Pela primeira vez, mapas climáticos produzidos com dados dos últimos 30 anos apontam que o Brasil tem áreas com clima árido, similar ao de desertos. Isso foi causado pelas mudanças climáticas que aumentaram a temperatura da terra, associado à degradação gerada pelo uso humano.
Uma nota técnica produzida por cientistas do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgãos do governo federal, alerta que o índice de aridez cai a patamares inéditos, aumentando áreas em desertificação.
O documento já foi entregue ao MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) e demais órgãos que devem compor o plano de ação de mitigação ao problema.
“Nosso levantamento utilizou dados até 2020, e no novo mapa aparecem essas áreas áridas, mais precisamente na região norte da Bahia. A gente nunca tinha visto isso antes, essa é a primeira vez.” disse Javier Tomasella, pesquisador do Inpe e coordenador do estudo
Como é o cálculo
O cálculo de aridez classificado pela UNCCD (Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação) leva em conta a média de chuva em um intervalo de 30 anos e a evaporação potencial. Quanto maior a aridez de um local, menor é a disponibilidade de água (Entenda melhor o cálculo do índice).
Entre os fatores apontados estão as mudanças climáticas, que aquecem o planeta e levam a uma evaporação mais rápida da água. Tudo isso, claro, associado a questões humanas de degradação do solo, com desmatamento e queimadas, por exemplo.
A nota aponta que o processo de aridez do clima avança por todo o país, com exceção da região Sul. Além Javier, o artigo ainda é assinado por Ana Paula Cunha e José Marengo, do Cemaden.
Hoje, oficialmente, o país tem 1.427 municípios classificados como semiárido em uma área de e ocupa parte dos nove estados do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
Outro estudo na mesma direção
Além do Cemaden e Inpe, o pesquisador Humberto Barbosa, coordenador do Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite) da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), fez uma outra pesquisa e publicou artigo que também aponta para o mesmo problema.

“Temos agora dentro do conceito de terras secas da UNCCD, as três tipologias: subúmidas secas, semiárido e a novidade, o árido. Isso cria nova ordem do semiárido brasileiro.” afirmou Humberto Barbosa
Usando dados de satélite disponíveis dos últimos 18 anos, ele percebeu uma queda no número de nuvens no céu da região ao longo dos anos. O norte da Bahia também é apontado no mapa como a região mais afetada pela aridez, que também tem processos avançados de desertificação e degradação em menor escala em Minas, Pernambuco e Paraíba.
“Redução de nuvem na linguagem meteorológica a gente quer dizer que está se reduzindo a capacidade de chuva de um local.” disse Humberto Barbosa
Autor do livro “Um século de secas” ao lado de Catarina Buriti, Humberto explica que o Nordeste enfrentou oito eventos prolongados de seca desde 1845, mas nenhum deles durou seis anos, como a estiagem prolongada entre 2012 e 2017. “Foi a primeira vez que tivemos, antes eram períodos de dois, três anos.”
Ação integrada
A informação preocupa o MMA, que este ano criou o Departamento de Combate à Desertificação.
Segundo Alexandre Pires, que coordena esse departamento, o MMA vai usar os dados de Inpe e Cemaden para atualizar o mapa das áreas suscetíveis à desertificação.
A última versão desse mapa é de 2015, e o novo documento vai apontar agora essas áreas e municípios classificados como de clima árido.
“O MMA está se articulando com os governos dos estados no sentido de retomada da política, de repactuação de ações que atendam a necessidade de implementação de práticas e tecnologias concretas de combate à desertificação.” afirmou Alexandre Pires.
