca de novas rotas, a facção carioca intensificou suas ações no Norte do país. A partir daí, novos bandos surgiram, e uma guerra local foi conflagrada.

Um dos pontos mais disputados pelo tráfico fica na cidade de Tabatinga, no oeste do Amazonas, na tríplice fronteira entre o Brasil, Colômbia e Peru. A região, próxima de onde o indigenista Bruno e o jornalista Dom foram assassinados, é hoje a segunda principal rota do narcotráfico do país, atrás apenas da sulmatogrossense Ponta Porã, na divisa com o Paraguai. Enquanto Tabatinga é dominada pela facção criminosa carioca, Ponta Porã é comandada pelo bando paulista.

“Em outras regiões do país, as disputas entre essas facções já se acomodaram. Ou alguém venceu, ou teve trégua, ou a polícia conseguiu controlar. Já na Amazônia, o conflito pelas rotas continua aberto. O crime organizado regulamenta quem pode estar num determinado território, mas não existe monopólio. Enquanto a facção carioca comanda Tabatinga, no restante ainda há muita disputa”, explicou Lima.

O estudo mostra que 13 dos 30 municípios com taxas médias superiores a cem por 100 mil habitantes estão localizados próximos ou ao lado de Terras Indígenas e de fronteiras com os países da Pan-Amazônia. Um deles é Japurá, no Amazonas, na fronteira da Colômbia e perto de Tabatinga. Os dados ressaltam que a mesma violência extrema das periferias das metrópoles atinge os pequenos municípios da Amazônia, marcados pela sobreposição de mortes com crimes ambientais.

*Com Agência O Globo