Boto vermelho encalhado na margem do Lago de Tefé (Foto: André Zumak / Instituto Mamirauá)

A morte em massa em tão curto período chocou os pesquisadores, que investigam qual processo resultou em um nível tão alto de mortes de animais, principalmente da espécie vermelha — os chamados golfinhos de água doce amazônicos.

Carcaças estão aparecendo a até 8 km de distância do lago na confluência dos rios Tefé e Solimões.

“Nós estamos vivenciando um evento de mortalidade não usual e sem precedentes de botos aqui na Amazônia”, afirma Miriam Marmontel, coordenadora do grupo de pesquisa de mamíferos aquáticos do Instituto Mamirauá.

As mortes começaram no sábado passado, quando morreram cerca de 20 animais, segundo ela, que trabalha com mamíferos aquáticos há mais de 30 anos. O número caiu por três dias, mas voltou a subir de forma rápida de quinta-feira (28) para cá.

“São mais de 110 animais mortos, e o sol está muito quente. A maioria já chega decomposta à costa, mas alguns pereceram praticamente às nossas vistas”, lamenta Miriam Marmontel.

O instituto, com sede em Tefé, está coordenando as ações de resposta no lago para tentar salvar os animais. Ele também fez um pedido de ajuda, já que ainda há muitos animais em poças rasas e de águas quentes, que precisam ser transferidos para local de maior profundidade e menor temperatura. Pesquisadores do Brasil e vários países estão ajudando.

Segundo o pesquisador Ayan Fleischmann, coordenador do setor geoespacial do Instituto Mamirauá, houve uma mudança significativa no padrão de temperatura da água no local nos últimos dias.

“A gente está fazendo uma série de medições no lago, e na quinta-feira a temperatura da água estava entre 39 e 40 graus Celsius em alguns pontos. Isso é muito acima da média aqui do lago do Tefé. Ribeirinhos nunca viram isso”, afirma Ayan Fleischmann.

O ICMBio informou ao UOL que já mobilizou equipes de veterinários e servidores e instituições parceiras para apurar as mortes de botos em Tefé e resgatar os animais encalhados.

As ações ocorrem com o Mamaurá e ao lado do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), da Rede de Encalhe de Mamíferos Aquáticos da Região Norte (Remanor), WWF-Brasil, Defesa Civil, do Governo do Amazonas, entre outros.

Até o momento, as causas não foram confirmadas, mas há indícios de que o calor e a seca histórica dos rios estejam provocando as mortes de peixes e mamíferos na região, segundo o ICMBio.

Mudanças climáticas por trás

A pesquisadora da INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Vera da Silva, é especialista em mamíferos aquáticos amazônicos e afirma que a morte desses botos já deve ser uma consequência das mudanças climáticas.

Segundo ela, desde o século passado a Amazônia teve 14 eventos de seca extrema, sendo três neste século, mas nenhuma vez se registrou temperaturas tão altas como agora.

“Em 2005, por exemplo, os lagos de Tefé e Coari ficaram muito secos também; mas a diferença daquelas secas para agora é o aumento da temperatura da água e da superfície em mais de 3 graus. Isso ocorre com rio e lagos muito secos”, analisa a pesquisadora.

Para ela, se fosse apenas a temperatura alta, os botos poderiam ter grau de tolerância. “Essa redução de volume de água resultou em uma série de outros eventos”, diz.

Pela experiência da especialista, uma das hipóteses é que os botos tenham se alimentado de peixes que morreram pelo calor, mas que estariam contaminados por bactérias ou por comerem algas tóxicas que surgem quando há redução extrema no volume de água.

“O importante é perceber que uma alteração climática está provocando toda essa condição, que fez aparecer uma série de doenças ou infecções. Você pode ter um caldo de possibilidades. É difícil dizer o que causou [essas mortes], mas dá para saber o que desencadeou o processo; e é um problema sério”, afirma.

Peixes menores morrem

Ao longo da semana, imagens que circularam nas redes sociais denunciaram milhares de peixes mortos boiando em rios e lagos no Amazonas.

“A mortandade de peixes é geralmente observada até em secas menos intensas; o que está chocando é a morte de mamíferos aquáticos. Isso não é comum e acredito que ocorre principalmente pela velocidade com que os rios estão secando, associado às altas temperaturas. Eles estão secando muito mais rápido”, revela Guillermo Estupiñán, especialista em recursos pesqueiros da WCS Brasil.

A velocidade de queda do nível dos rios tem chamado a atenção também de autoridades. O rio Negro, por exemplo, baixou 3,5 metros em apenas 10 dias, segundo dados do Porto de Manaus. Por causa disso, a prefeitura da capital decretou emergência na quinta-feira.

Segundo o professor Jaydione Luiz Marcon, do Departamento de Ciências Fisiológicas do Instituto de Ciências Biológicas da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), a redução da quantidade de água e o calor explicam as mortes de peixes menores.

“Quanto maior a temperatura da água, menor é a quantidade de oxigênio disponível, principalmente em lagos que ficam isolados do rio por conta da baixa das águas. Isso pode causar mortandade em massa de peixes por asfixia”, explica.

Com informações da coluna de Carlos Madeiro / Uol