A rãzinha-do-tepequém (Anomaloglossus tepequem) costumava ser observada em abundância em riachos da Serra do Tepequém, no estado de Roraima.
Endêmica do Brasil e dessa localidade em específico, ou seja, só encontrada ali e em nenhum outro lugar do planeta, acredita-se que ela tenha desaparecido da natureza. Desde a década de 1990, nunca mais essa espécie amazônica foi vista.
Essa rã é um das 26 classificadas como possivelmente extintas no país, segundo o mais novo levantamento global de anfíbios feito pela União Internacional para a Conservação das Espécies da Natureza (IUCN). E os números são assustadores. Dois em cada cinco deles estão ameaçados.
O estudo teve a participação de mais de mil especialistas ao redor do mundo. Foram analisadas 8 mil espécies de anfíbios — entre sapos, rãs, salamandras, cobras-cegas e outros —, quase 3 mil a mais do que na última análise, realizada em 2004.
O grande destaque desta vez é o papel cada vez maior das alterações climáticas para o declínio global de anfíbios, considerados os mais ameaçados entre a classe dos animais vertebrados. Nada mais do que 40% de suas espécies estão com algum risco de extinção.
Desmatamento, perda de habitat e a ocorrência de doenças, como a quitridiomicose, que tem devastado populações inteiras, já eram fatores mais amplamente documentados como ameaças, mas agora os biólogos alertam que o aumento da temperatura, a baixa umidade e a seca, consequências das mudanças no clima, estão aumentando ainda mais a pressão sobre muitas espécies de anfíbios.
De acordo com o estudo, de 2004 a 2022, mais de 300 espécies foram levadas bem próximas à extinção e 30% desses casos foram provocados, principalmente, pela crise climática.
“A água é essencial para a reprodução dos anfíbios. É nela que eles se reproduzem e os girinos nascem”, explica o biólogo Iberê Farina Machado, coordenador da Avaliação de Anfíbios no Brasil da Comissão de Sobrevivência das Espécies da IUCN e um dos coautores do artigo.
Além disso, alterações na temperatura e na umidade impactam a saúde e colocam em risco a sobrevivência desses bichos.
“Os anfíbios possuem a pele úmida e é através dela que respiram. Algumas espécies usam uma certa porcentagem maior do pulmão e outra da pele para a troca gasosa ou vice-versa. Se o clima está seco demais, isso afeta a respiração deles.” disse Iberê Farina Machado.
26 espécies possivelmente extintas no Brasil
O Brasil é o país com maior diversidade mundial em anfíbios, abrigando cerca de 1.200 espécies. Quase um terço delas foram avaliadas pela primeira vez nesse novo relatório.
A avaliação apontou que 189 espécies estão atualmente classificadas como criticamente ameaçadas, em perigo ou vulneráveis à extinção no Brasil. E o que preocupa mais é que a grande maioria delas é endêmica.
“O cenário é ainda mais sombrio quando temos em conta as 26 espécies classificadas como possivelmente extintas, não tendo sido avistadas em ambientes naturais desde a década de 1980 ou antes.” disse Iberê Farina Machado.
É o caso da rãzinha-verrugosa-do-itatiaia (Holoaden bradei) e a rã-das-pedras-de-petrópolis (Thoropa petropolitana), ambas encontradas no século passado na Mata Atlântica.
Entretanto, a última vez que a petropolitana foi avistada nos riachos da serra fluminense foi em 1982.
O biólogo esclarece que, no Brasil, o desmatamento e a expansão agropecuária e urbana continuam sendo os principais responsáveis pela extinção de anfíbios. Todavia, as alterações climáticas estão cada vez mais presentes.
Estima-se que nos últimos 40 anos, por exemplo, a Amazônia tenha ficado 1 ºC mais quente e apresentado uma taxa de redução de chuvas de até 36% em algumas áreas.
As secas extremas no bioma são cada vez mais recorrentes.
Neste exato momento, os estados amazônicos vivem uma das piores estiagens de sua história. Rios secaram e a navegação foi interrompida, deixando populações ribeirinhas sem acesso a alimentos e água potável. Mais de cem botos foram encontrados mortos no Lago de Tefé.
“À medida que os humanos provocam mudanças no clima e nos habitats, os anfíbios são incapazes de se deslocar muito longe para escapar do aumento da frequência e da intensidade do calor extremo, dos incêndios florestais, da seca e dos furacões acarretados pelas alterações climáticas.” afirmou Jennifer Luedtke Swandby, coordenadora da Autoridade da Lista Vermelha do Grupo de Especialistas em Anfíbios da IUCN e uma das envolvidas no estudo.
Anfíbios de altitude são os mais afetados
Seca e estiagem são sinônimos de falta de água e umidade. Nesse cenário desolador para a sobrevivência dos anfíbios, imagina-se que aqueles que vivem mais perto do solo seriam os mais impactados.
Contudo, não é bem assim. As espécies que habitam áreas mais altas, acima dos 1.600 metros de altitude, perecem mais rapidamente.
Em regiões de grandes serras, como o Parque Nacional do Itatiaia, no Rio de Janeiro, ou no Monte Roraima, ao norte do país, sapos, rãs, pererecas e demais anfíbios sofrem mais com os distúrbios climáticos.
“Temos percebido as linhas das nuvens cada vez mais altas, ou seja, há menos umidade disponível para eles no topo das montanhas. E como eles não conseguem escapar mais para o alto, acabam se tornando reféns do clima”, diz o biólogo brasileiro.
A perda de tantas espécies e a iminente extinção de possíveis outras são um novo alerta sobre a necessidade urgente de se conter as causas das mudanças climáticas e mitigar seus efeitos.
Os anfíbios são importantes bioindicadores da saúde de seus ecossistemas e, consequentemente, do planeta.
“O mundo aquecendo vai perdendo muitas mais espécies do que seres humanos e eles nos servem como um alerta”, afirma Machado.
“Os anfíbios estão desaparecendo mais rapidamente do que podemos estudá-los, mas a lista de razões para protegê-los é longa, incluindo seu papel na medicina, no controle de pragas, alertando-nos para as condições ambientais e tornando o planeta mais bonito.” concluiu Kelsey Neam, coordenadora de prioridades e métricas de espécies da Re:wild e uma das principais autoras do estudo.
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