Hoje, o ambiente de treino é onde Irmã Marluce se sente à vontade (Foto: Alfeu Tavares / Folha de Pernambuco)

Vídeos de uma senhora de 61 anos, de cabelos brancos, evangélica, fazendo exercícios de cross training têm circulado pelas redes sociais. Marluce Severina dos Santos, mais conhecida como Irmã Marluce no ambiente digital, é pernambucana, moradora de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife.

Foi a partir de um vídeo fazendo deadlift – movimento característico desse tipo de treinamento – com 85 kg que ela viralizou no Instagram. Mais de nove milhões de usuários visualizaram as imagens, enquanto outras centenas de milhares curtiram a publicação.

A conta na plataforma, criada pelo filho Javan, de 29 anos, tem ganhado muito destaque. O conteúdo, antes só postado nos grupos da família, começou a ser publicado e correr a web.

O caminho da emergência para a academia

A história que levou a senhora de 1,50m de altura, que treina sempre de saia, diariamente, há oito anos, para um ambiente que tem a cara de corpos padrões é pautada por altos, baixos e descobertas. “O motivo maior de eu vir para uma academia foi o meu estado de saúde. Eu estava muito debilitada. A pressão arterial estava oscilando muito, quase todo mês eu estava sendo socorrida”, lembra Marluce, que já se enquadrava como uma pessoa obesa, pesando quase 100 kg.

Na emergência, em um dos picos de pressão, Marluce recebeu o socorro necessário. O enfermeiro que a atendeu indicou uma consulta com o cardiologista. O conselho foi acatado, e rapidamente ela foi até o médico. O especialista constatou: todas as taxas estavam desreguladas. “Faça exercício físico, mude a alimentação”, o profissional foi categórico ao propor uma mudança completa de hábitos.

O apoio da filha, Jesana Keila, foi essencial no processo. Foi ela quem incentivou a mãe a procurar uma academia, ambiente que, vale salientar, Marluce nunca imaginou que fosse para ela, uma mulher de 53 anos à época, mãe de três filhos, avó de quatro netos.

“Eu pensava que a academia era símbolo de meninas saradas, meninos sarados, não ia ter lugar para mim”, lembra. E foi aí que ela se enganou. Ali, àquela altura ela ainda não sabia, não só havia lugar para ela, mas espaço para evolução e portas abertas para diversas mudanças.

O início dos treinos veio acompanhado de uma repaginação completa também na alimentação, inicialmente adaptada por ela e depois auxiliada por uma nutricionista. Marluce conta que não comia frutas, verduras, legumes, embora trabalhasse comercializando esses itens na feira de Cavaleiro, bairro de Jaboatão.

Religiosa, ela conta que as saídas do culto eram sempre seguidas de idas a lanchonetes: “A gente ia procurar aqueles pastelões grandões, bem recheados”.  Em alguns dias, ela lembra, não chegava a tomar sequer um copo completo de água. Hoje, a meta, quase sempre batida, é de três litros por dia.

Rede de apoio

“A gente sempre tomou muito cuidado com ela. Nosso objetivo sempre foi que ela tivesse qualidade melhor de vida e não que virasse uma atleta, só que ela se superou e foi dando segurança para gente pedir mais. E foi nessa que a gente foi aumentando a carga, dificultando os exercícios”, pontua.

Atualmente, na sua lista de treinamento, em um aplicativo, é possível ver as cargas que ela pega em cada exercício. Deadlift: 85 kg. Front squat: 65 kg. Overhead squat: 35 kg. Power snatch: 30 kg. E a lista segue dentro da plataforma.

Marluce se superou tanto que virou inspiração. Na academia, é comum alunas e alunos colocarem as suas cargas e repetições como parâmetros, conta o professor Hely Ribeiro, que já a acompanha há seis anos e destaca:

“Se eu tivesse descoberto isso antes…”
Olhando pelo retrovisor para a história de Marluce é de se entender o que a levou às complicações de saúde. A sua história se assemelha à de tantas outras pessoas dessa idade.

O ponto de virada, no entanto, foi decisivo para ela desfrutar de uma vida mais tranquila, cada vez mais longe de emergências hospitalares:

“Meu Deus, se eu tivesse descoberto isso antes, como eu estaria agora? Eu teria poupado muitas enfermidades. Se eu soubesse de reeducação alimentar antes, eu jamais iria comer tanto essas besteiras como eu comia”, lamenta.

De fato. O questionamento de Marluce não só faz sentido, como encontra respaldo científico. De acordo com o personal trainer e especialista em fisiologia do exercício e em avaliação da performance humana João Paulo Soares, “a prática regular de exercícios físicos pode proporcionar benefícios para todo e qualquer indivíduo como redução dos níveis de estresse, melhoria da imunidade, da autoestima e da qualidade do sono, prevenção e tratamento da ansiedade e da depressão, emagrecimento entre tantos outros”.

O profissional ainda pontua que, no caso da população idosa, a manutenção de uma rotina de exercícios é decisiva para garantir autonomia “pela manutenção de suas funções musculares e cognitivas”. Doenças crônicas – como hipertensão, diabetes e osteoporose – podem ser controladas e até mesmo prevenidas, destaca João Paulo.

O exemplo inspira e educa, e em um Brasil que busca alternativas para que a população se movimente a fim de evitar problemas de saúde física e mental, a história da pernambucana aparece como um modelo a ser seguido.

Idoso pode?

Com uma história como esta, ganhando destaque nas redes sociais, no Brasil e em outros países, as dúvidas naturalmente começam a surgir: Mas uma pessoa idosa pode fazer exercícios tão intensos? Ela não deveria pegar mais leve? Alguns mitos acompanham a ideia da prática de exercícios físicos por pessoas idosas.

Segundo João Paulo, a ideia de que a população nessa faixa etária só pode praticar atividades de baixa intensidade, a exemplo de caminhada e hidroginástica, é equivocada. “Quando se pensa na prescrição de exercício para esta população é indispensável levar em consideração as suas especificidades. Não é verdade que o idoso não pode praticar cross training e muito menos a musculação, é justamente o inverso. A prática da musculação é indicada pela alta possibilidade adaptativa da prática a qualquer indivíduo, incluindo aí as pessoas idosas, promovendo aumento de massa muscular, óssea e aumento do metabolismo basal, por exemplo, impactando diretamente na diminuição e controle de gordura, além de tantos outros benefícios”, detalha o personal.

Marluce é exemplo de que, se amparada e instruída, a prática desse tipo de treinamento pode ser muito benéfica para a população mais velha. Ela viu, dia a dia, a sua saúde ser restaurada. A consulta mais recente para check-up apontou que as taxas estão normalizadas. E o corpo sente o que os exames mostram.

“Nunca é tarde […] Corra atrás do prejuízo, ainda há tempo. Dá tempo para você se erguer, sair da cama, do sofá, do comodismo e fazer alguma coisa por você, pela sua saúde”, recomenda a senhora que, dia a dia, tem vencido diversas batalhas e inspirado cada vez mais pessoas.

Com informações da Folha de Pernambuco