Um impasse entre Celso Amorim, assessor especial da Presidência, e o Ministério da Defesa travou a compra de 36 blindados fabricados por Israel.
O Exército investe em um programa de modernização de sua infantaria mecanizada desde 2017. A licitação internacional foi vencida pela empresa Elbit Systems, de Israel, mas o ex-chanceler convenceu o presidente Lula (PT) a segurar o negócio.
Amorim usou as críticas que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, fez ao presidente brasileiro. Lula foi declarado “persona non grata” pelo governo de Israel depois que igualou a situação dos palestinos durante a guerra contra o Hamas ao Holocausto.
A interrupção do negócio deixou o Exército descontente. O equipamento israelense foi muito superior aos concorrentes nas avaliações técnicas. A compra das armas de guerra, chamadas de viaturas blindadas de combate obuseiro, está avaliada em R$ 1 bilhão.
A aquisição é essencial para o Programa Forças Blindadas. O projeto deixaria o Brasil na liderança da infantaria nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos. Também atrapalha planos a longo prazo.
A implementação do Forças Blindadas necessita de uma série de mudanças nos processos do Exército. Estão incluídos treinamentos da tropa e nova doutrina de operação de uma série de blindados. A interrupção da compra atrasa o cronograma e deixa o processo de modernização capenga.
A queda de braço se arrasta desde abril e fez o ministro da Defesa entrar em cena. José Múcio colocou um plano em andamento para convencer Lula a mudar de ideia e retomar a aquisição dos veículos.
Impasse com Israel
Insatisfeito com a atitude de Israel contra o Brasil, Amorim interferiu para que a compra não acontecesse. Na visão do ex-chanceler, principal conselheiro de Lula para assuntos internacionais, não faz sentido seguir com negociações com um país que destrata seu principal líder.
A Defesa e o Exército dizem que é assunto de Estado. Tanto o ministério quanto a corporação argumentam que, embora Netanyahu tenha destratado Lula, o Brasil mantém as relações diplomáticas com Israel. Defendem que esta seria uma controvérsia entre os governantes, enquanto os blindados em questão duram mais do que os mandatos do petista e do premiê.
Amorim questionou se o contrato não poderia ser repassado ao segundo colocado da licitação, uma empresa tcheca. O pedido foi rechaçado pela Defesa, sob a explicação de que não haveria argumentos técnicos para fazer a mudança e isso poderia abrir um precedente “perigoso”.
Múcio acena ao PT
O ministro da Defesa vai apostar na produção nacional para a compra dos 36 obuseiros sair do papel. Segundo fontes ligadas ao Planalto, Múcio procurou diretamente representantes da Elbit Systems no Brasil e ouviu que, caso o negócio seja fechado, há a intenção de construir uma nova fábrica para fazer os blindados aqui. A empresa já tem duas plantas no país: no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro.
Haveria uma espécie de teste. As duas primeiras unidades seriam feitas com 60% de peças de Israel e 40% daqui, para que os equipamentos sejam testados e possam comprovar que atendem as especificações do Exército.
As demais 34 viaturas obuseiras seriam de fabricação nacional. Todos os equipamentos seriam feitos numa nova planta da Elbit Systems no país, a ser finalizada até 2027.
Esta foi a proposta levada por Múcio a Lula na última semana. De acordo com apuração do UOL, Lula disse ao ministro que vai “resolver a questão”. Não foi estipulado um prazo para uma decisão final.
Criar empregos que envolvem alta tecnologia é considerado um argumento para obter apoio do PT. O partido de Lula é defensor de abertura de vagas de mão de obra qualificada e da reindustrialização.
Outra frente seria confrontar o argumento de Celso Amorim. Na semana passada, o ministro da Defesa enviou um ofício ao TCU (Tribunal de Contas da União) ressaltando a impossibilidade de escolher o segundo colocado na licitação internacional. É esperado que o órgão dê uma resposta ainda nesta semana.
A Defesa espera que a proposta de usar o equipamento tcheco seja negada. O Exército lamenta que isso atrase um processo que já se arrasta desde 2017.
Importância estratégica dos obuseiros
O obuseiro é uma arma capaz de atirar um projétil a longas distâncias. O equipamento selecionado pelo Exército tem canhão de 155 milímetros montado sobre um carro blindado. O disparo descreve uma trajetória em parábola que passa por cima das tropas aliadas e atinge os adversários que estão a quilômetros de distância.
Os obuseiros selecionados pelo Exército complementam outros blindados: Guarani, Centauro e Guaicuru. O trio é armado com metralhadoras de grosso calibre, mísseis e canhões. Um oficial do Exército explicou ao UOL as razões que fizeram o modelo israelense ser selecionado para operar com estes blindados.
O primeiro diferencial é a velocidade. As viaturas obuseiras chegam a 120km/h quando trafegam sobre estradas. Em modo off-road, são capazes de atingir 80 km/h. Desta forma, estão aptos a seguir os demais blindados.
Um obuseiro que fica para trás no campo de batalha pode ficar inoperante. Ele fica tão distante das tropas aliadas que seu projétil pode se transformar em fogo amigo, por isso a artilharia não é acionada.
Ter rodas é outro fator positivo. Veículos com lagartas, aquela esteira que aparece abaixo da imagem tradicional do tanque de guerra, desenvolvem menor velocidade. Outra desvantagem deste sistema de locomoção é que o atrito com o asfalto estraga as estradas e a própria lagarta.
A rapidez para deixar o obuseiro israelense pronto para disparo é o último diferencial mencionado. Sistemas computadorizados fazem os ajustes nas peças para o equipamento ficar pronto para atirar. Por estar sobre um veículo, não é preciso fazer ações de estabilização antes do tiro.
Para comparação, há obuseiros puxados por caminhões. Eles precisam ser desacoplados, fixados no chão em buracos a serem cavados por soldados e ter as peças alinhadas. O processo pode demorar até meia hora, quando o alvo já pode ter saído do raio de ação.
Como foi a licitação
O Exército terminou o processo em abril. A escolha é feita por meio de um processo chamado de compra internacional. Segundo apuração, o equipamento israelense foi considerado o melhor por “margens bastante amplas”.
O passo seguinte foi o Estado-Maior do Exército dar andamento à aquisição. Esta foi a fase da interrupção do negócio. O controle da aquisição saiu das Forças Armadas e a definição ficou com agentes políticos.
A proposta isralense é considerada muito melhor. As outras opções de viaturas obuseiras que foram classificadas para participar da compra internacional são de empresas da República Tcheca, da França e da China.
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