Quando Luiz Inácio Lula da Silva apresentou a socióloga Rosângela Silva, a Janja, como sua namorada ao deixar a prisão na tarde de 8 de novembro de 2019, em Curitiba, antigos companheiros do PT avaliaram que o “animal político” renovava ali o ânimo do partido para a corrida ao Palácio do Planalto. Mais de três anos depois, porém, a agora primeira-dama é vista como problema para um governo com entraves na articulação política. E a crítica vem justamente de velhos amigos do presidente, ministros e líderes de partidos.
Senadores e deputados petistas dizem que Janja se colocou como um poder entre o gabinete presidencial, a base aliada e ministros. Ainda na transição, ela tentou ser nomeada para um cargo no Planalto. Assessores avisaram Lula, no entanto, que isso era “nepotismo”. Sem função formal, a primeira-dama se instalou num gabinete de 25 metros quadrados bem ao lado da sala do presidente, no terceiro andar, e dali em diante tem aumentado seu espaço no governo.
Sob o argumento de que quer “ressignificar” o papel de primeira-dama, Janja participa de reuniões do presidente com ministros, impõe medidas para as áreas econômica, social e política, dá palpite sobre o relacionamento com os militares e afasta Lula de deputados e senadores.
O Estadão apurou que a primeira-dama tem interferido em questões de governo, especialmente na publicidade, indo além de meras opiniões sobre peças de campanhas e com poder de veto. Janja determina mudanças, trocas e até barra campanhas importantes. Se ela não gostar, a propaganda não vai adiante.
Foi a primeira-dama, por exemplo, que barrou uma proposta do PT de remunerar blogueiros alinhados ao governo. Havia pressão do partido e do próprio ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, mas a decisão final foi de Janja. Ela determinou que os blogueiros continuassem na militância, sem remuneração. A primeira-dama também defende uma comunicação mais voltada para as TVs abertas. O governo nega que Janja tenha interferência na área de comunicação ou publicidade institucional.
Um integrante do primeiro escalão disse ao Estadão que Janja atropelou o rito de conversas com a equipe econômica ao fazer um pedido expresso para redução dos juros do cartão de crédito.
Auxiliares da Fazenda foram destacados para tocar a medida. Todos temem, no entanto, falar abertamente sobre Janja. “Me tira dessa” ou “Imagine se eu falar alguma coisa” são as frases mais ouvidas quando o assunto se refere à primeira-dama.
Insatisfação
Pelo relato de um interlocutor do Planalto, o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, comentou numa reunião com Lula sobre a crise na articulação política. Ao fim do encontro, a primeira-dama o acompanhou até a porta. Na despedida, Janja pediu a ele que não levasse mais aquele tipo de problema para o presidente. Procurado, Dias também negou o diálogo. “Estranho essa história. Nunca houve este diálogo. Costumo receber os problemas e levar solução. Levo ao presidente apenas o que depende de sua decisão”, disse por meio da assessoria.
Outro interlocutor contou que o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), procurou Lula para alertá-lo sobre a insatisfação de companheiros com atitudes de Janja. O presidente teria dito, então, que ele não deveria mais repetir a crítica, caso quisesse preservar uma amizade de décadas.
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Militares
Após a invasão às sedes dos três Poderes e a tentativa de golpe pelos bolsonaristas, no dia 8 de janeiro, Janja fez críticas ao titular da Defesa, José Múcio Monteiro, em reunião com a presença de outros ministros. Ela o acusou de não “proteger” o presidente como deveria.
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Exemplos
A presença atuante de Janja na campanha e no início do governo Lula vai na contramão do comportamento de primeiras-damas de esquerda no continente. Com um discurso “contemporâneo”, a cientista social Irina Karamanos, companheira do chileno Gabriel Boric, delegou funções tradicionais do posto para profissionais da área social e praticamente aboliu a figura da primeira-dama do La Moneda.
Foi no passado da política sul-americana que Janja identificou o que seria um exemplo de primeira-dama. Na campanha, ela se referiu a Evita Perón, segunda mulher do ex-presidente argentino Juan Domingo Perón, como “inspiradora”.
Em janeiro, durante viagem de Lula a Buenos Aires, Janja posou na sacada da Casa Rosada, onde Evita fazia seus discursos populistas e dramáticos nos anos 1940 e 1950. “A história de uma mulher forte e inspiradora aconteceu aqui”, escreveu Janja na postagem da foto no Instagram. Evita foi considerada uma primeira-dama que ajudava na popularidade de Perón.
Em vídeo publicado no Instagram, no Dia da Mulher, 8 de Março, Janja mostrou seu gabinete no Planalto e uma equipe formada por três funcionárias. “Oi, galerinha, segunda-feira, quase meio-dia e meia, estamos aqui no meu gabinete… já estamos em reunião, aqui, com a minha galera, equipe toda”, disse.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Casa Civil informou que “não existem atos administrativos para a criação do ‘Gabinete da Primeira-Dama'”. A pasta se limitou a informar que não há uma rubrica orçamentária específica para Janja e que ela é atendida pela mesma assessoria de Lula em atividades de interesse público.
O Estadão, no entanto, identificou ao menos duas servidoras no atendimento exclusivo à primeira-dama, com salários de R$ 12 mil e R$ 16 mil por mês, em abril.
Como revelou o Estadão, uma ex-sócia de Janja foi contratada como assessora especial da Presidência, com salário de R$ 13,6 mil. Margarida Cristina de Quadros deveria acompanhar Lula, mas viaja com Janja em agendas sem a presença do petista.
Mesmo os pequenos gestos de Janja têm sido observados por antigos aliados de Lula. Durante o evento de comemoração do Dia do Meio Ambiente, 5 de junho, o presidente arrancou risadas da plateia ao recusar que um subordinado retirasse de seu pescoço o colar entregue pelo cacique Raoni Metuktire, liderança histórica do movimento indígena.
O fato inusitado, não captado pelas lentes da TV Brasil, foi que a ordem de remoção do presente partiu de Janja. Ao final da cerimônia, ela própria subiu no palanque e removeu o colar do pescoço de Lula. Em seguida, acompanhou o presidente rumo à rampa de acesso ao terceiro andar do Planalto.
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