Áreas de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami vistas em sobrevoo ao longo do rio Mucajaí em Roraima (Foto: Fernando Frazão em 10/2/2023 / Agência Brasil)

O garimpo ilegal está avançando mais rapidamente do que a mineração industrial no Brasil. A conclusão é de um estudo publicado por pesquisadores brasileiros na revista Nature.

Ao longo de quatro anos, eles traçaram um panorama da atividade baseada na extração de minerais no país, analisando imagens de satélite disponibilizadas gratuitamente pela Nasa.

Os pesquisadores observaram que, de 2019 a 2022, a exploração ilegal de minérios teve um salto de 1.200%, enquanto a mineração industrial aumentou apenas cinco vezes no mesmo período. De toda essa área comprometida com o garimpo, 91% pertencem à Amazônia.

De acordo com Luiz Ferreira Neto, coautor da publicação, estudos prévios já indicavam que a atividade garimpeira ilegal vinha historicamente ultrapassando a mineração industrial, principalmente na Amazônia.

Mas não havia até então um mapeamento que demonstrasse esse avanço. “Foi importante ver essa dinâmica representada nos textos e poder confirmar isso com os mapas”, diz.

Para se ter uma dimensão do crescimento exponencial do garimpo ilegal no país, em 1985, a mineração industrial ocupava cerca de 360 quilômetros quadrados, enquanto o garimpo cobria 218 quilômetros quadrados. Em 2022, a atividade industrial alcançou uma área de 1.800 quilômetros quadrados, enquanto o garimpo cobria 218 quilômetros quadrados. Em 2022, a atividade industrial alcançou uma área de 1.800 quilômetros quadrados, enquanto o garimpo atingiu 2.627 quilômetros quadrados.

Segundo o mapeamento desenvolvido pelos pesquisadores, nas regiões com cinco anos ou menos de atividade ilegal, 62% das áreas estão dentro de terras indígenas. Essas áreas, pela legislação brasileira, deveriam ser protegidas desse tipo de intervenção.

Hoje, os povos kayapó e munduruku, no Pará, e yanomami, em Roraima, são os que mais sofrem em decorrência do garimpo ilegal. Os territórios deles concentram 90% da mineração ilegal dentro de terras indígenas.

O geógrafo Arlesson Souza, que também foi um dos responsáveis pelo estudo publicado na Nature, afirma que esses povos sofrem uma pressão dupla.

De um lado, ficam expostos a doenças, com a contaminação dos rios por mercúrio e outras ações que alteram o modo de vida das comunidades tradicionais e sua relação com o meio ambiente. Por outro, esses povos têm de conviver com uma rede de atividades ilegais que passa a adentrar a Amazônia.

“Do ponto de vista do espaço, o garimpo está atrelado a um emaranhado de problemas, como prostituição, trabalho similar à escravidão e o avanço das facções criminosas. A situação é preocupante por todos esses processos, com impactos sociais e ligados à natureza”, afirma.

A ANM (Agência Nacional de Mineração) ressalta que não dá prosseguimento a requerimentos de PLGs (Permissões de Lavra Garimpeiras) em Terras Indígenas (TI) ou em Unidades de Conservação (UC), em que a mineração é proibida por lei ou naquelas cujo plano de manejo não permite.

As formas da ilegalidade

Para mapear o avanço do garimpo ilegal no Brasil, os pesquisadores utilizaram a plataforma Google Earth Engine e coleções de imagens do Landsat, um programa de satélites de observação da Terra gerido pela Nasa, em parceria com o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS).

Além do processamento e filtragem das imagens, também houve o cruzamento do material com bases de dados brasileiras sobre a permissão de lavras garimpeiras, terras indígenas e unidades de conservação. Isso contribuiu para que a pesquisa identificasse áreas de atividade ilegal.

Os pesquisadores detectaram algumas semelhanças entre os espaços de mineração fora da lei. Entre elas, estão a destruição de calhas de rios, erosão na borda dos cursos d’água e a existência de “piscinas” para a separação dos minérios.

Em contrapartida, no ambiente industrial o que se viu foi uma atividade que considera a preocupação com o entorno, apesar do impacto no meio ambiente. “Na área industrial existe controle de encostas. Se houve desmatamento, tem reposição de vegetação”, destaca Neto.

Mais fiscalização e mobilização social

Para Neto, esse salto do garimpo ilegal é um indicador de que a fiscalização da atividade mineradora precisa melhorar no país. “Vemos que a mineração industrial é muito mais estável no processo de crescimento, muito provavelmente por obedecer às normas. O garimpo, além de ser uma atividade ilegal, está muitas vezes em áreas de difícil acesso, até para a fiscalização”, explica.

Souza, por sua vez, afirma que a atuação de agentes políticos que defendem a exploração ilegal de minérios, com projetos de lei a favor dessa atividade, também é um fator a ser considerado na avaliação desse cenário e das providências para revertê-lo.

“É preciso uma maior movimentação da sociedade para discutir essa realidade. Precisamos repensar a região da Amazônia não só como fornecedora de matéria-prima, mas também oferecer melhores condições para a população que vive ali”, defende.

Os pesquisadores pretendem lançar ainda em 2025 uma iniciativa de monitoramento diário do garimpo no Brasil. O projeto deve utilizar a metodologia desenvolvida no estudo publicado na Nature e ter entre os parceiros a organização MapBiomas.

Com informações do Ecoa / Uol