Pesquisa da Universidade da Califórnia aponta riscos ao meio ambiente causados por uso de IA (Foto: Imagem ilustrativa / Freepik)

A era da inteligência artificial trouxe grandes avanços para diversas áreas do conhecimento, mas também desafios que podem passar despercebidos. O simples ato de enviar um e-mail de 100 palavras utilizando um chatbot, como o ChatGPT, pode consumir cerca de 519 ml de água e 0,14 kWh de eletricidade, o equivalente a manter 14 lâmpadas de LED acesas por uma hora.

Os dados, que foram levantados pelo Washington Post em parceria com pesquisadores da Universidade da Califórnia, revelam um custo ambiental ainda mais expressivo quando multiplicado pelo número de usuários que interagem diariamente com essas ferramentas.

A necessidade de resfriamento dos servidores e bases de dados, que realizam milhares de cálculos para responder a cada comando, é um dos principais fatores por trás do consumo elevado de recursos.

Essa questão não é nova no mundo da computação de alto desempenho. Desde o final do século XX, a preocupação com a eficiência energética vem crescendo, levando ao desenvolvimento de máquinas mais econômicas e à busca por estratégias para minimizar o impacto ambiental da tecnologia.

IA e as mudanças climáticas

Por outro lado, a inteligência artificial (IA) está cada vez mais presente em diversas áreas, inclusive no combate às mudanças climáticas. Pedro Dias, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), destaca que a tecnologia pode ser uma aliada na preservação ambiental, desde que utilizada de maneira responsável.

“A inteligência artificial hoje permeia tudo. É difícil encontrar alguma atividade que não tenha IA por trás”, afirma o professor. No entanto, ele também alerta para promessas exageradas: “Muita coisa é prometida e a gente ainda não tem, e talvez seja muito difícil ter rapidamente. Pode demorar muito tempo.”

Um dos exemplos positivos do uso da IA é a chamada agricultura de precisão, que contribui para a redução do consumo de insumos que liberam carbono na atmosfera. Além disso, a tecnologia auxilia no desenvolvimento de variedades mais resistentes ao calor e à seca, acelerando processos na biologia e na engenharia genética. “Hoje, o desenvolvimento de novas moléculas para defensivos agrícolas acontece primeiro no computador, antes do laboratório”, explica o professor.

Outro ponto relevante é a aplicação da IA no monitoramento ambiental. Programas desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) permitem prever desmatamentos e incêndios com base em modelos que analisam dados históricos. “Você tem os indicadores de potencial de incêndio, a experiência do passado e um grande número de casos. Com isso, pode-se desenvolver um modelo baseado em IA para prever onde vai acontecer um incêndio e qual será sua intensidade”, diz Pedro Dias.

Como a IA afeta o meio ambiente

Apesar dos benefícios, o professor reconhece que a IA também tem um impacto ambiental negativo, especialmente no consumo de energia dos data centers. “Os data centers são um grande problema”, afirma. No entanto, ele destaca que há esforços para tornar esses sistemas mais eficientes. “Hoje, quando compramos uma grande máquina, colocamos a eficiência energética no topo das prioridades. Não olhamos apenas o consumo do computador, mas também da refrigeração necessária para mantê-lo funcionando”.

A energia renovável tem se tornado um fator importante na computação de alto desempenho. No Brasil, segundo ele, isso é relativamente fácil de implementar, diferentemente de alguns países europeus e da América do Sul, devido à quantidade de recursos naturais.

Pedro Dias reforça que a IA pode ser utilizada tanto para o bem quanto para o mal. “Eu procuro ver o que podemos fazer de bom com a IA, mas sei que há quem pense o contrário”, afirma. Ele cita o uso da IA para detectar fake news e ataques cibernéticos como exemplos positivos.

A sustentabilidade dos modelos de IA depende de escolhas conscientes das empresas e instituições. “No final dos anos 90, já incluíamos a eficiência energética como critério na compra de computadores. Hoje, esse fator é ainda mais relevante”, conclui o professor.

Preocupação com o futuro

O professor Pedro também faz um panorama abrangente sobre a evolução da preocupação científica e industrial com a eficiência energética e o impacto ambiental da computação. Desde os primeiros anos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), ele observa como a preocupação com a pegada de carbono da própria modelagem climática cresceu significativamente. Enquanto nos anos 90 essa questão não era sequer mencionada, hoje está no centro das discussões, impulsionando avanços na tecnologia.

Ele destaca como a evolução dos processadores gráficos (GPUs) revolucionou a eficiência energética dos centros de processamento de dados, por exemplo. Antigamente, uma máquina consumia o dobro de energia para operar e ser resfriada, enquanto hoje a relação é muito mais eficiente, reduzindo drasticamente o desperdício. Além disso, iniciativas para reutilizar o calor gerado pelos equipamentos já são realidade em países como Alemanha e Estados Unidos, sendo aproveitado tanto para aquecimento no inverno quanto para resfriamento no verão.

Pedro Dias destaca que, apesar dos desafios, há sinais positivos. No entanto, ele traz luz à ironia criada pelo gasto energético aliado ao avanço tecnológico: “O próprio processo de desenhar esses cenários futuros contribui para o aquecimento global”.

Com informações do Terra