
O cacique Raoni Metuktire, uma das principais lideranças indígenas do Brasil, foi a estrela no sábado (15 /11) em Belém de um pequeno evento na Zona Azul da COP30 — 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática —, a área onde participam as delegações oficiais e onde acontecem as negociações sobre o futuro do clima.
Mas a participação do líder do povo Mebêngôkre, também conhecido como Kayapó, falando para cerca de 60 pessoas no local, era uma espécie de protesto dele e de sua delegação.
A equipe de Raoni diz que ele não foi convidado para uma fala oficial na conferência, nem pela presidência da COP, coordenada pelo Brasil, nem pelo governo Lula.
O grupo conseguiu o espaço deste sábado com o apoio da delegação do governo do Panamá, que organizou o evento com o Instituto Raoni e um grupo de jovens ativistas no pavilhão The Climate Funds, que reúne fundos para o clima.
“A gente se sentiu frustrada com essa falta de diálogo. Era para ser o grande evento do Raoni aqui na COP como o maior líder dos povos indígenas. Ele deveria ter feito uma fala de abertura ou de encerramento e não tem nada programado”, contou Mayalu Kokometi Waura Txucarramãe, coordenadora financeira e administrativa do Instituto Raoni.
Segundo Waura, a equipe do instituto estava buscando um evento para que o cacique Raoni pudesse falar dentro da Zona Azul e “fazer incidência política” antes da sua volta ao território onde vive, no Mato Grosso, na segunda-feira (17/11).
“Ele vem fazendo essa luta, defendendo os direitos dos povos indígenas, não só dos Mebêngôkre”, seguiu a coordenadora do Instituto Raoni, frisando o reconhecimento da liderança também no exterior.
A coordenadora também se queixou da dificuldade de conseguir credenciais para a equipe. Foi a delegação do Panamá que conseguiu, segundo o instituto, documentação necessária para cerca de 30 pessoas do grupo.

Antes do gesto do Panamá, Raoni tinha credenciais para ele e mais três pessoas próximas da sua comitiva para circular na Zona Azul.
A quantidade, porém, foi considerada pela equipe um apoio mínimo por se tratar de um idoso de 93 anos, que precisa se locomover em uma cadeira de rodas e que está acostumado a estar rodeado de pessoas.
“Líderes da comunidade do cacique Raoni nos pediram apoio para poder fazer um evento aqui dentro da Zona Azul da COP. E como chefe da delegação do Panamá e também como vice-presidente da COP, conseguimos montar este espaço porque acreditamos que é necessário que as vozes indígenas sejam ouvidas aqui”, explicou Juan Carlos Monterrey Gómez, representante do Cambio Climático do Panamá.
Questionada, a assessoria de imprensa da COP 30 e da Secretaria de Comunicação da Presidência respondeu com uma manifestação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sobre o assunto.
O ministério respondeu que “desconhece as informações e não recebeu nenhuma comunicação formal por parte do Instituto [Raoni] com as críticas citadas”.
Sobre a crítica ao credenciamento de indígenas, o MPI disse que fez “uma grande articulação para garantir que esta seja a COP com maior e melhor participação indígena, em diferentes espaços”.
A pasta afirma ainda que credenciou 360 indígenas na Zona Azul como parte da delegação brasileira, por meio da iniciativa COParente, que realizou 15 encontros em todas as regiões do Brasil, dialogando com cerca de 2 mil lideranças indígenas brasileiras.
O número de indígenas brasileiros presentes como delegados na Zona Azul representa 12% do total de 3 mil informados como credenciados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O governo brasileiro também informou que a entrada do cacique Raoni aconteceu pela área de autoridades, com escolta da Polícia Oficial da ONU, e que a equipe do MPI o acompanhou durante as reuniões realizadas na Zona Azul no sábado e garantiu que não houvesse qualquer problema de acesso, em contato direto com a equipe da Presidência da COP30.

Cântico caiapó
As queixas de Raoni e de sua delegação para encontrar um espaço para discursar na primeira COP da Amazônia contrasta com a imagem dele subindo a rampa do Palácio do Planalto em janeiro de 2023, de braços dados com o presidente recém empossado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na semana passada, Raoni já havia cobrado, em declaração exclusiva enviada à BBC News Brasil, a promessa de Lula de que “iria demarcar todas as terras [indígenas]”.
Desde que assumiu o terceiro mandato, Lula demarcou 16 territórios, o que, segundo o portal do governo, já supera o compromisso firmado no começo do mandato. Há, no entanto, uma campanha para que o presidente formalize outras 67 terras.
Na tarde de sábado, Raoni chegou ao espaço reservado no pavilhão The Climate Funds em Belém acompanhado da ministra do MPI, Sônia Guajajara, que fez uma fala curta e se retirou depois.
“Quero compartilhar com todas as autoridades presentes que vocês precisam defender a floresta pela verdade”, disse Raoni, perguntado sobre o sentido da COP30, que tem sido chamada pelo governo brasileiro de “COP da Verdade e da implementação”.
Raoni também disse que parte do dinheiro que está sendo enviado para os povos indígenas não está chegando a eles.
“Esse dinheiro tem que ser mandado para nós, para que a gente possa, além de fazer o nosso trabalho, proteger também nossas terras”, afirmou.
Após o discurso, o líder Megaron Txucarramãe, já anunciado como futuro sucessor de Raoni, pediu para as mulheres Kayapó cantassem como acontece nos territórios kayapó. Raoni mora na Terra Indígena Capoto-Jarina, no Mato Grosso.
“Ela [Sônia Guajajara] lutou muito para ter um espaço dos povos indígenas aqui na COP, mas eu acho que a decisão não recai só sobre a ministra. Eu acho que é uma decisão presidencial. Querendo ou não, o Brasil colocou um homem branco como presidente dessa COP”, criticou Paloma Costa, ativista brasileira, co-fundadora do Youth Climate Justice Fund, e uma das organizadoras do evento com Raoni.













