Um estudo inédito publicado na revista The Lancet estima que uma em cada seis mulheres (17,7%) e um em cada oito homens (12,5%) com 20 anos ou mais no Brasil tenham sofrido violência sexual na infância e/ou na adolescência.
Apesar de altos, os dados brasileiros são inferiores aos de outros países da América Latina. No Chile (31,4%) e na Costa Rica (30,9%), quase um terço das mulheres relata ter sofrido esse tipo de violência. Entre os homens, as estimativas são de 14,5% no Chile e de 19% na Costa Rica.
Este é um dos primeiros estudos a estimar a prevalência global da violência sexual na infância e adolescência em 204 países, por idade e sexo, entre 1990 e 2023. Foram analisadas diversas pesquisas internacionais e incluídos casos de relações sexuais forçadas ou toques indesejados com conotação sexual ocorridos antes dos 18 anos.
O estudo aponta que no mundo, 18,9% das mulheres e 14,8% dos homens sofreram abuso sexual na infância. Os maiores índices de violência contra mulheres foram no sul da Ásia, variando de 9,3% em Bangladesh a 30,8% na Índia. Entre os homens, as maiores taxas foram na África Subsaariana, de 7,9% no Zimbábue a 28,3% na Costa do Marfim.
Os pesquisadores destacam a dificuldade de saber se as diferenças refletem variações reais na prevalência ou se são resultado de níveis distintos de notificação. Luisa Flor, professora assistente da Universidade de Washington (nos EUA) e uma das autoras do estudo, afirma que os números podem ser ainda maiores devido à subnotificação dos casos de violência sexual.
“Quem sobrevive à violência costuma enfrentar barreiras como vergonha, estigma e medo, que dificultam a denúncia ou a busca por ajuda”, diz.
Segundo a pesquisadora, os índices do Brasil podem ser explicados pelas desigualdades estruturais e vulnerabilidades sociais presentes no país, com muitas crianças que vivem em condições de pobreza ou instabilidade.
Além disso, muitas crianças e famílias não reconhecem situações abusivas ou desconhecem seus direitos, sobretudo quando o abuso ocorre dentro de relações ou instituições de confiança. Isso pode atrasar ou impedir a denúncia, o que prolonga a exposição à violência.
Dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública mostram que em 2024 foram registrados ao menos 78.395 denúncias de estupro no Brasil –uma média de nove ocorrências por hora. A maioria das vítimas eram mulheres (67.820). Homens representaram 9.676 dos casos. Em 899 registros, o gênero não foi informado.
Para Flor, os dados sobre violência sexual infantil evidenciam que o problema é mais do que uma questão social ou criminal, mas também um grave problema de saúde pública, tanto no Brasil quanto no mundo, por causa dos impactos graves e duradouros na saúde física e mental.
“Essas experiências podem deixar marcas que persistem por toda a vida, afetando o bem-estar geral, as relações sociais e a capacidade de desenvolvimento pleno das vítimas.”
A pesquisa mostra que pessoas que sofreram abuso sexual na infância e adolescência enfrentam riscos aumentados de desenvolver transtorno depressivo, ansiedade, uso de substâncias e condições crônicas como asma e infecções sexualmente transmissíveis.
Muitas vítimas de abuso também desenvolvem ainda na infância dificuldades cognitivas que persistem na vida adulta, como problemas de atenção e aprendizado, segundo a psicóloga Cláudia Melo, perita em crime de pedofilia e especialista no atendimento a crianças e adolescentes.
“Em alguns casos, a dor é tão profunda que pode levar até a pensamentos suicidas. São crianças e adolescentes que crescem sem conseguir confiar nas pessoas, com sentimentos de culpa e vergonha por algo que nunca foi responsabilidade delas”, diz.
“O corpo adoece quando a dor não é expressa. Muitos buscam anestesiar o sofrimento com álcool, drogas ou compulsões, algo comum na clínica, mas nem sempre reconhecido como efeito da violência sexual.”
Para Luísa Flor, o Brasil possui marcos legais importantes para a proteção das crianças, como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Plano Nacional de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes e leis de notificação obrigatória. No entanto, a implementação dessas políticas enfrenta desafios.
“Em muitas áreas, especialmente nas mais remotas ou empobrecidas, os serviços de proteção à infância são insuficientes, mal financiados e com equipes reduzidas, o que compromete o apoio às vítimas.”
Outro desafio importante, diz a pesquisadora, é a falta de articulação entre os setores responsáveis: saúde, educação, assistência social e segurança pública. “O enfrentamento eficaz do abuso sexual infantil exige um sistema integrado, que assegure atendimento médico, apoio psicológico e jurídico às vítimas, além de responsabilização dos agressores”, destaca.
Itamar Gonçalves, gerente de advocacy da Childhood Brasil, responsável por articular políticas públicas e influenciar mudanças legislativas, considera que o país ainda não possui uma política nacional efetiva de enfrentamento à violência sexual infantil.
“Estamos em 2025 e seguimos sem um plano coordenado. Os municípios não sabem como agir. Mesmo com um decreto de regulamentação da Lei da Escuta Protegida, ainda há muitas dúvidas sobre os fluxos e protocolos a seguir”, afirma.
A legislação estabelece diretrizes para o atendimento humanizado de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, a fim de evitar a revitimização durante a apuração dos casos. É necessário garantir um ambiente protegido, com o apoio de profissionais capacitados, e impedir o contato com o agressor.
Segundo Gonçalves, a falta de padronização e integração entre os órgãos dificulta o monitoramento e a resposta. “Se você for até a segurança pública, vai encontrar um número. Na saúde e no conselho tutelar, outro. Isso impede uma resposta articulada e eficaz”, conclui.
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