Foto: Fórum das Águas

Em três décadas, um dos principais cursos d’água que corta a cidade de Manaus, o igarapé do Gigante passou a ser reconhecido não mais pela água cristalina, mas pelo odor que exala. Lixo, esgoto e até mesmo a presença de tilápia, espécie exótica de peixe que interfere no equilíbrio da biodiversidade amazônica por não ser natural da região, foram lembrados como agressões à água na manhã deste domingo, (20), durante ato simbólico pelo Dia Mundial da Água, promovido pelo coletivo Fórum das Águas, na Av. Ulisses Tapajós, às margens do Igarapé do Gigante.

Moradores do conjunto Jardim Versalles, bairro Planalto, Zona Oeste de Manaus, relataram como era a relação da comunidade com o curso d’água.

“Às vezes, faltava água da Cosama e, nós moradores pegávamos, e eu era uma que usava aquela água limpa para lavar louça, limpar a casa e até fazer um café. Meus filhos de 35 e 38 anos nadavam aí. Ele era muito lindo, não tinha essa poluição que hoje vemos”, afirma Marilene Maia, que chegou ao bairro em 1990.

Moradora há 32 anos do local, ela costuma promover a limpeza da área anualmente e defende a importância da ação coletiva de conservação em parceria com o poder público.

“Se aqui fosse feito uma praça, dificilmente as pessoas jogariam lixo”, afirma Vanderlice Maria Gonçalves, 61 anos, outra moradora do conjunto. Ela compara o rio com estradas e afirma que o Igarapé tem suas próprias vicinais, onde se formam olhos d’água, que foram destruídos com aterro ao longo do tempo.

“Todos os dias nascia um igarapé nesses locais; é como um igapó. Eu me sentia em casa quando vim morar aqui, em 1990, pois nasci no interior. Essas águas desaguavam no igarapé do Gigante, ele era muito bonito. A partir do momento em que se formaram os conjuntos, ele acabou, mas ainda conserva sua nascente. Infelizmente, tende a se acabar, já que tem uma expansão das casas para esse lado. É muito difícil um pequeno grupo brigar com grandes grupos”, completa Vanderlice Gonçalves.

Uma encenação do grupo de teatro de rua Allegriah mostrou a diferença de relação com a água entre os que vivem na cidade e os povos nativos, que a consideram um ser vivo que necessita de cuidados.

“É muito significativo o dia de hoje: estamos saindo de uma pandemia e ainda estamos lutando por um bem que é comum, que é um direito humano, e do qual todos dependemos. A vida depende da água. Quando falta água na torneira de muitas famílias, vemos que não há garantir deste direito a todos”, explica Paulo Tadeu Barausse, coordenador do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), uma das entidades que integram o coletivo Fórum das Águas.

Em ato simbólico houve plantio de mudas nas margens do Igarapé do Gigante, em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmas).

“Hoje podemos ver cardumes inteiros dessa espécie que não é nativa e que sabemos que causa grandes prejuízos ao bioma local. É um desafio muito grande que temos pela frente. Estamos propondo discutirmos o Plano Municipal de Saneamento Básico durante a gestão e monitoramento das águas em parceria com as universidades. Aqui, nos comprometemos a estabelecer um cronograma de atividade permanente com a missão de recuperar o Gigante”, afirmou o secretário municipal de Meio Ambiente, Antônio Stroski.

Os participantes cobraram ainda a fiscalização do poder público quanto ao serviço prestado pela concessionária Águas de Manaus a respeito da qualidade da água, do tratamento de esgoto e da taxação de 100% do valor da água para o esgotamento sanitário da cidade que é incipiente.

“São 20 anos de serviço privatizado na cidade de Manaus com um índice de apenas 20% de esgoto coletado na cidade. Está claro que esse modelo não funciona. Além disso, a concessionária afirma que atende 98% da população com água tratada, mas sabemos da realidade de bairros e comunidades que não têm acesso a isso. Manaus tem 53% de moradias consideradas irregulares, de palafitas e invasões e onde, claramente, esse serviço não chega”, afirmou o cientista social e pesquisador, Sandoval Rocha, jesuíta membro do Sares.

O ato iniciou com uma caminhada que saiu da Igreja Mãe de Deus e da Amazônia, no Conjunto Jardim de Versalles, mesmo bairro, onde aconteceu uma celebração pelo Dia Mundial da Água, às 8h, junto à comunidade.

Sobre o igarapé

Em 2022, o Igarapé do Gigante foi escolhido pelo coletivo Fórum das Águas Igarapé para representar a resistência e a importância da conservação dos cursos d’água em Manaus em alusão ao Dia Mundial da Água.

O igarapé tem sete quilômetros de extensão ao longo dos quais cruza vários bairros e comunidades da Zona Oeste de Manaus, recebendo dejetos e efluentes sem tratamento na maior parte dos seus sete quilômetros de extensão. Redenção, Planalto, Parque Mosaico, Lírio do Vale e Ponta Negra são os locais por onde o riacho passa até desaguar no rio Tarumã-Açú, tributário do Rio Negro.

Dia Mundial

Em sintonia com essa data, o Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES) promove a live “Água, Fonte de Vida” no Dia Mundial da Água, terça-feira, (22), às 10h, com o objetivo de refletir sobre os diversos aspectos e problemáticas que envolvem esse elemento essencial à vida.

Participam do evento online os professores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Erivaldo Cavalcanti, doutor em Desenvolvimento Sustentável e Mestre em Ciência Política e Ivânia Vieira, doutora em Processos Socioculturais na Amazônia; além dos doutorandos Nelson Felipe, em Meio Ambinete, e Solange Dmasceno, em Ciências do Ambiente e Sustentabilidade da Amazônia. A transmissão será feita pelo facebook do Sares: https://www.facebook.com/SaresSJ.

Sobre a data

Instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 21 de fevereiro de 1993, o Dia Mundial da Água, comemorado em 22 de março, foi criado para alertar a população mundial acerca da importância da preservação hídrica para a sobrevivência de todos os ecossistemas do planeta.

De acordo com a ONU, a água potável é um direito humano garantido por lei desde 2010. Mesmo o planeta Terra sendo constituído por aproximadamente 70% de água, apenas 0,7% de toda a água do mundo é potável. É considerada água potável a que é adequada para o consumo humano.

Sobre o Fórum

O Fórum das Águas tem como princípio ser espaço público, amplo e democrático, aberto ao debate de ideias e experiências, articulador de ações eficazes junto aos movimentos da sociedade civil, lideranças comunitárias, educadores ambientais e demais entidades com a proposta de incidir na construção de políticas sobre a água na cidade de Manaus. Reúne-se mensalmente às segundas-feiras, na terceira semana do mês.

Integram o Fórum das Águas: Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES); Movimento Salve o Mindu, da Universidade do Estado do Amazonas – UEA; Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Tarumã-Açu (CBHTA); Instituto Sumaúma; Escola Municipal Francisca Nunes; Movimento Cultufuturista da Amazônia; Levante Popular da Juventude; Engajamundo; Rede um grito pela vida; Conselho de Leigos e Leigas da Arquidiocese de Manaus; Comunidade Eclesial de Base (CEBs) regional Norte 1; Movimento Socioambiental SOS Encontro das Águas; Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas (SJPAM); Amigos Sementes da Natureza do Puraquequara; Parque Municipal Nascente do Mindu; Pastoral da Criança da Arquidiocese de Manaus; Equipe Itinerante; Movimento de Mulheres Negras da Floresta – Dandara; Fórum Permanente das Mulheres de Manaus.

Com informações da assessoria