Foto: Valter Campanato / Agência Brasil

Em meio a crescentes tensões comerciais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o impasse nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos foi intensificado porque o governo do presidente norte-americano Donald Trump quer “ o que não pode ser entregue ”. Nesta segunda-feira (18), Haddad destacou que o Brasil tem boa-fé para negociar, mas o mesmo não ocorre do outro lado, já que a Casa Branca estaria, segundo ele, apresentando uma “má vontade” para dialogar.

A tentativa de uma reunião, que ocorreria na quarta-feira (13) entre Haddad e Scott Ben, secretário do Tesouro dos EUA, foi cancelada de última hora, frustrando os esforços brasileiros para discutir a “guerra tarifária “. Haddad fez questão de frisar que o Brasil tentou “demonstrar que não faltava iniciativa no sentido de buscar uma aproximação com o governo dos Estados Unidos” e o cancelamento repentino deixou claro que a “má vontade não partia do Brasil, de que a má vontade partia dos Estados Unidos”.

“Pairava no ar uma dúvida: será que o governo brasileiro está disposto a negociar? Será que o governo brasileiro está fazendo gestão diplomática junto ao governo dos Estados Unidos para sentar à mesa? E nós quisemos dissipar essa dúvida, demonstrando cabalmente, até por documentos, de que a má vontade não partia do Brasil, de que a má vontade partia dos Estados Unidos”, ressaltou Haddad durante evento realizado pela CNBC e pelo Financial Times, em São Paulo.

Segundo Haddad, os Estados Unidos estão “tentando impor ao Brasil uma solução constitucionalmente impossível” para a alta de até 50% nas tarifas de importação atribuídas pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros. O ministro explicou que a exigência norte-americana envolve o Executivo brasileiro se intrometer “em assuntos de outro Poder, que é o Poder Judiciário”, para intervir no julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe de Estado que levou aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, e que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como réu no chamado “Núcleo Crucial” da suposta trama golpista.

Sobre isso, Haddad ressaltou que o Brasil não possui uma “situação constitucional que nos permitisse política e juridicamente atuar no caso” de Bolsonaro. Essa demanda, que o ministro descreveu como “pedir o que não pode ser entregue, pedir o que não pode ser oferecido”, gerou um impasse entre os dois países. “Não sei a quantos brasileiros essa informação chegou, mas hoje nós temos documentos oficiais demonstrando que a negociação só não ocorre porque os Estados Unidos estão tentando impor ao Brasil uma solução constitucionalmente impossível, que é o executivo se imiscuir em assuntos de outro Poder”, disse.

Comparação com Lula

Haddad fez um paralelo entre a situação atual, envolvendo o ex-presidente Bolsonaro, com o caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que também enfrentou um julgamento e, apesar disso, não articulou para que outros países interferissem na soberania brasileira. Segundo o ministro, Lula deu “uma demonstração de respeito à Constituição ao enfrentar todos os desafios exigíveis de um ser humano para que a justiça fosse feita”, sendo o “único ser humano do mundo inteiro” a recorrer ao Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) “para que a parcialidade do seu julgamento fosse atestada”.

Mesmo com uma decisão unânime da ONU a favor de Lula, afirmou Haddad, o STF não reconheceu a avaliação do Alto Comissariado e o petista permaneceu inelegível, não podendo recorrer às eleições presidenciais em 2018. “O STF brasileiro não reconheceu a decisão da ONU e Lula lançou um candidato, que no caso fui eu, em sua substituição. Disputei as eleições, perdi as eleições. No dia seguinte das eleições, cumprimentei meu adversário, fui ministrar aula. E eu penso que um Brasil, um país civilizado, é um país que age dessa maneira. Ninguém ficou contestando resultado, ninguém ficou contestando fake news, ninguém ficou contestando nada”, argumentou.

Para Haddad, essa situação foi exemplo da resiliência democrática do Brasil e deveria servir de exemplo para outros líderes políticos. No entanto, a ala ligada à direita política tem recorrido aos EUA para impor sanções ao Brasil e, com isso, coloca em risco a soberania brasileira. Por isso, a percepção do ministro é que a atual administração norte-americana parece mais interessada em se relacionar “com a extrema-direita brasileira do que com o governo”.

O presidente Donald Trump durante encontro com líderes africanos, na Casa Branca – Foto: Daniel Torok / Divulgação Casa Branca

Apesar do cenário, Haddad defendeu a manutenção de relações com o Estado norte-americano, independentemente do governo vigente. “Eu como ministro não tenho relações com governos, eu tenho relações com estados”, afirmou, reforçando que “para nós é muito importante a parceria com os Estados Unidos pro Brasil”. Ele lamentou a queda do comércio bilateral, que representava 25% das exportações brasileiras no início do século e hoje significa apenas 12%, com tendência de queda.

Busca por parcerias

Em relação à capacidade do Brasil de suportar uma guerra tarifária prolongada, Haddad expressou otimismo, destacando a “resiliência democrática” brasileira. Ele reiterou que o Brasil é “signatário de todos os acordos internacionais que dizem respeito a direitos humanos” e tem uma “história de paz, de busca de cooperação”.

O ministro ressaltou que o governo brasileiro não se limita a um único bloco comercial e explicou que, embora os BRICS sejam o principal destino das exportações brasileiras, o presidente Lula “faz tanta gestão em relação aos Brics quanto faz em relação ao acordo com a União Europeia”. Ele enfatizou que o Brasil “não dá para ser quintal de ninguém pela sua dimensão” e que “não podemos escolher bloco” nas relações comerciais e econômicas.

Diante do impasse com os EUA, Haddad assegurou que agenda brasileira em busca de parcerias se estende a diversas frentes, como a “transformação ecológica”, onde o Brasil tem “biocombustível”, “minerais críticos”, e potencial para produzir “bateria” e “carro elétrico”, além de possuir o “melhor vento” e “melhor sol para produção de energia limpa”. Além disso, o ministro se mostrou confiante na assinatura do acordo Mercosul-União Europeia e disse que a superação do último entrave ocorrerá “até o final do ano”.

Uma das grandes apostas para a competitividade brasileira é a reforma tributária, descrita por Haddad como a “maior reforma tributária já feita no Brasil e a única feita em regime democrático”. Ele acredita que essa a nova regra de tributação, levada 40 anos para ser concluída, chegou “no melhor momento, talvez no último momento possível”, garantindo a capacidade do Brasil de competir em um mundo em que o protecionismo está em ascensão.

Plano de contingência para exportadores

Diante da tarifa adicional de 40% imposta pelos EUA, somada à tarifa padrão de 10%, o governo brasileiro instituiu um plano de contingência para ajudar o setor exportador. Haddad classificou as medidas como “extraordinárias” e “muito bem desenhadas, bem circunscritas aos problemas que ela está tentando resolver”. Ele mencionou que o programa foi cuidadosamente calibrado ao longo de 15 dias, com a participação de empresários e trabalhadores.

O plano inclui a condição de não demissão de funcionários, com a possibilidade de flexibilização para empresas em situações extremas. Além das medidas emergenciais, foram feitas mudanças estruturais, redesenhando as regras de crédito e seguro para exportação, visando fortalecer o setor até que a reforma tributária entre plenamente em vigor em 2027.

Sobre a economia geral, Haddad reconheceu uma desaceleração, mas se mostrou otimista quanto às projeções de crescimento e controle da inflação, contrariando previsões mais pessimistas do início do governo Lula. Para o próximo ano eleitoral, Haddad garantiu o “cumprimento do que está pactuado” em termos fiscais, reafirmando o compromisso com o arcabouço fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

*Com informações de IG